Vacina agendada por app e 2ª dose: brasileiros contam experiência em Israel
A médica Adriana Del Giglio, 32, vive há dois anos em Israel, trabalha no Ichilov, maior hospital de Tel Aviv, e já tomou as duas doses da vacina contra covid-19. O hospital montou um app para que todos os funcionários e terceirizados, fossem ou não profissionais de saúde, pudessem agendar a aplicação.
Adriana fez isso e foi uma das primeiras a se vacinar, no dia 20 de dezembro —bem no início da campanha de imunização por lá, um dia depois de o premiê Benjamin Netanyahu posar para câmeras recebendo a primeiríssima dose.
Foi tudo muito fácil, até achei, como brasileira, que ia faltar, fiquei ansiosa, mas eles tinham vacina pra todo mundo, do faxineiro ao diretor do hospital, bastava ter o crachá.
Adriana Del Giglio, médica
Em 12 dias, 1 milhão de pessoas do grupo prioritário já tinham tomado a primeira dose da vacina no país. Até a última sexta-feira (5), cerca de um mês e meio depois do início da imunização, o governo de Israel informou que já tinha imunizado totalmente —-com duas doses— quase um quarto de seus cerca de 9 milhões de habitantes.
Até a semana passada, quatro em cada dez pessoas no país haviam tomado ao menos uma dose (38,9%). Os números colocam o país no topo do ranking dos que mais vacinaram, seguido por Emirados Árabes (36,3%) e Reino Unido (15,4%).
Saúde nacional e digitalizada
Para a epidemiologista israelense Ronit Calderon-Margalit, especialista em saúde pública, uma das razões para essa agilidade toda é o fato de o país ter um sistema nacional e digitalizado de saúde, em que todo cidadão é obrigado a se inscrever em um dos quatro provedores de serviços de saúde disponíveis —uma espécie de convênio obrigatório, pago nos impostos. "Isso ajuda muito a rastrear as pessoas", diz Ronit.
Quando as vacinas foram aprovadas em Israel, a população já tinha à disposição aplicativos e números de telefone para agendar a primeira dose.
O guia de turismo Marcos Susskind , 71, também brasileiro, vive há cerca de cinco anos em Israel e recebeu a primeira dose no dia 22 de dezembro. Pela idade, foi incluído no grupo prioritário de vacinação.
"Demorei quase 45 minutos para ser atendido porque não imaginavam que tanta gente ligaria", lembra Susskind, que telefonou logo no primeiro dia para a linha do seu provedor, o Maccabi. "Tive a sorte de ser chamado logo."
Os relatos não diferem muito, mesmo mudando de provedor. Brasileiros e israelenses ouvidos pelo UOL descrevem a facilidade em agendar e a organização dos locais de vacinação —complexos especialmente montados para essa finalidade, grandes e arejados, em estacionamentos ou estádios.
Para Ian Miskin, que chefia em Jerusalém os esforços de vacinação da Clalit, o maior dos provedores, com 4,7 milhões de usuários, a concorrência entre os serviços também colabora. "Cada um quer ter os melhores centros de vacinação para seus membros."
Outra vantagem é que esses locais já estavam montados meses atrás, quando Israel realizou sua campanha anual de vacinação contra a gripe. Segundo Ido Hadari, chefe de Relações Governamentais e de Comunicação do Maccabi, a campanha de outubro e novembro foi uma espécie de "simulação" para a vacinação contra a covid-19.
Negociação antecipada
A capacidade de atender a demanda, a organização na logística e a adesão do público são pontos considerados importantes para o sucesso da campanha de vacinação em Israel. Mas os especialistas são unânimes em relação a um outro fator: o país foi pioneiro na negociação e na compra dos imunizantes.
De nada adianta ter toda a estrutura se não temos as doses.
Ido Hadari, chefe de Relações Institucionais e de Comunicação do Maccabi
O governo anunciou o acordo com a Pfizer, que fornece a maior parte das doses adotadas por lá, em meados de novembro. A negociação começou bem antes, no início da pandemia.
Quando fechou o acordo, Netanyahu fez festa no Twitter: "Grande dia para o Estado de Israel. Assinamos um contrato para trazer 4 milhões de vacinas", escreveu ao compartilhar um vídeo anunciando os planos para as primeiras doses.
O historiador Michel Gherman, diretor acadêmico do Instituto Brasil-Israel (IBI), ressalta que o premiê fez da vacinação uma missão pessoal.
Mas o acordo foi criticado porque, descobriu-se mais tarde, em troca das vacinas adiantadas a Pfizer receberia do Ministério da Saúde dados gerais, embora não personalizados, sobre a saúde de todos os cidadãos israelenses, além de atualizações semanais sobre o número de pacientes infectados e internados, casos graves, óbitos e respiradores. A farmacêutica também recebe dados estatísticos e demográficos dos vacinados.
Poucos dias após o acordo com a Pfizer, ainda em novembro, Netanyahu escreveu: "Estamos negociando com a Moderna para trazer mais vacinas a Israel. Minha política é trazer o maior número possível de vacinas, de tantas fontes quanto possível, para o maior número possível de cidadãos, no menor tempo possível!".
Redução das internações de idosos
À frente na velocidade de vacinação, Israel é observado pelo mundo todo como um grande laboratório da vida real, no qual a vacina da Pfizer é aplicada a um grupo bem maior do que nos testes da fase 3 —foram 44 mil voluntários nos Estados Unidos, Brasil, África do Sul, Alemanha, Argentina e Turquia.
Por enquanto, os resultados são otimistas. Um estudo do Maccabi, divulgado na última quinta-feira (4), aponta que 0,06% dos que foram totalmente imunizados contraíram covid-19 mais de uma semana após a segunda dose. Segundo o provedor, foram 254 pessoas entre 416,9 mil e todos tiveram sintomas leves. Apenas quatro foram hospitalizados.
Dados mais amplos do Ministério da Saúde apontam na mesma direção, com queda mais visível entre idosos e em regiões em que houve maior avanço da vacinação. Entre 750 mil vacinados maiores de 60 anos, 531 testaram positivo para o novo coronavírus, ou 0,07%. Eles tiveram sintomas leves, disse a pasta.
Apesar dos resultados, o número de infectados continua alto e as campanhas para uso de máscaras e distanciamento social continuam. O governo prorrogou o terceiro lockdown na semana passada. Até domingo (7), Israel contabilizava 689 mil casos da doença e 5.113 mortes, de acordo com a Universidade Johns Hopkins.
Desconfiança da vacina e distribuição
Mas há ainda obstáculos que devem ser superados para aumentar a cobertura da vacinação.
Segundo o historiador Michel Gherman, que também é professor da UFRJ, "há uma porcentagem de 20% a 25% da população que desconfia da vacina" —como os judeus ultraortodoxos e os árabes, "que olham o Estado de forma negativa".
Desde o início da campanha de imunização, essas duas populações têm comparecido em números menores. São também as maiores vítimas da pandemia, porque, como são mais pobres, vivem em casas menores, com muitas pessoas, em situações em que é difícil praticar o distanciamento. Enquanto entre a população laica de judeus o índice de contaminação oscila entre 5% e 7%, esse número salta para 17% entre árabes israelenses e para 22% entre judeus ultraortodoxos.
Gherman lembra que existe ainda uma questão de identidade nacional entre os árabes israelenses (cerca de 20% da população). "Os que vivem no norte do país se identificam mais como israelenses e se vacinam mais", diz. Por outro lado, os do entorno de Jerusalém e mais próximos da fronteira com a Cisjordânia se identificam como palestinos e se vacinam menos.
Na segunda-feira passada (1º), Israel anunciou a transferência do primeiro carregamento de vacinas para os palestinos, num total de 2 mil doses da Moderna, também usadas no país.
Para a israelense Ronit Calderon-Margalit, trata-se de um problema do país vacinar "ao menos os palestinos que vivem na Cisjordânia, porque há muitos casos por lá e mobilidade para Israel".
A OMS (Organização Mundial da Saúde) anunciou que Cisjordânia e Faixa de Gaza receberão 37 mil doses da vacina da Pfizer a partir de meados de fevereiro por meio da Covax Facility, iniciativa que visa dar acesso à vacina a países em desenvolvimento.
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