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Na AL, países aplicam 3ª dose enquanto outros dependem de doações

Idoso chileno posta com carteira de vacinação: país aplica doses de reforço em pessoas com mais de 55 anos - Divulgação
Idoso chileno posta com carteira de vacinação: país aplica doses de reforço em pessoas com mais de 55 anos Imagem: Divulgação

Murilo Matias

Colaboração para o UOL, de Porto Alegre

29/08/2021 04h00

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), iniciar uma campanha mundial de vacinação com uma terceira dose de imunizante contra a covid-19 é "tecnicamente e moralmente errada" diante do estoque de doses existente hoje.

Ainda assim, vários países de diferentes continentes já começaram a aplicação em determinadas faixas da população. Chile, Uruguai, Israel, Estados Unidos, Alemanha, França, Emirados Árabes, República Dominicana, Indonésia, Tailândia, Rússia, e Coreia do Sul são nações que contrastam com Haiti, Angola, Egito, Bangladesh e Afeganistão, onde menos de 5% da população está imunizada.

"A distribuição não é feita de forma equitativa entre os países, e sim conforme o poder de mercado de cada um. O estoque de vacinas é finito e grande parte das nações não possui produção local do insumo, portanto o reflexo da aplicação de três doses em alguns lugares pode impactar negativamente na vacinação de outros", conclui o médico João Zanirati, que atua no atendimento da pandemia no SUS.

Com a marca de quase 600 mil mortes o Brasil, que conta com os laboratórios do Butantan e da Fundação Oswaldo Cruz, prevê-se a aplicação de doses de reforço a partir de setembro em idosos. São Paulo e Rio de Janeiro anunciaram que pretendem iniciar ainda antes da data prevista pelo Ministério da Saúde.

O Chile — país que liderou os índices de vacinação na América Latina desde o final do ano passado, chegando atualmente a mais de 80% dos cidadãos completamente imunizados — começou ainda em 11 de agosto a distribuição de doses de reforço a pessoas com mais de 55 anos que já haviam recebido duas aplicações da Coronavac.

"A terceira dose está sendo inoculada por idade e já começou há algumas semanas. As pessoas parecem satisfeitas", relata o aposentado chileno Raul Mena, que não precisará neste momento retornar a um centro de saúde novamente por ter recebido a Pfizer.

Centro de vacinação inaugurado no Uruguay pretende aplicar terceiras doses em 4 mil pessoas por dia - Divulgação - Divulgação
Centro de vacinação inaugurado no Uruguay pretende aplicar terceiras doses em 4 mil pessoas por dia
Imagem: Divulgação

Procedimento similar adota o Uruguai, conforme relata a doutora Aida Gonzales, por anos diretora de saúde de Rivera, na fronteira com o Brasil.

"Aqui estão aplicando a terceira dose com a Pfizer aos vacinados com a CoronaVac. O Uruguai tinha vacinas e decidiu fazer assim. A OMS corretamente quer que primeiro se imunizem países e regiões atualmente com baixos índices de vacinação, mas vivemos o salve-se quem puder, essa tem sido a premissa", observa.

Por outro lado, a ineficiência e a negligência de governos, somadas aos insuficientes mecanismos de doação de imunizantes, podem provocar casos de perda de doses, pondera Zanirati.

"Será que os países que vacinam pouco acelerariam o processo com maior quantidade do produto no mercado ou isso não alteraria sua capacidade de compra? Além disso, governos podem atrasar a aquisição dos insumos por questões políticas. [Jair] Bolsonaro demorou meses para comprar a Pfizer. Se as vacinas não forem compradas ou distribuídas, aí é mais interessante aplicar a terceira dose do que deixá-la parada", avalia a médica uruguaia.

A Guatemala, na América Central, enfrenta crises dessa ordem com o atraso dos poucos insumos comprados da Rússia. O país está à mercê de doações para não paralisar a campanha de vacinação, cuja cobertura é de 5% nesse momento.

"O contrato de compra é secreto, e o ritmo de entregas incerto. Não sabemos os prazos. A incapacidade estatal não é gratuita e tem a intenção de privatizar a atenção à pandemia, as pessoas sabem disso. O Ministério da Saúde já reconheceu que o número de mortes oficiais pela doença, estimando em 11 mil pessoas, deve ser multiplicado por dois para que se chegue a um índice mais próxima da realidade", critica o professor universitário guatemalteco Secil Oswaldo de León, ainda não vacinado aos 54 anos.

Haitiano recebe vacina contra a covid-19 - Organização Pan-Americana de Saúde/Divulgação - Organização Pan-Americana de Saúde/Divulgação
Haitiano recebe vacina contra a covid-19
Imagem: Organização Pan-Americana de Saúde/Divulgação

As ilhas caribenhas que compartem uma larga extensão de fronteira expressam de maneira dramática a desigualdade que marca o tema da vacinação a nível mundial. Enquanto no Haiti não há nem dados oficiais dada à crise social e ao reduzido número dos que tiveram acesso à vacinação, os vizinhos dominicanos partem para a terceira dose, incluindo o presidente Luis Abinader — quase 50% da população está completamente imunizada.

"É um tema complexo. Somos vizinhos, mas temos políticas muito diferentes. O governo dominicano tem vacinado muitos haitianos que vivem por aqui, e há expectativa também de que os Estados Unidos doem suprimentos ao Haiti", afirma o administrador Oscar Foster de pouco mais de 20 anos e já vacinado com duas doses de Pfizer.

Foster lembra ainda do recente terremoto que atingiu o país vizinho intensificando o fluxo de pessoas entre as fronteiras.

Diante de realidades tão distintas, as autoridades da OMS têm insistido no perigo que pode significar a disparidade vacinal para o desenvolvimento de novas cepas em regiões de baixa cobertura, além da maior exposição desses povos às complicações causadas pelo vírus e suas variantes. A entidade também não recomenda a mistura de vacinas, prática já adotada em muitos países.

"As vacinas apresentam uma baixa na eficácia com o passar dos meses, mas isso acontece com vários imunizantes. Como propomos nas nossas recomendações, o esquema vacinal com duas doses dos imunizantes aprovados traz uma proteção boa e suficiente", afirmou recentemente Ann Lindstrand, coordenadora do Programa Expandido de Imunizações da OMS. Em todo o mundo já se administraram 5 bilhões de doses de vacina contra a covid-19.