Entenda o conflito Rússia-Ucrânia e a chance de começar a 3ª Guerra Mundial
Após quatro meses de ensaios, a Rússia confirmou as especulações norte-americanas e invadiu a vizinha Ucrânia, provocando a maior tensão na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Embora o risco de eclodir uma Terceira Guerra ainda seja pequeno, especialistas consultados pelo UOL apostam em sanções "sem precedentes" contra a Rússia, que —preparada para o conflito— pode investir em uma guerra regional de extensões ainda incertas.
A invasão começou oficialmente após pronunciamento do presidente russo Vladmir Putin às 23h45 de quarta-feira (23), no horário de Brasília, quando anunciou uma "operação militar especial" para "proteger a população do Donbass", região no leste ucraniano de maioria russa cuja independência foi reconhecida por Moscou na segunda-feira (21).
Putin justificou a invasão afirmando que apenas cumpria a promessa de enviar tropas para apoiar as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk. Ele falou em "desnazificar" o exército local e levar justiça a um "genocídio" contra russos do Donbass.
O avanço da Otan
Segundo Vladmir Putin, a origem do atual conflito remonta ao fim da Guerra Fria, em 1991, quando a Otan —a aliança militar de EUA e Europa após a 2ª Guerra— teria assinado um acordo com a Rússia se comprometendo a não avançar sobre as repúblicas que ganhariam independência após a dissolução da União Soviética, o que a Otan nega.
"Esse acordo garantiria que a Rússia preservasse sua cultura da ocidentalização, o que sempre temeram", diz Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP.
Mas no final daquela década a República Tcheca (1999), Hungria (1999) e a Polônia (1999) já faziam parte da aliança militar. "Alí já pisca um sinal de alerta", diz a professora.
A tensão aumenta em 2002, quando o Senado americano aprova a expansão da Otan e ainda autoriza envio de ajuda financeira a sete países do leste e do centro da Europa candidatos a membros da aliança militar. Era o que o governo americano chamava de "política de portas abertas" da Otan.
Hoje, 14 dos 30 países que compõem a aliança militar são do leste europeu.
Desde o final dos anos 1990 estrategistas americanos avisavam que isso daria problema. Mas continuaram até que encontraram do outro lado o Putin, que decidiu fechar essa conta."
Maristela Basso, professora da USP
Se a Otan integrar a Ucrânia, a aliança militar ocidental fará fronteira com a Rússia, tudo o que Putin não quer.
"Era uma questão de tempo. O Putin está dizendo: 'pegar a Ucrânia para vocês já não dá'", diz Basso.
A resposta de Putin
"Desde que assumiu [presidente desde 2012 e primeiro ministro de 2008 a 2012], Putin se dedica ao ressurgimento internacional da Rússia", diz Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra e membro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
Putin se preparou para a guerra. Ao prever as sanções econômicas que sofreria, tratou de fazer uma reserva de US$ 630 bilhões (R$ 3,2 trilhões) em moeda estrangeira e ouro. Depois começou a movimentar suas tropas com calma.
"Desde dezembro ele movimenta um contingente expressivo de soldados para a fronteira com a Ucrânia. Hoje, são cerca de 200 mil soldados", diz a professora da USP. "Depois preparou força bélica por terra, com tanques. Mobilizou caças, navios de guerra e submarinos nucleares."
Ele fez uma grande movimentação de guerra. Ninguém faz uma preparação como essa para depois blefar."
Maristela Basso, professora da USP
Para completar, Rússia e China assinaram uma declaração conjunta em fevereiro, "uma peça histórica, firmando uma aliança tática entre os dois gigantes da Eurásia, um pesadelo para a geopolítica americana", lembra Carmona.
Rússia um passo à frente
Com tudo planejado, Putin move as peças do conflito como quem joga xadrez, compara Leonardo Paz, professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas) do Rio.
"Putin continua movendo as peças no tabuleiro. Ele deixou os líderes ocidentais um passo atrás", diz ele. "Ao contrário das guerras tradicionais, a Rússia não fez uma invasão pelo norte e nordeste da Ucrânia, invadiu a capital e derrubou o governo."
"Ele primeiro reconhece a independência dos territórios e depois manda as tropas para lá" diz. "Ele joga como defensor. Diz que não invadiu a Ucrânia, mas que está ajudando duas novas repúblicas."
Carmona lembra que Putin decidiu iniciar a tese sobre a independência do Donbass ao se aproveitar de "um raro enfraquecimento do ocidente".
"A despeito de ser a maior potência, os Estados Unidos enfrentam divisões internas como nunca se viu. O Donald Trump [ex-presidente americano] disse que a guerra acontece porque o Joe Biden [atual presidente] fraudou a eleição", afirma. "E a União Europeia não tem voz porque também padece de profundas divisões."
Esse momento de fraqueza permite a Putin enfrentar um problema vital para a soberania da Rússia."
Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra
Haverá Terceira Guerra?
Para Leonardo Paz é "sempre impossível garantir que não haverá guerra porque alguém sempre pode fazer uma bobagem", mas ele considera o cenário "altamente improvável".
"Primeiro porque a Ucrânia não é parte da Otan. Se fosse, todos os membros seriam obrigados a enviar tropas", diz o professor. "Acho que a Otan vai ajudar com logística e vendendo equipamento militar, mas não levando tropa para área do conflito. Uma guerra contra a Rússia seria uma barra muito pesada."
O cenário mais provável é o Putin continuar sua campanha na Ucrânia para manter aquela região autônoma e o Ocidente emplacando pacotes cada vez mais pesados de sanções."
Leonardo Paz, professor da FGV
Carmona também acha "muito difícil" uma Terceira Guerra "porque estamos falando de potências nuclearmente armadas".
"Desde o advento das armas nucleares nunca houve conflito entre as superpotências porque isso pode representar a destruição mútua. Se houver de um lado, o outro revidará e todos perdem", considera.
"Acho que o ocidente vai radicalizar nas sanções e excluir a Rússia do sistema bancário internacional", diz. "Mas o Putin, como bom enxadrista, se preparou ao acumular reservas cambiais."
Já Maristela Basso, da USP, acredita que o presidente russo "considerou a possibilidade" de uma grande guerra. "A Ucrânia não pode chamar a Otan, mas já pediu socorro a ela e ao Conselho de Segurança da ONU [Organização das Nações Unidas]", afirma.
Para a professora, "nesse momento a guerra vai se localizar nessa região", mas, se os Estados Unidos decidirem "mandar a cavalaria, o conflito pode ir para um tabuleiro maior, com Europa central e continental".
Para isso o Ocidente precisará se preparar. "A Otan tem poucos homens e alguma representação bélica na região do conflito. Os 30 países terão de mandar muito mais soldados", diz ela. "Imagina a organização disso, a mobilização financeira."
"Isso vai demandar dinheiro e energia, mas quando a Otan tiver contingente expressivo para bater a Rússia, Putin poderá lembrar que é uma potência nuclear. É muito grave o que está acontecendo lá", afirma Basso.
"Os países vizinhos vão sentir a fuga de refugiados, haverá feridos", diz a professora.
Se mexer ali, você mexe no mundo, que vai sofrer economicamente os efeitos dessa guerra, seja ela bilateral, regional ou mundial."
Maristela Basso, professora da USP
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