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Guerra da Rússia-Ucrânia

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Grupo de brasileiros que quer ir à Ucrânia tem ex-bolsonaristas

Isabella Hoepers, Claudio Alves, Endri Ribeiro e Fabio Oliveira: grupo de brasileiros diz regularizar documentação para ir à Ucrânia - Reprodução/Arquivo pessoal
Isabella Hoepers, Claudio Alves, Endri Ribeiro e Fabio Oliveira: grupo de brasileiros diz regularizar documentação para ir à Ucrânia Imagem: Reprodução/Arquivo pessoal

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

13/03/2022 04h00Atualizada em 13/03/2022 13h49

Um grupo de brasileiros que diz se mobilizar para ir à Ucrânia e se alistar junto ao exército do país invadido pelas forças militares russas é formado em grande parte por ex-bolsonaristas que hoje atacam a neutralidade defendida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação ao conflito. Entre as pessoas entrevistadas pelo UOL, há um ex-militar, dois socorristas, um instrutor de cursos de segurança e um ex-vigilante.

Bolsonaro tem evitado criticar a Rússia. Antes da invasão, ele visitou o presidente russo Vladimir Putin e expressou solidariedade ao país, que já fazia ações militares na fronteira com a Ucrânia. Após a deflagração da guerra, porém, o governo do Brasil votou a favor da resolução da ONU que condena o ataque russo.

Nos últimos dias, dois ex-militares brasileiros que dizem integrar uma tropa de elite da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, formada por cerca de 20 mil estrangeiros, segundo o governo ucraniano, têm compartilhado fotos e vídeos em seus perfis no Instagram na zona de confronto.

Casado e com duas filhas pequenas, o instrutor de segurança privada Endri Coelho Ribeiro diz querer ir para a zona de conflito para auxiliar os ucranianos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Casado e com duas filhas pequenas, o instrutor de segurança privada Endri Coelho Ribeiro diz querer ir para a zona de conflito para auxiliar os ucranianos
Imagem: Arquivo pessoal

Instrutor de cursos de armamento, tiro e táticas de segurança, o maranhense Endri Coelho Ribeiro, 33, diz ter votado em Bolsonaro nas eleições de 2018, mas admite decepção.

"Eu votei no atual presidente. Profissionais de segurança e militares têm admiração pelo Bolsonaro. Porém, a postura dele trouxe insatisfação. Ele precisaria se posicionar e mostrar indignação. Há crimes de guerra e destruição nas ações autorizadas por Putin [presidente russo] na Ucrânia", afirma.

Em nove grupos no WhatsApp de brasileiros que alegam querer se alistar junto às tropas ucranianas, Endri diz estar com o passaporte regularizado e buscar recursos para arcar com as despesas da viagem ao país invadido. O UOL publicou reportagem revelando gasto de até R$ 7.000 de brasileiros que dizem estar dispostos a morrer para defender o povo ucraniano.

Arma e Bíblia nas mãos

Casado e pai de duas filhas, Endri diz contar com o apoio de uma igreja evangélica para arcar com os custos. Para ele, a maior dificuldade tem sido convencer a família a aceitar o alistamento para a guerra, colocando em risco a própria vida. "Mas tenho falado que a minha certeza maior é a de que eu vou voltar", diz.

Ele afirma que o seu objetivo não é apenas lutar ao lado do exército ucraniano. Para Endri, estar na zona de confronto também é uma "missão de fé".

As pessoas falam: 'são mercenários, estão indo lá para matar'. O meu objetivo é ajudar aquele povo e fazer um trabalho missionário, divulgando a palavra de Deus. Mas se precisar usar os meus conhecimentos de confrontos armados, eu também vou estar pronto"
Endri Coelho Ribeiro, instrutor de cursos de segurança

Com 11 anos na área, ele diz já ter experiência em confrontos —e, ainda que reconheça que ela é limitada quando se trata de guerra, afirma acreditar que está preparado. "Há pessoas sendo recrutadas sem nenhum tipo de treinamento. Estou acima da média em comparação a civis que estão lá portando armas. A minha experiência pode servir como base para situações reais."

'Via o Bolsonaro como herói. Hoje, é uma decepção'

Nem todos os que se dizem voluntários a viajar para a Ucrânia planejam ir para a zona de confronto. Estudante de enfermagem, a paranaense Isabella Hoepers, 26, que mora em São Paulo, quer ajudar no socorro às vítimas.

Isabella Hoepers estudou Enfermagem e prestou concurso para a Polícia Militar. Agora, quer se alistar para ajudar os ucranianos no conflito com as tropas russas - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Isabella Hoepers estudou Enfermagem e prestou concurso para a Polícia Militar. Agora, quer se alistar para ajudar os ucranianos no conflito com as tropas russas
Imagem: Arquivo pessoal

Com cursos de resgate e atendimento pré-hospitalar, ela diz ter atualizado os seus conhecimentos nos últimos dias, sobretudo no atendimento de múltiplas vítimas, pessoas atingidas por explosão e feridos por disparo de arma de fogo. "Sempre tive paixão pela área militar e essa vontade de ajudar o próximo. Minha família tem medo, mas me apoia", afirma ao UOL.

Com fluência para a leitura em inglês, ela diz ter mantido contato com a Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, já que conta ter tido dificuldades para obter orientação com a Embaixada da Ucrânia no Brasil. Ela relaciona a falta de informação no país à postura do governo federal.

Hoje crítica do presidente, Isabella já fez até campanha nas eleições de 2018 de apoio a Bolsonaro. Nas redes sociais, posava para fotos que exibiam o rosto do candidato. Mas o sentimento mudou. Quem antes fazia postagens sobre o "mito" e subia fotos usando a legenda "ele sim" em apoio à candidatura de Bolsonaro agora só fala em decepção.

Eu era bolsonarista de carteirinha e via o Bolsonaro como um herói. Achava que ele iria salvar o Brasil. Hoje, tenho até vergonha de ter sido eleitora dele. Há muita gente desempregada e passando fome nas ruas. Bolsonaro está ignorando o massacre na Ucrânia. Não se importa com os brasileiros e também não se importa com o povo ucraniano"
Isabella Hoepers

Na semana passada, o governo brasileiro cedeu um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para resgatar na Polônia 62 pessoas — 42 brasileiros e 20 estrangeiros — que fugiram do conflito na Ucrânia. No voo de ida, a aeronave levou 11,6 toneladas de doação ao país — alimentos desidratados de alto teor nutritivo, purificadores de água e itens médicos.

'Rússia comandada por um lunático'

Solteiro e sem filhos, o enfermeiro e socorrista Claudio Ferreira Alves quer auxiliar o exército ucraniano na guerra - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Solteiro e sem filhos, o enfermeiro e socorrista Claudio Ferreira Alves quer auxiliar o exército ucraniano na guerra
Imagem: Arquivo pessoal

Solteiro e sem filhos, o socorrista Claudio Ferreira Alves, 35, que mora em Sorocaba (SP), reúne recursos próprios para arcar com os custos da passagem e se apresentar junto ao exército ucraniano. Ele, que alega ser voluntário no atendimento às vítimas, está sensibilizado com o conflito e faz críticas ao russo Vladimir Putin.

"A Rússia está sendo comandada por um lunático. Quem tem empatia pelo sofrimento do povo ucraniano vai entender a minha decisão de ir para lá. Não quero ser herói. O meu objetivo é só ajudar. Muitas pessoas querem fingir que nada está acontecendo. Mas essa luta é de todos, não é só da Ucrânia", afirma.

Claudio também faz críticas à postura do presidente Jair Bolsonaro.

Eu votei no Bolsonaro em 2018, mas vou optar por outro candidato neste ano. Bolsonaro está perdendo votos por essa postura de ser neutro na guerra. Ele deveria ter se posicionado a favor da Ucrânia"
Claudio Ferreira Alves, socorrista

'Cachorrinho político'

O ex-militar Fabio Júnior de Oliveira organiza a documentação para comprar viagem e ir para a Ucrânia - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O ex-militar Fabio Júnior de Oliveira organiza a documentação para comprar viagem e ir para a Ucrânia
Imagem: Arquivo pessoal

O mineiro Fabio Júnior de Oliveira, 42, que serviu como sargento do Exército entre janeiro de 2005 e novembro de 2006 e agora se mobiliza para viajar à Ucrânia, diz ver uma real oportunidade de atuar em confronto.

"Sempre tive a ideia de ser militar e de ter utilidade. Ser militar de mentirinha não serve. Essa é a minha decepção com o Exército brasileiro", diz o ex-militar formado em física, que já trabalhou como fotógrafo em casamentos, garçom em cruzeiros e hoje atua como motorista de aplicativo.

Ele diz nunca ter votado em Bolsonaro, mas reconhece que foge à regra dos grupos de alegados voluntários, formados em grande parte por bolsonaristas ou ex-bolsonaristas.

Nunca votei no Bolsonaro, porque não é um verdadeiro militar. Ele era o cachorrinho político do Trump. Agora, ganhou afago na cabeça do Putin e está satisfeito. Infelizmente, não enxerga a grandeza do cargo que ocupa"
Fabio Júnior de Oliveira, ex-militar

Embora não tenha tido treinamento militar, o paulistano Fabio Quero Morais, 43, que trabalha na área de logística, diz estar organizando a documentação para comprar passagem e se alistar na Ucrânia. "Fiquei decepcionado com a visita do Bolsonaro ao Putin. Se realmente fosse neutro, ele também deveria ter ido à Ucrânia."

Aos 18, acabou sendo dispensado pelo Exército. Mas diz que sempre sonhou em estar no meio militar.

"Os meus amigos falam que eu estou louco [por querer ir para guerra], que sofri lavagem cerebral. Quando começou a guerra, senti que precisava fazer algo importante na vida", diz.