Em reedição de 2017, Macron e Le Pen se enfrentam novamente neste domingo
A França elege hoje (24) quem será o seu presidente pelos próximos cinco anos: o atual líder Emmanuel Macron ou a candidata de extrema-direita Marine Le Pen. Assim como em 2017, os dois se enfrentam novamente no segundo turno das eleições. Desta vez, em meio à guerra entre Rússia e Ucrânia.
O conflito foi um dos temas do único debate entre eles, na noite de quarta-feira (20). Para o historiador Vinícius Bivar, pesquisador do OED (Observatório da Extrema Direita), foi um encontro mais equilibrado do que o que ocorreu em 2017, quando Macron derrotou a adversária por 66% a 34%.
"Macron não foi claramente o vitorioso da noite, como ocorreu há cinco anos, mas em alguns tópicos específicos ele conseguiu mostrar certa superioridade, sobretudo por apontar as ligações de Le Pen com a Rússia", disse Bivar em entrevista ao UOL.
Candidata pelo RN (Reunião Nacional, partido de extrema-direita francês), Marine Le Pen contraiu, em eleições passadas, um empréstimo de 9 milhões de euros (cerca de R$ 45 milhões) de um banco russo. Ela alegou que nenhum banco francês quis concedê-la um empréstimo por causa de Macron, que é banqueiro.
O atual presidente francês rebateu que Éric Zemmour, outro candidato de extrema-direita, não precisou apelar aos russos para conseguir financiar a sua campanha.
No primeiro turno deste ano, realizado em 10 de abril, Zemmour foi o quarto mais votado, com 7% dos votos. A votação foi liderada por Macron (27,8%), seguido de Le Pen (23,1%) e o candidato de esquerda Jean-Luc Mélechon (21,9%). Bivar observa que os votos de Zemmour devem migrar para Le Pen, mas que a disputa entre ela e Macron é pelo eleitorado de Mélechon.
"Minha opinião é de que a maioria vai migrar para Macron ou se abster de votar por não identificar no Macron uma alternativa", afirma. Ele explica que parte dos votos em Mélechon são votos antissistema, o que é visto por Le Pen como uma oportunidade de abocanhar uma parcela da população que é contrária ao governo dos últimos anos.
Bivar acrescenta que é possível que a taxa de abstenção de hoje seja tão alta quanto a do primeiro tuno, de 26%: "Vários eleitores estão desiludidos em relação à política. A expectativa é que a abstenção seja muito elevada".
Críticas a Macron
Bivar afirma que Le Pen tem abraçado uma "veia mais populista, defendendo a diminuição de impostos e aumento de gastos sociais" para passar uma imagem mais moderada. Isso tem relação com os cinco anos de mandato de Macron.
Ainda no seu primeiro ano de governo, Macron lidou com demissões de ministros do alto escalão, a aprovação de uma reforma trabalhista que gerou revoltas entre os sindicatos (que o acusavam de beneficiar empregadores) e a violência com a qual a sua polícia respondeu a manifestações de 1º de maio pelo país.
Um homem do grupo de segurança do presidente foi flagrado pelo "Le Monde" se passando por policial enquanto agredia manifestantes.
O Insee (Instituto Nacional de Estatísticas e Estudos Econômicos) estima que a França vive o pior nível de inflação nos preços de energia desde a crise financeira de 2008, com o aumento impulsionado pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.
Segundo o site francês Mediapart, o crescimento econômico do governo Macron foi, em média, de 0,43% ao ano. Embora maior que o do governo de Nicolas Sarkozy (0,29%), o índice é menor do que o de seu antecessor direto, François Hollande (0,76%).
Ainda segundo o Mediapart, ao menos 9 milhões de franceses — cerca de 14,6% da população — vivem abaixo da linha da pobreza.
A tentativa de Macron em mediar as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia também teve seus prós e contras. Para Bivar, uma vantagem foi o fato de que o presidente francês passou uma imagem de estadista, repetindo o que ocorreu em 2014, quando a França teve participação ativa nas rodadas de negociação durante a invasão russa à Crimeia.
"Mas isso também foi prejudicial para o Macron, porque em alguma medida ele abandonou a campanha eleitoral tradicional, não fez grandes comícios, não foi para a rua conversar com eleitores", acrescenta o historiador.
E o Brasil?
Macron citou o Brasil durante o debate eleitoral ao lembrar que foi ele o responsável por travar um acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. O motivo, alega, foi o fato de a agricultura na região não seguir acordos ambientais. Ele trouxe o assunto ao ser acusado por Le Pen de não defender agricultores franceses.
A relação entre o presidente francês e o presidente Jair Bolsonaro (PL) não é boa. Os dois já trocaram farpas a respeito do desmatamento na região da Amazônia. Recentemente, Macron abraçou a pauta ambiental durante a campanha visando atrair o eleitorado de Mélechon.
No caso de Le Pen ser eleita, isso pode significar uma ameaça à vaga que o Brasil tenta conquistar no Conselho de Segurança da ONU, segundo o colunista do UOL Jamil Chade.
Bivar, por sua vez, afirma que o resultado deste domingo também indica o termômetro dos países de extrema-direita na Europa em ano também eleitoral no Brasil.
"Existe a expectativa do papel que a extrema-direita vai ter no pós-derrota de Donald Trump. O quanto, ou até que ponto, a extrema-direita perder força na eleição da França pode servir para que Bolsonaro use o caso francês como exemplo para se fortalecer nas eleições de outubro no Brasil", afirma.
Indefinição
Nos primeiros dias logo após a definição do segundo turno, a disputa entre Macron e Le Pen se mostrava apertadas nas pesquisas eleitorais. No entanto, a distância entre os dois foi aumentando à medida que o atual presidente foi ampliando as suas intenções de voto.
Na visão de Bivar, no entanto, é difícil antever o resultado eleitoral apesar da vantagem de Macron nas pesquisas: "Não dá para cravar".
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