'Não conseguiram sair': comandante detalha bombardeio que matou brasileiros
O tenente Sandro Carvalho da Silva, brasileiro que comanda um pelotão aliado das tropas ucranianas, detalhou como foi o bombardeio russo que matou Douglas Búrigo e Thalita do Valle na tarde de quinta-feira (30) na cidade de Kharkiv.
Já são três casos de brasileiros mortos na guerra da Ucrânia. André Hack, integrante da mesma unidade, morreu em um combate contra os russos na madrugada de 5 de junho.
Em entrevista ao UOL, Sandro disse integrar um grupo formado por brasileiros, colombianos e espanhóis, que montou bases temporárias em sobrados em um vilarejo, em busca de civis ucranianos deixados para trás em meio a conflitos. Sandro informou que estava em um desses imóveis com Douglas, Thalita e outro combatente quando o grupo foi surpreendido pelos bombardeios.
"Era um vilarejo que, em tese, estava desocupado. Mas tem muita gente que não quer sair. Era uma região relativamente tranquila. Não tinha mais combate corpo a corpo ou a presença do inimigo. Mas fomos atingidos por artilharia pesada".
Após a primeira explosão, o grupo buscou proteção em um bunker instalado no próprio imóvel, segundo relatou o comandante do pelotão. Contudo, um disparo de morteiro com munição incendiária causou um incêndio no sobrado de dois pisos.
O [nome do outro combatente] subiu a escada até a ponta do bunker e viu que já tinha muito fogo, que começava a se alastrar pela casa toda. Lembramos que tinha muita madeira no assoalho. Aí, tomamos a decisão de sair mesmo no meio do fogo, num intervalo de poucos segundos entre um disparo e outro. Foi uma decisão perigosa, porque poderíamos ser atingidos"
Sandro Carvalho da Silva, comandante do pelotão
Com a casa já em chamas, Sandro disse ter escapado pela janela. Já o outro combatente fugiu por um buraco na parede causado por uma das explosões. Ele disse que chegou a ver Douglas saindo logo atrás. Foi a última vez que o viu com vida, revelou. Quando chegou à área de mata para se proteger dos morteiros, só encontrou o outro combatente do pelotão. O mesmo que constatou o incêndio no sobrado.
"Olhei para cima, vi um drone e corri para a floresta. De lá, ficava gritando para eles [Douglas e Thalita] saírem. Mas eles não conseguiram sair. Aí veio mais um disparo que atingiu a casa. E a gente teve que correr para outro bunker. Se ficássemos ali, também iríamos morrer", revela.
Thalita foi socorrida no bunker: 'morreu asfixiada'
Quando a sequência de bombardeio foi interrompida, os combatentes se comunicaram por rádio para reagrupar a tropa que estava no entorno e pediram reforço aos combatentes em outras casas no vilarejo. O sobrado onde estavam Douglas e Thalita já tinha sido tomado pelo fogo, conta Sandro. Mas a ideia era concentrar esforços para resgatá-los.
"Voltamos para a casa, mesmo correndo o risco de sermos atacados novamente".
Os combatentes então correram com baldes de água para apagar o foco de incêndio e chegar ao bunker. Com uma fumaça preta ainda cobrindo o sobrado, um combatente colombiano entrou no imóvel e acessou o bunker para fazer o resgate.
Enrolado em uma coberta, encontrou Thalita no chão, desacordada. Após colocar uma máscara de respiração no rosto dela, ele saiu do imóvel passando mal, intoxicado pela fumaça. Em seguida, outro militar entrou no bunker e conseguiu retirar Thalita de lá.
Tentei fazer massagem cardíaca para reanimá-la, mas não consegui. Então, entramos em um carro e a levamos para um posto médico. Mas ela já estava morta. Morreu asfixiada pela fumaça. O corpo estava intacto. Só tinha algumas queimaduras nas mãos"
Sandro Carvalho da Silva, comandante do pelotão
Na mesma ação, três militares sofreram intoxicação pulmonar após inalarem fumaça em meio ao resgate. Entre eles, o próprio Sandro —o único que já teve alta. Um outro oficial atingido por estilhaços no tórax passou por cirurgia e segue internado, em estado estável, informou o comandante brasileiro.
Douglas voltou para resgatar Thalita, diz oficial
Segundo os combatentes que estavam no local bombardeado pelos russos, Douglas permaneceu no sobrado para tentar retirar Thalita do bunker. Mas morreu ao ser atingido pela explosão.
"O Douglas vinha logo atrás de mim. Mas decidiu voltar. Ele arriscou a própria vida para resgatar a colega e acabou ficando preso. O Douglas foi um herói", avalia o comandante do pelotão.
A prefeitura de São José dos Ausentes (RS), onde Douglas morava, decretou ontem (4) luto oficial de três dias em decorrência da morte dele na guerra da Ucrânia.
'Ela queria vir com a gente nas patrulhas'
Os combatentes mortos permaneceram por apenas uma semana na zona de guerra. Mas acabaram morrendo na primeira missão. Com experiência em conflitos anteriores, Thalita chegou a participar de missões há três anos contra o Estado Islâmico no Iraque, Curdistão Iraquiano e Curdistão Sírio, onde se tornou atiradora de elite.
Atriz, modelo e ativista de causas animais, participou de buscas na tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 270 mortos em janeiro de 2019.
Mas a sua principal vocação era mesmo o trabalho como socorrista, segundo a família e um comandante da unidade onde ela estava.
A Thalita era uma das poucas paramédicas nos pelotões. Um comandante disse que não queria mulher na linha de frente. Queria colocá-la em uma unidade de saúde de retaguarda. Mas ela bateu o pé e disse que queria vir com a gente nas patrulhas. O comandante aceitou, porque não tinha tanta gente com a experiência que ela tinha. A Thalita tinha muita coragem e uma vontade de querer ajudar"
Sandro Carvalho da Silva, comandante do pelotão
"A Thalita estava onde ela queria estar. Foi uma guerreira, uma heroína de primeira linha", complementa.
Já Douglas ganhou destaque pela atenção aos detalhes. Como quando usou a vegetação para camuflar um buraco usado como um dos pontos de observação da tropa. Ou no cuidado que tinha no preparo das refeições. "O Douglas era um gaúcho tranquilo, que estava sempre de bom humor. Os integrantes da tropa estavam ali porque queriam estar ali", observa.
Com o ataque, os integrantes do pelotão perderam todos os equipamentos que carregavam, como drones, lunetas, granadas, fuzis, coletes à prova de balas, capacetes, equipamentos de visão noturna e até celulares.
"Fiquei só com a bermuda que estava no corpo, não tenho mais nada", relata Sandro.
Nesse momento, ele interrompe o relato e faz um pedido: "Se você puder, gostaria que escrevesse que, apesar das baixas, a tropa está firme. Estamos tristes pela perda dos colegas, mas ninguém vai arredar o pé daqui. Queremos fazer a diferença nessa guerra".
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