Com feriado, multidão faz ato pró-democracia após ataque contra Cristina
As ruas do centro de Buenos Aires foram tomadas hoje por grupos de manifestantes que se concentraram na praça de Maio, onde está a sede do Poder Executivo argentino. Em um ato pró-democracia, o grupo pedia o fim da violência na política e também gritava palavras de ordem em favor da vice-presidente do país, Cristina Kirchner, que foi vítima de um atentado na noite de ontem (1º).
O ato foi extremamente pacífico. Às 19h, a maioria dos manifestantes já havia deixado o local. Tirando a grande quantidade de lixo pela praça, nada evocava um cenário de caos. Na verdade, o ato foi em boa parte uma festa em prol da democracia e de combate ao ódio.
Nem a polícia teve uma presença muito ostensiva, apenas cercando os principais monumentos da praça. Com a maior concentração de pessoas às 17h, o ato começou a se dispersar depois de um emocionado discurso em prol da união da nação. No início da noite eram poucos os que permaneciam, com gritos de "Viva a presidenta".
Ainda não há números oficiais de quantas pessoas foram aos atos pró-democracia, mas já se ventila que a manifestação foi tão ou mais massiva que as marchas sobre o aborto que levaram mais de 150 mil pessoas às ruas da capital no final de 2020.
Apesar da tentativa da organização de criar um ato massivo envolvendo vários representantes do espectro político, o que se viu foi que havia entre os manifestantes um desejo de responsabilizar movimentos de extrema direita pelo atentado devido a uma escalada no discurso de ódio contra Cristina.
Como foi o ato? Contribuiu para a grande afluência de pessoas o fato de o presidente Alberto Fernández ter declarado o dia como feriado nacional e estimulado as pessoas a comparecerem às manifestações que fecharam também importantes avenidas de Buenos Aires, como a 9 de Julio.
O que se observava na cidade, porém, era que o feriado anunciado quase na virada de ontem para hoje não havia tido tanta adesão do setor de serviços. Os transportes funcionavam normalmente, mas havia também, especialmente entre moradores do centro da cidade, um medo em relação ao tom dos atos, que foram afinal bastante pacíficos.
Discurso. O momento de maior comoção foi quando a atriz Alejandra Darín, irmã do ator Ricardo Darín, e diretora da Associação Argentina de Atores, leu uma carta pública em favor do respeito ao contraditório e contra os discursos de ódio na política.
"O povo argentino está comovido, impactado pelo que aconteceu, incluindo a milhões de nós que não simpatizam nem com Cristina, nem com o peronismo", disse a atriz.
Fazemos um apelo para a união nacional, um chamamento, mas não a qualquer preço. O ódio, este queremos fora de nossa pátria
Alejandra Darín, atriz
Era previsto pela organização do ato que houvesse uma dispersão depois disso, o que não ocorreu.
O público que compareceu ao ato, porém, parecia bastante emocionado. Além de vice-presidente, Cristina é forte candidata às eleições de 2023 e uma importante liderança política na Argentina. Muitos manifestantes choraram com o discurso e as interrupções para aplausos eram constantes.
A maioria das pessoas levava consigo bandeiras da Argentina ou bandanas com as cores do país. Entre os cartazes, era comum ver declarações que associavam o atentado aos discursos de adversários da vice-presidente. De forma geral, havia um ressentimento em relação à imprensa e a seus profissionais no ato.
O presidente Alberto Fernández recebeu na Casa Rosada algumas das lideranças sindicais que foram ao ato. Em uma foto publicada pela Presidência, ele aparece cercado de representantes de setores sindicais, empresariais e de representantes de associações religiosas e sociais.
Ao seu lado, por exemplo, estavam duas representantes dos históricos movimentos de Mães e Avós da Praça de Maio, principal organização pública de combate à ditadura militar no país.
Quais foram as reações dos políticos argentinos? Os atos foram coordenados principalmente por partidos do governo, ligados ao peronismo histórico, mas contaram também com a adesão de partidos da esquerda, que fazem oposição moderada ao governo, especialmente o Nuevo MAS.
O maior partido opositor do governo, Juntos por el Cambio, cuja liderança principal é o ex-presidente Maurico Macri, manifestou sua solidariedade à Kirchner e publicou uma carta contra a violência na política, mas não compareceu ao ato.
O governador da Cidade de Buenos Aires, Horacio Larreta, do mesmo partido de Macri, seguiu a tendência de emitir uma nota de repúdio, mas não foi às ruas. Já o líder da extrema-direita local, Javier Milei, não se pronunciou sobre o episódio.
Milei, Larreta, Cristina e Macri são, nesta ordem, os candidatos favoritos às eleições presidenciais que devem ocorrer na Argentina no ano que vem, isso de acordo com as últimas pesquisas de opinião divulgadas há um mês pela consultoria CB.
Há uma pressão da imprensa local para que Milei repudie o ato por ele ter sido, ao longo das duas últimas semanas, um enfático opositor aos atos pró-Cristina, que se avolumaram após uma condenação judicial da vice-presidente por corrupção que pode levá-la a 12 anos de prisão.
Um grupo de apoiadores de CFK, como é conhecida a vice-presidente, tem se reunido desde então todos os dias na porta de seu edifício, local onde ocorreu o atentado.
Cristina foi ao ato? Havia a expectativa entre manifestantes de que a vice-presidente fosse até o ato na Praça de Maio, mas Cristina Kirchner preferiu se manter reclusa, fazendo apenas uma breve aparição pública para entrar em um carro, diferente do que ela usualmente utiliza, para uma viagem que não teve destino publicado.
Antes de sair, ela recebeu a visita do presidente do país por quase uma hora no início da tarde e também recebeu ligações de apoio de figuras como o papa Francisco e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), candidato à presidência do Brasil.
Falhas de segurança e investigação. Também dominou o debate entre os que compareceram na manifestação e na imprensa local as críticas à segurança da vice-presidente, que é feita pela Polícia Federal Argentina. O fato de os agentes não a terem retirado do local imediatamente após o atentado foi visto como um sinal de despreparo.
O brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel, 35, radicado na Argentina há três décadas, foi apontado como autor do atentado. Tendo tentado disparar duas vezes contra a vice-presidente sem sucesso, ele segue detido, mas não foram publicadas informações sobre o que o levou a cometer o atentado e quais são os caminhos atuais da investigação.
A imprensa argentina, porém, estava dominada ontem por reportagens elaboradas da vida de Fernando, feitos a partir de seus perfis em redes sociais, apontando desde a sua conexão a movimentos neonazistas e xenofóbicos, até suas crenças espirituais.
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