Corte condena Brasil por morte de membro do MST no PR e ação da PM em SP

A Corte Interamericana de Direitos Humanos anunciou que o Brasil foi condenado em duas ações: pela morte de um membro do MST em 2000, no Paraná, e pela ação da PM de São Paulo que ficou conhecida como Operação Castelinho, em 2002.

O que aconteceu

O Estado brasileiro foi condenado, 24 anos após a morte de Antonio Tavares Pereira, membro do MST, em Campo Largo (PR). O trabalhador sem-terra, à época com 38 anos, participava de um ato pela reforma agrária na BR-277, na região de Curitiba, que foi reprimido pela Polícia Militar. Além da morte de Tavares, a ação deixou 185 feridos, em maio de 2000.

A Corte Interamericana também condenou o Brasil pela Operação Castelinho, em março de 2002. Na ocasião, a PM de São Paulo matou a tiros 12 pessoas que estavam em uma praça do pedágio da Rodovia Senador José Ermírio de Moraes (conhecida como Castelinho), em Sorocaba (SP). As vítimas eram supostos integrantes do PCC.

Segundo a sentença da Corte, houve uma "execução extrajudicial" pela PM-SP. Dos 12 mortos na operação, 8 estavam em um ônibus, e os outros quatro divididos em duas picapes. A PM alegou que houve troca de tiros, mas o tribunal concluiu que houve "uma operação planejada e realizada por agentes estatais para executar extrajudicialmente as referidas pessoas".

Procurado pelo UOL, governo disse que cumprimento das "reparações históricas" é de "suma importância". Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, afirmou que o Brasil reconhece e coopera com as decisões. "Não podemos tolerar, em nenhum tempo, o uso da força desproporcional por parte de agentes do Estado brasileiro. É estarrecedor perceber, em uma análise de décadas, que os problemas de ontem persistem. O governo está comprometido em garantir a defesa dos direitos de toda a população brasileira".

Não cabe recurso contra a decisão. Se não cumpri-la, o Brasil, que integra a Convenção Americana de Direitos Humanos, fica sujeito a punições, que podem partir tanto da própria Corte como da OEA (Organização dos Estados Americanos).

As indenizações devem ser pagas pela União, através do orçamento do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Os estados do Paraná e de São Paulo não podem ser responsabilizado pela Corte, já que a União é o ente com personalidade jurídica no âmbito internacional.

"Brasil normalmente paga indenizações", diz Lucas Lima, professor de direito internacional da UFMG. "Conta muito contra a reputação de um país o não cumprimento, ainda mais quando há vítimas", afirma.

Se um Estado é condenado em um caso contencioso pela Corte, está obrigado a cumprir a sentença. Essa obrigação decorre do fato de que esse Estado (e este é o caso do Brasil) aceitou se submeter à jurisdição da Corte.
Salem Nasser, sócio do Nasser Advogados e professor de direito internacional da FGV-SP

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O caso da morte do membro do MST

A sentença foi emitida em 16 de novembro do ano passado, mas só foi publicada hoje. Por unanimidade, os juízes da Corte Interamericana condenaram o Brasil, além de pagar indenizações, a custear tratamento psicológico à família de Tavares.

A Corte determinou que monumento do MST seja preservado. Segundo a sentença, o Brasil terá que fazer "um ato público de reconhecimento" às violações cometidas, no prazo de um ano, e garantir a proteção de um monumento construído pelo MST em 2001, no local do protesto. A peça, projetada por Oscar Niemeyer, já foi alvo de discórdia.

Estado brasileiro não forneceu explicação sobre o assassinato de Pereira. Em seu relatório de mérito, em 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o governo não forneceu uma explicação que lhe permitisse considerar que a morte de Pereira foi resultado do uso legítimo da força.

O tiro que causou a morte veio de um policial militar. O oficial não agiu em autodefesa, mas, sim, para assustar os manifestantes, e o tiro foi disparado quando a vítima estava desarmada.

Estes elementos, tomados em conjunto, são suficientes para demonstrar que o tiroteio do policial militar não teve um propósito legítimo, nem foi apropriado, necessário e proporcional.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos

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O caso da Operação Castelinho

As mortes da Castelinho ocorreram em uma operação contra supostos membros do PCC. A ação foi planejada pelo Gradi (Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância), da Polícia Civil de São Paulo.

A operação contou com a ajuda de presos que foram recrutados pelo Gradi como agentes infiltrados. Em 28 de fevereiro de 2002, estes presos convenceram as vítimas tentar roubar um avião com R$ 28 milhões que supostamente iria aterrissar no aeroporto de Sorocaba dali a menos de uma semana.

O transporte do dinheiro no avião era falso. Segundo concluiu a Justiça, esse pretexto foi criado pelos policiais do Gradi para levar os assaltantes a irem ao aeroporto em um ônibus e duas picapes. No caminho, porém, eles foram interceptados por mais de 50 PMs, que esperavam o grupo na praça de pedágio.

Segundo a sentença, os veículos foram atingidos por 114 tiros. Os policiais cercaram o comboio e atiraram contra o ônibus e as picapes por cerca de dez minutos. Ao final, todos os ocupantes dos veículos estavam mortos.

O Estado é responsável pela execução extrajudicial de 12 pessoas no contexto da "Operação Castelinho". Ademais, o Tribunal constatou as graves falhas e omissões na coleta e preservação de possíveis meios de prova, como a falta de proteção e alteração do local dos acontecimentos, o desaparecimento de evidências como as fitas de vídeo que foram entregues à Polícia Militar (pars. 111 a 116 supra) e poderiam ter gravado o momento dos disparos
Trecho da sentença sobre a Operação Castelinho

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