Mísseis e tensão: como norte de Israel é evacuado após ataques do Hezbollah
Na estrada que cruza a vila de Yanuh Jat, no extremo norte de Israel, uma mulher remove pedaços de madeira do quintal de casa. No mesmo momento, perto dali, uma fumaça escura sinaliza ataques aéreos próximos às montanhas em território libanês. Mísseis disparados pelo grupo extremista que atua no Líbano, o Hezbollah, têm elevado a tensão e provocado a saída de muitos moradores de cidades da região de fronteira.
O que aconteceu
Moradores descrevem explosões cada vez mais frequentes. "Foram ataques à distância, mais longe do que já estávamos acostumados", diz Sarit Zehavi, moradora da região norte há quase 20 anos, sobre mísseis disparados no começo desta semana. "Foi assustador para mim, eu estava fora [de casa] com minha filha e havia explosões sobre nossas cabeças. Não tivemos tempo suficiente para correr para um esconderijo."
Os mísseis foram lançados do Líbano em direção às Colinas de Golã, no nordeste de Israel, segundo ela. Sarit, que é fundadora e presidente do Alma Center, centro de pesquisa e educação, afirma que foram lançados cerca de 100 mísseis na segunda (11). O local tem uma espécie de observatório cuja vista contempla quilômetros de fronteira.
Ataques recentes atribuídos ao Hezbollah são considerados uma resposta às ações militares de Israel no território. "Disseram que a ofensiva foi uma resposta ao ataque israelense à cidade libanesa de Baalbek, cerca de 100 km de Beirute, capital do Líbano", afirma. "Estamos em um ciclo de ação e reação. Enquanto Israel atacar o Hezbollah, Hezbollah nos coloca em uma situação horrível."
Ao menos 83 mil israelenses foram deslocados de suas casas nos últimos cinco meses, segundo as Forças de Defesa de Israel. De acordo com o porta-voz do Exército, Roni Kaplan, são 42 povoados próximos da fronteira com o Líbano evacuados. Além deles, a cidade de Quriate-Chemoná, no norte da Galileia, foi esvaziada pela ameaça de ataques.
O Hezbollah está tentando transformar o norte de Israel no sul, afirma Sarit, ao se referir à região que concentra o conflito com o Hamas. "É impossível viver assim. Não se pode ter uma vida normal sob perdas constantes", relata Sharit. "As crianças precisam se sentir seguras para sair e brincar. Elas crescem sob o som de sirenes constantes.
Moradores do norte vivem tensão e incerteza
O medo é constante apesar de parte dos mísseis do Hezbollah serem interceptados pelas forças israelenses. "A IDF [sigla em inglês para Forças de Defesa de Israel] está preparada para enfrentar um maior número de ataques, mas isso não significa que não teremos essas ações", diz Sarit. "É muito difícil evitar completamente o lançamento de foguetes."
Moradores que vivem em até 5 km de distância da fronteira podem sair de suas casas com apoio do governo. Mas, um dos problemas apontado por Sarit é que as famílias deslocadas não podem, por exemplo, cultivar suas terras em outros locais. Segundo ela, não há certeza de que haverá uma "compensação" financeira por todos os gastos.
A reportagem do UOL percorreu quase 200 quilômetros de Tel Aviv até chegar ao kibutz Kfar Blum, próximo da fronteira com o Líbano. No trajeto, foram flagrados balões brancos no céu. A estrutura é utilizada pelo Exército de Israel para vigiar as fronteiras com o Líbano e a Síria.
No kibutz — que são comunidades em que moradores vivem, produzem e administram coletivamente —, a segurança militar se impõe logo na entrada. Soldados armados com fuzis controlam quem entra e quem sai do local.
Casas abandonadas e protocolos de segurança fazem parte da rotina do kibutz. O UOL esteve no local no início da noite de 5 de março. Menos de duas horas após a reportagem deixar o kibutz, os soldados que fazem a segurança da comunidade foram informados de mísseis lançados do sul do Líbano.
As explosões têm sido quase diárias — mais mísseis foram lançados na região na manhã da terça (12). Segundo o soldado Udi Avni, que atua na segurança local em parceria com o Exército de Israel, houve um alerta para cerca de 60 mísseis anteontem. "Muitos moradores acordaram assustados e precisaram esperar uma hora e meia para mandar os filhos à escola".
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Quero receberComo vive o kibutz abandonado por metade dos moradores
Antes do dia 7 de outubro, viviam na comunidade de Kfar Blum 1.200 pessoas. Agora, deixaram a região entre 600 e 800 moradores. Segundo Avni, cerca de 500 pessoas mudaram e passaram a viver em hotéis. O soldado afirma ainda que muitos moradores não têm dinheiro para sair dos territórios.
Escolas funcionam em períodos reduzidos. As famílias que têm filhos em idade escolar deixam as crianças na escola por três ou quatro horas — a depender das condições de segurança do dia. "Isso é um problema porque eles não têm condições de um estudo digno". Os supermercados também permanecem abertos até, no máximo, às 17h.
Turismo é a base da economia local. Contudo, as ruas desertas demonstram os efeitos da escalada de tensão. Segundo Avni, muitos hotéis estão fechados desde outubro. "A situação está piorando a cada dia, a cada semana. O Hezbollah tem mais força e mais poder de fogo."
Alarmes, bunkers e soldados fazem a segurança do kibutz. Quando o alarme toca, os moradores que ainda estão no local têm dez segundos para ir para um bunker — estrutura construída para proteger a população durante a guerra. Além dos bunkers dentro das casas, há ainda estruturas de proteção em vias públicas.
Israel está preparado para enfrentar o Hezbollah?
O grupo Hezbollah tem armamento pesado e sofisticado para usar em ofensiva contra Israel. Segundo Kaplan, o grupo tem mais de 200 mil foguetes no Líbano. "São mísseis de precisão, mísseis antitanques, drones armados e outros tipos de armamentos. São forças treinadas para se infiltrar no norte de Israel", diz.
O Exército israelense avalia a região como de "muito perigo". De acordo com o porta-voz das Forças de Defesa Israelense, desde outubro, ocorreram 2.200 ataques com foguetes vindos do Líbano. Segundo ele, 220 membros e comandantes do Hezbollah foram "neutralizados" desde de outubro — também foram destruídos 120 postos de observação, 40 quartéis de comando e 10 depósitos de armas do grupo extremista no sul do Líbano.
Foco de Israel é eliminar a unidade Radwan — força especial de operação do Hezbollah para entrar em território israelense. "Há algumas semanas, neutralizamos o comandante das Forças Radwan, Ali Muhammad Al-Baz", diz Kaplan. "Estamos atuando para cortar suportes de armamentos e munições que chegam por meio do Irã e da Síria."
Objetivo do Exército é mover o grupo extremista para o norte do rio Litani. "Para isso, há duas opções: a diplomática e a militar. A diplomática ainda está aberta. A militar é uma guerra, mas esperamos que não tenhamos que passar por uma guerra."
Estamos preparados para qualquer tipo de cenário. Incluindo, se necessário, uma guerra contra o Hezbollah. Não podemos tolerar uma realidade em que os moradores do norte de Israel não se sintam seguros em suas casas.
Roni Kaplan, porta-voz das Forças de Defesa de Israel
'Sala de guerra' e 'telefone vermelho' em hospital
Unidade hospitalar no norte de Israel tem estrutura emergencial preparada caso o conflito se acentue. O Hospital de Emergência Subterrâneo Fortificado Sammy Ofer tem uma área montada em um estacionamento com dois mil leitos equipados para atender pacientes
A unidade hospitalar é pública e atende 40 mil pacientes com trauma por ano. Com os ataques do 7 de outubro, o hospital atendeu 204 soldados e 45 civis feridos. Segundo o centro hospitalar, quase 60 tinham ferimentos graves. Antes da guerra, o Rambam recebia pacientes da Faixa de Gaza, do Líbano e da Síria. Desde o começo da guerra, só são atendidos israelenses da região, segundo a administração local.
Unidade tem uma "sala de guerra" com um "telefone vermelho" para receber instruções do Exército. O espaço é uma espécie de sala fortificada no terceiro piso subterrâneo. A administração do hospital afirma que ela só será ativada em caso de guerra com o Norte de Israel, quando também será aberto o Hospital Subterrâneo.
* A jornalista viajou a Israel a convite da ONG Stand With Us Brasil.
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