Por que brasileiros anti-imigração se filiam ao partido Chega, em Portugal

As eleições portuguesas evidenciaram a existência de brasileiros filiados ao partido de extrema-direita Chega, conhecido por levantar a bandeira anti-imigração. A situação ocorre em meio a casos de xenofobia contra os "zucas".

O que aconteceu

Entre os dirigentes do partido, duas cadeiras são ocupadas por brasileiros. Não há um número exato de quantos brasileiros participam da sigla, mas eles acabaram ficando conhecidos pela presença em passeatas e atos políticos do partido nas últimas eleições.

Brasileiro foi eleito deputado pelo partido extremista, com discurso anti-imigração. Nascido no Rio, Marcus Santos, de 45 anos, saiu vitorioso nas urnas no último domingo. Ele defende um maior controle sobre quem entra no país. "Para aqueles que vêm para cá viver de subsídios ou cometer crimes em Portugal, esses que voltem para suas terras", declarou à ZugaTV, no YouTube, no mês de fevereiro.

Pernambucana declaradamente conservadora nos valores diz que encontrou no Chega um ambiente no qual se sentiu segura para expressar suas opiniões. Moradora de Braga há 13 anos, a consultora de RH Cibelli Pinheiro de Almeida foi convidada a fazer parte do partido em 2019. "Fui recebida de braços abertos, inclusive fui dirigente do partido em 2020, presidente da mesa da assembleia da Distrital de Braga", conta, orgulhosa.

Cibelli ao lado de André Ventura, líder do partido de extrema-direta "Chega"
Cibelli ao lado de André Ventura, líder do partido de extrema-direta "Chega" Imagem: Arquivo pessoal/Cibelli Almeida

Embora seja imigrante, a brasileira avalia que as portas de Portugal foram "escancaradas para a imigração ilegal" a partir de 2007, com a Lei dos Estrangeiros. Quando o Chega foi fundado, em 2019, a preocupação com a entrada de imigrantes se tornou, rapidamente, a principal pauta dos seus apoiadores, contrários à entrada de estrangeiros, que para eles estava "desenfreada".

Entendo que é uma falta de responsabilidade acolher cidadãos estrangeiros sem a mínima condição financeira. Todo o tipo de gente, inclusive grupos criminosos do Brasil como o PCC. Não quero viver aqui a violência que já sofri no meu país.
Cibelli Pinheiro de Almeida, consultora em RH

Preconceito e racismo: a adesão de brasileiros à pauta anti-imigração e ao Chega se deve a "demarcadores sociais", ou seja, às características dessas pessoas, entende o doutor em Imigração de brasileiros para Portugal, Lucas Zanetti.

Em Portugal os brasileiros não são o grupo que mais sofre com a pauta anti-imigração. Se esse brasileiro for branco, com ascendência europeia e que reforça o eurocentrismo, ele é bem aceito. Mas o imigrante negro incomoda mais. Lucas Zanetti, doutor pela Unesp

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Os movimentos anti-imigração acusam Portugal de ser excessivamente aberto aos imigrantes. Afirmam que a chegada de facções criminosas, como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o Comando Vermelho, são responsáveis pelo aumento da violência no país.

No início do mês um jovem brasileiro negro morreu agredido após uma discussão em praia de Portugal. Segundo um vizinho do goiano Bruno Ribeiro, 22, que preferiu não se identificar, a agressão partiu de um integrante do PCC que se mudou do Brasil para Portugal. "Portugal está a acompanhar o restante do mundo, a cada dia mais violento", contou o rapaz, que se mudou para o país em busca de segurança e se sente ludibriado. "Há alguns anos podia não ser comum, mas agora muitos brasileiros vêm mal-intencionados, membros de facções."

Em cinco anos, o número de brasileiros em Portugal cresceu em mais de 100%, em números oficiais. O Rifa (Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo) mostrou que em 2018 vivam no país 108 mil cidadãos brasileiros. Questionada sobre a presença do PCC no país, a Polícia Federal brasileira e a adida em Portugal responderam que "PF não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento".

A comunidade brasileira é a mais numerosa. Segundo relatório do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) de 2023, o país abriga um total de 750 mil estrangeiros residentes —brasileiros representando 29,3% do total (233.138).

Especialistas estimam que, na realidade, o número de brasileiros em Portugal pode ultrapassar os 500 mil. A diferença está na existência de brasileiros com dupla-nacionalidade ou que estão no país ilegalmente.

Como brasileiros são recebidos em Portugal

Maioria dos portugueses acredita que os imigrantes contribuem para a economia e cultura do país de destino. Os dados são do relatório Special Eurobarometer 519.

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No entanto, cerca de 47% entendem que a imigração representa uma ameaça à segurança e 44% que ela representa um risco aos empregos. Além disso, 1/3 dos entrevistados defendem que a imigração é mais um problema do que uma oportunidade de desenvolvimento.

A realidade se mostra bastante diferente na prática. O relatório 'Experiências de Discriminação na Imigração em Portugal' produzido pela Casa do Brasil de Lisboa, apontou que 85,6% dos entrevistados afirmam já ter sofrido algum tipo de discriminação por serem imigrantes no país, e as mulheres e pessoas não brancas são os alvos preferenciais.
Lucas Zanetti, doutor em Imigração de brasileiros para Portugal, pela Unesp

Em março de 2023, a Anistia Internacional classificou Portugal como um país que explora imigrantes, principalmente no setor agrícola e de serviços, como bares, restaurantes, hotéis e construção civil. Além disso, o relatório aponta a persistência da brutalidade policial no país, com uso excessivo da força e maus-tratos contra minorias étnicas.

Para Zanetti, a realidade complexa e as diferenças socioculturais brasileiras também precisam ser levadas em consideração. "O emigrante brasileiro apresenta uma diversidade de perfis. Desde trabalhadores em busca de melhores oportunidades laborais até indivíduos que fogem de situações políticas".

Brasileira fala inglês para ser bem tratada

A paulistana Nathália Cardoso, 36, sentiu a diferença no tratamento com brasileiros em Portugal desde a sua primeira passagem pelo país. Ela é nômade e contou ao UOL que sempre é recebida com um sorriso quando fala que é brasileira. Entretanto, em Portugal isso não acontece.

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Ao visitar uma cafeteria em Lisboa, teve o seu pedido ignorado. "Foi quando percebi que o português brasileiro em Portugal é o suficiente para a rejeição", conta.

Nathália Cardoso opta por falar inglês em Portugal
Nathália Cardoso opta por falar inglês em Portugal Imagem: Reprodução/Instagram(@naahestrada)

Era uma manhã normal, entrei na cafeteria e pedi um café com leite. Após um tempo esperando, notei que outras pessoas entravam na cafeteria e eram prontamente atendidas, contudo o meu café não chegava nunca. Muitas pessoas haviam pedido a mesma coisa que eu, outros com pedidos super elaborados, só o meu não chegava. Desde então, me comunico em inglês sempre que vou para Portugal, o tratamento mudou completamente.
Nathália Cardoso, especialista em Marketing Digital

Contudo, a pesquisa de Zanetti mostra que os brasileiros não são o principal alvo deste discurso. "Os movimentos anti-imigração têm um claro direcionamento étnico e cultural, tornando muçulmanos, africanos, indianos e orientais em geral alvos mais comuns. Os recortes raciais, portanto, assumem protagonismo no fenômeno anti-imigração em Portugal", afirma.

Cor da pela e local de moradia provocam rejeição. Para o pesquisador, dois brasileiros —um branco e um negro e um morador do centro de Lisboa e outro de Amadora, na região metropolitana da capital, por exemplo— podem ter experiências completamente diferentes no que concerne à discriminação.

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Os casos de discurso de ódio online e de agressão física e verbal contra imigrantes estão cada vez mais comuns, com casos surgindo com frequência crescente. Esses movimentos são fortalecidos nos ambientes online, com redes de atuação movidas pelo ódio e pelo discurso xenofóbico. Aos poucos, observamos também uma tentativa de ganhar espaço nas ruas, mas a adesão do povo português é baixa.
Lucas Zanetti, doutor em Imigração de brasileiros para Portugal, pela Unesp

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