Papa sobe tom contra 'ideologia de gênero' meses após abençoar casais gays

Após considerar a "ideologia de gênero" como o "perigo mais terrível" da atualidade, o papa Francisco assinou um documento elaborado pelo Vaticano e divulgado nesta segunda-feira (8) que critica a "autodeterminação pessoal" e classifica as cirurgias de redesignação sexual como "ameaças à dignidade humana".

O que aconteceu

O escritório doutrinário do Vaticano, o DDF, formado por uma ala conservadora da Igreja Católica, divulgou uma nota intitulada "Dignitas Infinita" (Dignidade Infinita), em que reforça a oposição da instituição a temas como "teoria de gênero", "mudança de sexo", aborto e barriga de aluguel.

O documento, assinado pelo papa, foi divulgado quatro meses após o pontífice apoiar bênçãos de padres a casais do mesmo sexo — desde que a prática não tenha caráter ritualístico nem seja confundida com o sacramento do matrimônio.

Não há indícios de que o novo texto tenha sido preparado em resposta direta às críticas de setores católicos sobre as bênçãos para relações homoafetivas. A nota estava sendo elaborada há cinco anos, mas passou por revisões extensas durante esse período, de acordo com a Reuters.

'Ameaça à dignidade humana'

O texto diz que "qualquer intervenção de mudança de sexo, como regra, arrisca ameaçar a dignidade única que a pessoa recebeu desde o momento da concepção".

Sobre a "teoria de gênero", também chamada de "ideologia de gênero" por seus críticos, a nota afirma: "desejar uma autodeterminação pessoal, como prescreve a teoria de gênero, além dessa verdade fundamental de que a vida humana é um dom, equivale a uma concessão à antiga tentação de se tornar Deus, entrando em competição com o verdadeiro Deus de amor revelado a nós no Evangelho".

O texto cita que algumas pessoas podem se submeter a cirurgias para resolver "anormalidades genitais", mas enfatizou que "tal procedimento médico não constituiria uma mudança de sexo no sentido aqui pretendido".

Defensores da autodenominação e das cirurgias de redesignação sexual afirmam que o gênero é mais complexo e fluido do que as categorias binárias de homem e mulher, e depende de mais fatores do que características sexuais visíveis, como a forma como as pessoas se sentem e percebem.

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O documento registra ainda que a "maternidade de substituição" viola a dignidade tanto da "mãe de aluguel" quanto da criança, e lembra que Francisco, em janeiro, chamou a prática de "desprezível" e pediu uma proibição global.

Em outra parte, a nota reiterou a condenação permanente do Vaticano ao aborto, à eutanásia e à pena de morte, citando Francisco, seus antecessores Bento 16 e João Paulo 2º, além de documentos anteriores do Vaticano.

'Terrível teoria'

Em 1º de abril, o papa Francisco afirmou, durante um simpósio no Vaticano, que a chamada ideologia de gênero é o "perigo mais terrível" da atualidade.

"Gostaria de sublinhar uma coisa: é muito importante que haja esse encontro entre homens e mulheres, porque hoje o perigo mais terrível é a ideologia de gênero, que anula as diferenças", disse o pontífice na abertura do evento.

"Pedi estudos a respeito dessa terrível ideologia de nosso tempo, que anula as diferenças e torna tudo igual. Cancelar a diferença é cancelar a humanidade", acrescentou.

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O evento foi promovido pelo Centro de Pesquisas de Antropologia de Vocações, com o título "Homem-Mulher: imagem de Deus". Em janeiro passado, Francisco já havia definido a "teoria de gênero" como "colonização ideológica que provoca feridas e divisões".

Conservadores x ultraconservadores

O papa aprovou o documento depois de solicitar que o texto também mencionasse "a pobreza, a situação dos imigrantes, a violência contra as mulheres, o tráfico humano, a guerra e outros temas", disse o chefe da DDF, cardeal Victor Manuel Fernández, em comunicado.

Apesar das críticas relacionadas à "ideologia de gênero", a nota também registra ser contrário à dignidade humana o fato de que "em alguns lugares, não poucas pessoas são presas, torturadas e até mesmo privadas do bem da vida somente devido a sua orientação sexual".

"A Igreja Católica deseja, antes de tudo, reafirmar que cada pessoa, independentemente da orientação sexual, deve ser respeitada na sua dignidade e tratada com consideração, enquanto qualquer sinal de discriminação injusta deve ser cuidadosamente evitado". Trecho do documento Dignitas Infinita

Recentemente, o Vaticano também afirmou que pessoas transgêneras podem ser batizadas e apadrinhar outros indivíduos. Nos últimos meses, o pontífice tem sido alvo de ataques de membros do clero ultraconservador por ter autorizado a bênção para casais homoafetivos.

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Um arcebispo italiano, o ex-núncio em Washington Carlo Maria Viganò, chegou a acusar o papa de ser um "servo de Satanás" e "usurpador".

*Com informações da Reuters e ANSA.

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