Quase indestrutíveis: os segredos dos tardígrados para driblar a morte
Apelidados de ursos d'água pelo formato do corpo, os microscópicos tardígrados são os animais mais resistentes conhecidos pela ciência. Um novo estudo desenvolvido pela Universidade Harvard analisou fósseis raríssimos de tardígrados e avançou no conhecimento das características que fazem deles quase indestrutíveis.
Pesquisa analisou fósseis raros
O novo estudo analisou dois fósseis de tardígrados encontrados há décadas. Achados no Canadá na década de 1960, os fósseis de duas espécies estavam presos em um pedaço de âmbar. De acordo com o estudo, a amostra data entre 72 e 83 milhões de anos atrás, o que indica que o tardígrado dividia o período com os dinossauros. Com o avanço da tecnologia e novas abordagens aplicadas pelos especialistas, finalmente foi possível descobrir novos detalhes sobre o animal e sua estrutura física.
Pesquisa detectou uma espécie conhecida e uma novidade. Um dos fósseis corresponde a um tardígrado Beorn leggi, a primeira espécie registrada por paleontólogos. A outra espécie, até então desconhecida, foi nomeada Aerobius dactylus. De acordo com o estudo, as espécies analisadas na amostra de âmbar não estão vivas atualmente, mas pertencem a famílias de tardígrados ainda existentes.
Técnica usada foi inovadora. Para criar imagens de alta resolução dos fósseis e conseguir uma visualização até mesmo das patas, os pesquisadores utilizaram a técnica conhecida como microscopia confocal de fluorescência.
Artigo foi publicado na revista científica Communications Biology. O estudo foi divulgado no início de agosto e é de autoria de especialistas do Museu de Zoologia Comparada e Departamento de Biologia Organísmica e Evolutiva da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. O autor principal da pesquisa é Marc Mapalo.
Criatura desperta a curiosidade desde o século 18. Microscópicos, os tardígrados seriam capazes de sobreviver à extinção na Terra. Com as primeiras descobertas no final do século 18, cientistas buscam desde então entender como o animal resiste a condições extremas.
Criptobiose é um mecanismo de sobrevivência. A principal característica que possibilita que o tardígrado sobreviva é sua capacidade de entrar em uma espécie de hibernação chamada criptobiose. Neste estado, o animal perde lentamente a água do corpo e se enrola até formar uma pequena bola desidratada, também chamada de cisto. Na criptobiose, o metabolismo do animal fica extremamente baixo, cerca de 0,01% do normal, e o teor de água do corpo cai para cerca de 1%. A criptobiose também é conhecida como animação suspensa, já que o metabolismo do animal cai a níveis tão baixos que, às vezes, não podem ser detectados.
Durante o estado de animação suspensa, os tardígrados podem enfrentar condições extremas, como: temperaturas superiores a 150º C, temperaturas inferiores a 200º C negativos, falta de oxigênio, falta de água, exposição a altas pressões ou ao vácuo, álcool fervente e aos raios X que seriam mortais para humanos. A espécie pode permanecer 30 anos sem água ou comida.
Quando as condições ambientais voltam a se tornar favoráveis, os tardígrados são capazes de "reviver". E, em poucas horas, voltam à sua forma original. Há registros de reanimação de tardígrados que estavam em amostras de musgo seco guardadas por mais de cem anos.
A nova pesquisa analisou quando o processo de criptobiose teve início na espécie. Os pesquisadores de Harvard buscavam descobrir em que período durante a evolução dos tardígrados a criptobiose passou a ser aplicada como estratégia de sobrevivência. De acordo com o estudo, o mais provável é que a espécie tenha desenvolvido a habilidade de forma independente entre 430 e 175 milhões de anos atrás.
Apesar dos longos intervalos nestas divisões, vale a pena notar que estes períodos abrangem eventos de extinção ecologicamente graves. Assim, a aquisição de habilidades criptobióticas por parte desses tardígrados nessa época pode ser um dos fatores que os ajudaram a escapar da extinção.
Trecho do estudo publicado na Communications Biology
Fósseis da espécie são raríssimos. Somente quatro exemplares de fósseis de tardígrados foram recuperados até hoje. Além das duas utilizadas no estudo de Harvard, outros dois fósseis foram encontrados em Nova Jersey, nos Estados Unidos. A escassez de evidências é uma das principais dificuldades para os especialistas que se dedicam a estudar a espécie.
Novos fósseis podem ser encontrados e analisados. Os especialistas acreditam que novas espécies de tardígrados serão descobertas, assim como fósseis escondidos em âmbar, considerado o único material capaz de preservar os restos dos tardígrados por longos períodos. Eventuais novas amostras de tardígrado auxiliariam os pesquisadores a testar a hipótese de que a criptobiose foi decisiva para que o animal sobrevivesse a eventos de extinções em massa.
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Esses animais medem de 0,05 a 1,5 mm de comprimento e têm um corpo segmentado com quatro pares de pernas. Nas extremidades de cada perna, há de quatro a oito garras ou discos adesivos. Os três primeiros pares de pernas são utilizados para impulsionar o corpo para frente durante a locomoção e o último par é utilizado para a fixação.
Ausência de sistema respiratório. A respiração dos tardigradas acontece por meio da troca de gases entre a parede do corpo e o ambiente.
Os tardígrados se alimentam de fluidos de plantas, células animais, bactérias, fungos e até mesmo de outros tardígrados. No interior da boca, a espécie conta com um par de estruturas cortantes capaz de perfurar o tecido da presa e sugar seus fluidos.
Eles podem ser encontrados em diversos ambientes aquáticos ou úmidos. São capazes de sobreviver no topo de montanhas, a mais de 5.000 metros de altura, e no fundo do mar, a cerca de 3.000 metros de profundidade. Podem habitar pequenos musgos e liquens, algas de água doce ou salgada, solos úmidos e até mesmo o minúsculo espaço entre os grãos de areia de uma praia.
Sobrevivente até mesmo na radiação. Uma das habilidades de sobrevivência do tardígrado que mais impressiona os cientistas é a capacidade da espécie de reparar danos em seu DNA causados pela radiação. Apesar de sofrer alterações no material genético quando exposto à radiação, o tardígrado é capaz de reverter essas mudanças rapidamente.
Tardígrados do tipo Paramacrobiotus BLR produzem um brilho azul intenso como mecanismo de defesa à radiação ultravioleta. De acordo com estudos, o animal absorve a radiação e a converte em luz azul inofensiva.
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