Salvos pelo 'nojo': crocodilos escapam da morte após pesquisa científica

Pesquisadores desenvolveram um método para salvar uma espécie de crocodilo cuja população teve queda de mais de 70% devido à ingestão de um sapo tóxico na Austrália. Um estudo sobre o tema foi publicado no portal científico The Royal Society Publishing.

Crocodilos e sapos

Sapos causam a morte do predador. Crocodilos-de-água-doce (Crocodylus johnstoni) são nativos do norte da Austrália e se alimentam, entre outras presas, de peixes e anfíbios. Uma das espécies de sapo, no entanto, está causando a morte de boa parte da população dos crocodilos-de-água-doce na região: os tóxicos sapos-cururus (Rhinella marina).

O anfíbio foi levado, no passado, para a Austrália na tentativa de conter pragas locais. Os sapos-cururus foram importados da América do Sul na década de 1930. Segundo especialistas, a espécie já deixou "um rastro de vítimas de animais nativos em todo o norte da Austrália, exterminando espécies predadoras locais". Além dos crocodilos-de-água-doce, cobras e lagartos também tiveram suas populações reduzidas devido ao consumo de sapos-cururus. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a espécie é altamente venenosa. O veneno do sapo-cururu pode afetar o coração e provocar reações alucinógenas.

Crocodilo flagrado por câmera de projeto australiano. Cientistas modificaram iscas de sapo-cururu para que os crocodilos-de-água-doce rejeitassem a presa. Na imagem, o animal escolhe a isca de frango oferecida
Crocodilo flagrado por câmera de projeto australiano. Cientistas modificaram iscas de sapo-cururu para que os crocodilos-de-água-doce rejeitassem a presa. Na imagem, o animal escolhe a isca de frango oferecida Imagem: Divulgação/Georgia Ward-Fear/DBCA

O objetivo dos cientistas era preservar o réptil. Algumas populações de crocodilos-de-água-doce caíram mais de 70% na Austrália tropical devido à ingestão de sapos-cururus. Além de ser um animal culturalmente significativo na Austrália, o crocodilo-da-água-doce é considerado um predador de ponta. A morte desses animais, segundo os especialistas, "perturba o delicado equilíbrio dos ecossistemas locais".

A pesquisa foi liderada pela bióloga Georgia Ward-Fear, da Universidade Macquarie, na Austrália, e divulgada na última quarta-feira (14). No projeto, desenvolvido entre 2019 e 2022, Georgia contou com especialistas em biociências, guardas florestais indígenas Bunuba e com o Departamento de Biodiversidade, Conservação e Atrações (DBCA, na sigla em inglês).

Espécime de sapo-cururu. O veneno do anfíbio é altamente perigoso e dizimou crocodilos na Austrália
Espécime de sapo-cururu. O veneno do anfíbio é altamente perigoso e dizimou crocodilos na Austrália Imagem: Divulgação/Universidade Macquarie

A técnica usada pelos cientistas

Crocodilos foram ensinados a rejeitar o sapo-cururu. A abordagem utilizada pelos cientistas é chamada de aversão condicionada ao sabor (CTA, em inglês). Para desencorajar o consumo do sapo, os pesquisadores alteraram o comportamento alimentar dos crocodilos, ensinando o réptil a identificar o sapo como potencial perigo.

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Sapos-cururus foram modificados em laboratório. Os cientistas removeram as glândulas que secretam o veneno de 2.395 sapos, que foram expostos aos crocodilos na região de Kimberley, hábitat natural do réptil. Para que os animais aprendessem que aquela não era uma presa que devia ser ingerida, foi injetado um produto químico indutor de náuseas nas carcaças dos sapos. Assim, caso um crocodilo comesse um daqueles sapos-cururus, se sentiria enjoado, mas não correria risco de morte. Com a técnica, os crocodilos passaram a relacionar o consumo de sapo-cururu com sintomas de intoxicação alimentar.

Iscas de frango também foram oferecidas. Chamadas de "iscas de controle", pedaços de frango sem nenhum tipo de indutor de náuseas foram disponibilizados junto com os sapos modificados. Segundo os registros do estudo, os crocodilos deixaram de comer os sapos, mas continuavam comendo as iscas de frango.

Parceria com guardas florestais foi fundamental no projeto. Além de trabalhar na captura dos sapos que seriam utilizados no estudo, os Bunuba eram responsáveis por pendurar e substituir as iscas nas margens dos rios, monitorando a resposta dos crocodilos.

Nos primeiros três dias, percebemos que os crocodilos comiam os sapos-cururus e iam embora. Depois, percebemos que eles sentiam o cheiro dos sapos-cururus antes de comer e, no último dia, percebemos que eram principalmente as iscas de frangos que estavam sendo comidas.
Paul Bin Busu, coordenador dos guardas florestais que participaram do estudo

Guardas florestais (à esquerda na imagem) auxiliaram a bióloga Georgia Ward-Fear (à direita) no projeto
Guardas florestais (à esquerda na imagem) auxiliaram a bióloga Georgia Ward-Fear (à direita) no projeto Imagem: Divulgação/Universidade Macquarie

Eficácia da técnica foi comprovada no estudo. Câmeras instaladas nos locais em que as iscas foram oferecidas ajudaram os guardas florestais e os cientistas a descobrirem que as taxas de mortalidade dos crocodilos foram "bastante reduzidas" nos locais em que os sapos modificados haviam sido expostos. "Nossas iscas evitaram completamente mortes em áreas onde os sapos-cururus estavam chegando e diminuíram as mortes em 95% em áreas onde os sapos estavam já há alguns anos", explicou Georgia em um comunicado oficial.

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Em resumo, conseguimos amortecer o impacto muitas vezes catastrófico dos sapos-cururus invasores sobre os predadores de ponta. Trecho do estudo publicado no The Royal Society Publishing

Para Rick Shine, coautor do estudo, o resultado evidencia o uso bem-sucedido da aversão condicionada ao sabor como uma técnica concreta na ecologia comportamental. "Numa época em que a globalização aumentou enormemente a propagação de espécies invasoras, a ecologia comportamental pode proteger ecossistemas vulneráveis", declarou.

Sucesso do estudo indica próximos passos aos cientistas

População de crocodilos-de-água-doce na região parou de cair. "Depois do programa vemos que as populações de crocodilos estão voltando, o que é bom de se ver", comemora Bin Busu.

Aversão condicionada ao sabor poderá ser utilizada em outras espécies. De acordo com Sara McAllister, membro do DBCA, os resultados são "realmente entusiasmantes". Segundo Sara, as ferramentas fornecidas pela pesquisa podem auxiliar os responsáveis pelo acompanhamento das espécies na região. "Juntos, demonstramos que as colaborações entre acadêmicos, guardas florestais indígenas e agências de gestão de terras podem ser realmente eficazes para a ciência da conservação", declarou.

Estudo anterior havia testado técnica similar com sapos menos tóxicos. Na ocasião, a mesma equipe se dedicou à proteção de lagartos que também estava perdendo população devido ao consumo de sapos-cururus.

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