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Republicano era 'esquerda' e Democrata, 'direita': a troca política nos EUA

A presidência dos Estados Unidos é ocupada por Republicanos ou Democratas há mais de 170 anos, desde 1852. Hoje, o primeiro grupo tem perfil inclinado à direita e ao liberalismo econômico, o segundo se posiciona mais à esquerda, alinhado a pautas como o direito ao aborto e a descriminalização das drogas. Mas nem sempre foi assim: no passado, os progressistas eram os Republicanos, enquanto os Democratas defendiam bandeiras mais conservadoras. Tudo começou a mudar a partir de 1861, com a Guerra Civil Americana.

Republicanos 'de esquerda'

Republicanos nasceram há 170 anos do Partido Federalista. Fundado em 20 de março de 1854, o Partido Republicano reunia representantes dos setores mais interessados no desenvolvimento industrial dos EUA e que apoiavam os valores do liberalismo econômico, como a propriedade privada e o trabalho livre e assalariado. Dominava o norte do país e promovia pautas abolicionistas (antiescravidão) e expansionistas, como a construção de ferrovias, por exemplo.

Partido tinha como base uma plataforma reformista e progressista. Os Republicanos apoiavam a cobrança de impostos que protegessem a indústria americana e chegou a implementar leis favoráveis aos negócios e aos agricultores do norte dos EUA, como conta Antonio Pedro Tota, professor de história da PUC-SP, em artigo publicado em 2008.

Conseguiu eleger um presidente pela primeira vez em 1860. Abraham Lincoln havia ganhado projeção nacional — e críticas dos sulistas — após uma série de debates em 1858, quando se manifestou contra a escravidão. Três meses após sua eleição, sete estados do sul foram declarados como segregados e criaram os Estados Confederados da América, com o objetivo de organizar uma rebelião. A crise levou à Guerra Civil Americana (1861-1865), da qual Lincoln saiu de forma bem-sucedida, com a integridade territorial do país preservada, a escravidão abolida e o governo mais forte.

Não quero ser mal interpretado sobre este assunto da escravidão. Talvez a melhor maneira de chegar a um fim pacífico seja permitir que ela exista por mais um período de tempo. Mas a expansão, o fortalecimento e a perpetuação da escravidão são uma questão completamente diferente. Devemos resistir a isso de todas as maneiras possíveis, tratando-a como um erro, mantendo a ideia fixa de que ela deve e vai acabar.
Abraham Lincoln, em discurso de 1859, em Ohio

Democratas 'de direita'

Partido Democrata surgiu há 196 anos, em 8 de janeiro de 1828. Com origens que remontam ao Partido Democrata-Republicano de Thomas Jefferson, é um dos partidos mais antigos ainda em atividade no mundo. Inicialmente, ganhou corpo no sul do país, atrelando-se à questão agrária e escravocrata. Promovia os fundamentos de um Estado mínimo, com um governo federal fraco e mais poder aos estados, opondo-se aos impostos que os Federalistas defendiam, como explicou o professor Antonio Pedro Tota, da PUC-SP.

Populista, falava em expandir a democracia ao 'homem comum'. Esta concepção, vale lembrar, era uma forma de oposição à "aristocracia corrupta", mas não incluía mulheres ou negros, por exemplo. Por ter incitado a secessão que levou à Guerra Civil de 1861, o Partido Democrata foi associado por muito tempo "aos sulistas, ao racismo e ao reacionarismo", acrescenta Tota.

Primeiro presidente democrata foi Andrew Jackson, eleito em 1828. Antes de chegar à Casa Branca, Jackson ganhou fama como general do Exército e ocupou cargos em ambas as casas do Congresso dos EUA. Acreditava que a limitação dos poderes do Estado resultaria em menos corrupção e rejeitava a ideia de uma Suprema Corte forte e independente. Também apoiou a remoção dos indígenas americanos de suas terras sob o argumento de que a sobrevivência dos nativos dependia da "separação" dos brancos.

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Que homem bom preferiria um país coberto de florestas e cercado por alguns milhares de selvagens a nossa república cheia de cidades, vilas e fazendas prósperas, embelezadas com todas as melhorias que a arte pode criar e a indústria produzir, ocupada por mais de 12 milhões de pessoas felizes e repleta de todas as bênçãos da liberdade, civilização e religião?
Andrew Jackson, em discurso feito ao Congresso em 1830

Pós-Guerra Civil

Período conhecido como Reconstrução (1865-1877) reformulou os EUA. Ao fim da Guerra Civil, os Estados Confederados entraram em colapso, a escravidão foi abolida e mais de 4 milhões de negros foram libertados. A partir daí, a unidade do país foi gradativamente restaurada e o governo federal expandiu seu poder. Também foi um momento de muitas mudanças na política, na economia e na cultura dos EUA, o que posteriormente levou à inversão de valores entre Republicanos e Democratas.

Inversão de valores começou a tomar forma ainda no início do século 20. Sob a presidência de Theodore Roosevelt (1901-1909), as diferentes alas dos partidos se dividiram mais claramente, com os republicanos progressistas migrando para o Partido Democrata e os democratas mais conservadores, para o Partido Republicano. Depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Crise de 1929, desencadeada pela quebra da Bolsa de Nova York, a inversão de lados já estava praticamente definida.

Anos seguintes consolidaram a posição dos partidos no que é hoje. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os movimentos pelos direitos civis e a Guerra Fria (1947-1991) fizeram com que Republicanos e Democratas passassem a defender o inverso do que propunham na época de sua fundação. Enquanto o primeiro grupo se estabeleceu como uma força conservadora, nacionalista e defensora do Estado mínimo, o segundo se alinhou aos sindicalistas e adotou pautas da centro-esquerda, relacionadas principalmente aos direitos humanos, à preservação ambiental e à assistência social.

Não importa quais perigos surjam em nosso caminho, não importa quais obstáculos estejam a nossa frente. Continuaremos lutando em direção ao nosso destino glorioso - e não falharemos. Não falharemos. Juntos, salvaremos este país, restauraremos a república e daremos início ao futuro maravilhoso que nosso povo tanto merece. (...) Faremos os EUA grande de novo.
Donald Trump, candidato republicano, em 19/07/24

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Vamos mostrar a nós mesmos e ao mundo quem somos e no que acreditamos: liberdade, oportunidade, compaixão, dignidade, justiça e possibilidades infinitas. (...) Agora é a nossa vez de fazer o que gerações antes de nós fizeram, guiados pelo otimismo e pela fé, (...) para exercer a responsabilidade imensa que vem com o maior privilégio da Terra: o privilégio e o orgulho de ser americano.
Kamala Harris, candidata democrata, em 23/08/24

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