Em jogo de xadrez, Macron busca sobrevivência e congela política na França

Após as eleições parlamentares da França, as últimas movimentações políticas do presidente Emmanuel Macron são calculistas e buscam a própria sobrevivência, analisam especialistas.

O que aconteceu

Apesar da vitória da esquerda no parlamento, Macron escolheu formar um governo à direita. Recusando a indicação da Nova Frente Popular, o presidente nomeou o conservador Michel Barnier como primeiro-ministro, e preencheu a maioria das cadeiras do gabinete com pessoas de direita.

Para se colocar no poder em 2017, Macron se apresentou como uma alternativa à extrema-direita, que cresce e ganha protagonismo na Europa nos últimos anos. Com um inimigo em comum, a esquerda o ajudou a se eleger. Agora, deixada de lado, o ''pacto'' é quebrado e cria-se um clima de instabilidade, com divisões, protestos e desavenças acirradas. "O que se vê é uma espécie de traição'', observa Fernando Brancoli, professor de Relações Internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Protegendo a própria cabeça

Para Adrián Albala, doutor em Ciência Política pela Sorbonne, sobrevivência é o principal objetivo de Macron. Temendo ter sua influência e relevância minguadas, apostou em escolhas audazes.

Ele viu que passaria dois anos sangrando em praça pública com a extrema-direita batendo nele. De certa forma, é uma vitória do Macron, porque ele troca um futuro provável de dois anos sangrando sem apoio, sendo criticado, por esse caos agora, que de novo consegue se apresentar como uma espécie de salvador da pátria.
Brancoli

Além disso, o presidente encontrou uma saída para não sentir uma derrota, diz Albala. ''Ele foi claramente derrotado nas eleições legislativas, no primeiro turno em particular, então é uma forma de dizer 'não perdi tanto, estou aqui ainda, consegui montar meu governo e ainda sou o chefe'.''

Olhando para o futuro, ele também já se mobiliza para ter alguma influência nas próximas eleições - inclusive após o pleito, entende Brancoli. Em 2027, o francês não poderá mais se reeleger e não demonstra ainda ter um substituto. ''Dentro desse cálculo, Macron pode se beneficiar com essas diversas lideranças [de centro, direita e até extrema-direita] e daqui a algum tempo pode retornar como um salvador da pátria'', fala.

O presidente tenta reconstruir a sua base de apoio de alguma forma, observa Renato Janine Ribeiro, professor de Ciência Política da USP (Universidade de São Paulo). ''Mas é uma base sem base, nesta altura do campeonato, ele não tem fiéis fanáticos a ele.''

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Esse homem está no cargo há sete anos, ele é muito ambicioso, arrojado, muito sozinho nas decisões e faz o que quer. Um presidente jovem, que teve muito sucesso na vida.
Renato Janine Ribeiro

Congelamento do cenário político

Apesar das aspirações de Macron, o professor da UFRJ analisa que a população francesa pode sair prejudicada. ''Se isso é o melhor para França eu tenho minhas dúvidas, porque o país agora está congelado do ponto de vista político. Coisas importantes para serem movimentadas ficam bloqueadas, mas talvez para sobrevida de Macron tenha feito sentido'', diz Brancoli.

Com o parlamento fragmentado, discussões importantes não parecem sair do lugar. ''As votações que se fazem agora é sobre nome de ruas, não consegue adiantar para grandes programas, e diria que os próximos anos serão assim. Provavelmente não terão força para grandes mudanças estruturais que a França tanto precisa. As coisas vão ir andando no ponto morto'', constata. Alguns projetos relevantes a serem deliberados são:

  • Reforma previdenciária
  • Reforma da maioridade penal
  • Questões migratórias
  • Voucher para população de baixa renda

Ainda segundo o estudioso, há análises que entendem que a instabilidade e a incapacidade política podem fazer parte do cálculo do presidente. ''Pode ser interessante manter as coisas nesse estado caótico, porque você impede de certa forma de organizações irem contra você.''

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'Direitização' do discurso

Governo à direita de Macron não foi uma completa surpresa. ''A primeira medida que ele fez quando chegou ao poder foi eliminar os impostos sobre os supericos. Ele sempre foi de centro-direita atirando para a direita'', argumenta Albala. ''A tendência natural foi se juntar à ela.''

Para os especialistas, o que o aproximava da esquerda era ser adversário da extrema-direita, mas quando isso se dá, se percebe que não há quase nenhuma pauta em comum. Mesmo em questões como imigração e segurança, que Macron costumava se posicionar ao centro no primeiro mandato, passou a tomar posições mais direitistas com o tempo.

Na mesma movimentação, o presidente sinalizou ter desacreditado do poder de mobilização da ala da esquerda. De acordo com Albala, Macron não achava que ela tivesse força suficiente dentro do parlamento, principalmente devido a dificuldade de se organizar internamente entre suas coligações nos quatro anos que se passaram.

No entanto, não contava com a reação da esquerda em tão pouco tempo. Do primeiro para o segundo turno das eleições parlamentares, ela conseguiu se aliar rapidamente para conquistar mais cadeiras na casa. ''O tiro saiu pela culatra não porque ele tinha uma má vista de diagnóstico, mas não antecipou que a esquerda se organizasse dessa forma'', opina.

Quem é o primeiro-ministro escolhido?

Michel Barnier, de 73 anos, substituiu Gabriel Attal, de 35. Filiado ao Les Républicains (LR), a longa carreira política do novo premiê começou em 1973, e será o mais velho da história da 5ª república a ocupar o cargo.

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Além de senador e deputado, já foi ministro de quatro pastas: do Meio Ambiente entre 1993 e 1995, das Relações Europeias (1995-1997), das Relações Exteriores (2004-2005) e da Agricultura (2007-2009).

Sua atuação política aconteceu para além das fronteiras da França. Barnier também foi comissário de Políticas Regionais (1999-2004) e Mercado Interno (2010-2014) da União Europeia.

Além disso, liderou a delegação da União Europeia nas negociações do Brexit. Ele foi contra a saída do Reino Unido da parceria e disse que a decisão traria consequências humanas, sociais, técnicas, financeiras e judiciais.

O novo primeiro-ministro já quis concorrer às eleições presidenciais em 2022 - vencidas por Macron. No entanto, ele não conseguiu apoio de seu partido e não passou das primárias.

Agora, o premiê corre o risco de sofrer ''moção de censura'' da esquerda contra sua nomeação. Marine Le Pen e Jordan Bardella, do partido de extrema-direita Assembleia Nacional Francesa, insistiram que ele estava ''sob vigilância'', mas foram mais benevolentes a ele.

Macron encarregou Barnier de ''formar um governo unificador ao serviço do país e dos franceses. O presidente ainda disse que o primeiro-ministro e o governo formado reuniriam condições para serem ''o mais estáveis possível e se dariam a oportunidade de unirem o mais amplamente que pudessem''.

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