Vitória turca, derrota do Irã: quem ganha e quem perde com queda de Assad

A queda do ditador Bashar al-Assad na Síria deixou os mais de 20 milhões de habitantes do país com um futuro incerto, mas também afetou a divisão de forças no Oriente Médio. É o que explica Bruno Huberman, professor do curso de Relações Internacionais da PUC-SP.

O que aconteceu

Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, é o maior vencedor dessa crise entre os atores externos, segundo o especialista. "Ele é um sujeito que tem um projeto de poder permanente na região. São três potências regionais no Oriente Médio, Turquia, Arábia Saudita e Irã, e eles atuam para maximizar seus interesses", afirma ao UOL.

Os sauditas também se posicionavam historicamente contra Assad, apesar de rivalizarem com os turcos, enquanto o Irã era um aliado importante do governo. Porém, em 2023, a Arábia Saudita reatou relações bilaterais com a Síria após sua reintegração à Liga Árabe.

À medida que os rebeldes da Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS) avançavam, o líder turco falava em "nova realidade". "Agora há uma nova realidade na Síria, política e diplomaticamente. E a Síria pertence aos sírios com todos os seus elementos étnicos, sectários e religiosos", disse, no sábado (7).

Huberman também cita o grande número de refugiados sírios na Turquia como outro fator que influencia o posicionamento de Erdogan. Nesta segunda (9), o governo turco anunciou a reabertura do posto de fronteira com a Síria, fechado desde 2013, para facilitar o retorno dos refugiados sírios ao seu país.

"Ele é muito interessado na mudança de governo", ressalta o professor. "Erdogan quer resolver a questão dos refugiados, que trouxe impacto político e econômico relevante ao país", acrescenta o pesquisador.

Comemoração cautelosa

O presidente Joe Biden
O presidente Joe Biden Imagem: Reprodução

O professor Bruno Huberman também cita os EUA como vitoriosos em meio à crise. A comemoração do presidente Joe Biden foi acompanhada de um tom cauteloso em relação aos rebeldes que tomaram o poder.

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Na Casa Branca, o democrata disse que "a queda do regime é um ato fundamental de justiça". Porém, ressaltou que alguns grupos que participaram da ofensiva contra o governo de Assad têm "antecedentes de terrorismo e violação dos direitos humanos".

Ainda é preciso aguardar qual grupo, entre os rebeldes, assumirá o país. "A tendência é de uma guerra civil entre os vencedores, assim como aconteceu na Líbia. Por isso a cautela dos atores ocidentais. Os rebeldes são aliados de conveniência que auxiliaram a derrotar Assad", explica o estudioso.

A França foi outro país que comemorou o fim do regime de Assad, mas apelou contra "qualquer forma de extremismo". "O regime nunca parou de colocar os sírios uns contra os outros e a Síria está fraturada e fragmentada, chegou o momento de união", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Christophe Lemoine.

Irã derrotado

Na sequência da derrubada do governo sírio, o Irã luta para acomodar a perda de seu importante aliado Bashar al Assad. A Síria tem sido uma pedra angular do que os iranianos denominam como Crescente Xiita, uma visão geopolítica visando conectá-los a seus aliados no Líbano e em outros países.

O analista político Mohammad Javad Akbarin explica que é possível que Teerã modifique sua tática de manter influência, impedindo que uma ordem nova se consolide na Síria. O Irã já apoiou forças desestabilizadoras no Iraque e no Afeganistão para se opor à influência americana e projetar seu próprio poder. Entretanto, as atuais dificuldades econômicas do Irã limitariam seu poder de agir na mesma escala.

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A tentativa do Irã de seguir influente na Síria também pode aumentar a frustração da população iraniana com o governo. O sociólogo Saeed Peyvandi analisa que a queda de Assad pode expor a erosão do "contrato social" entre o Estado iraniano e seus cidadãos. Segundo o professor, o abismo crescente entre a elite governante e o público refletiria uma crise mais ampla de legitimidade que o regime frequentemente enfrenta.

Vladimir Putin, presidente da Rússia, é outro líder internacional que saiu derrotado do conflito. Após especulações, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, confirmou nesta segunda-feira (9) que o ditador Bashar al-Assad recebeu asilo em Moscou.

A saída de Assad remove um bastião do qual Irã e Rússia detinham o poder no Oriente Médio. O pai de Assad, Hafez al-Assad, ficou do lado da União Soviética para tentar alcançar a paridade com Israel, apoiado pelos EUA.

Apesar da derrota, iranianos e russos fizeram sinalizações nesta segunda a favor de um diálogo com os rebeldes. "É prematuro falar sobre isso ainda [visita de membros do HTS a instalações russas na Síria]", disse Peskov. "Tudo isso é assunto para ser discutido com aqueles que estarão no poder na Síria, acrescentou.

Já o Irã falou em "evitar uma trajetória hostil". "A principal preocupação do Irã é se o sucessor de Assad afastará a Síria da órbita de Teerã", disse uma autoridade iraniana. "Esse é um cenário que o Irã quer evitar", completou.

*com informações da DW e Reuters

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