Nos vimos "rodeados de cadáveres", diz sobrevivente de descarrilamento

Silvia R. Pontevedra, Belén Domínguez e José Precedo

Mari estendia roupa junto à horta de sua casa em Angrois, uma paróquia rural a cerca de 4 quilômetros de Santiago de Compostela, em frente às linhas do trem. Às 20h41 da última quarta-feira (24), sentiu uma explosão ensurdecedora. "Vi chegar um enorme torpedo de poeira e ruído, pensei que era o trem que vinha contra mim e comecei a correr", contava ainda sem fôlego aos jornalistas. Depois começou o fogo em alguns vagões, a área se inundou de fumaça e o caos tomou conta do bairro.

A garçonete do bar Tere, perto dali, ligou nesse momento para 061 para pintar um panorama dantesco: "Diziam-me para esperar, não acreditavam em mim, mas eu só podia dizer que havia muitos mortos". Em um terreno vizinho, o dono do local habilitou um espaço para um hospital de campanha improvisado para atender os feridos. O jardim diante do estabelecimento logo se encheu de pessoas ensanguentadas e com estilhaços metálicos no corpo. Em questão de minutos começaram a chegar caminhões de bombeiros, ambulâncias e carros de polícia com as sirenes a todo volume. Alguns moradores se apressaram a trazer por sua conta cobertores e água.

No meio das casas, os moradores comprovavam horrorizados que um dos vagões havia superado o muro de segurança, de vários metros de altura. A confusão acabou no meio do terreiro da festa. "Quando cheguei ao local, o vagão ainda estava se movendo. Vi uma mulher sair pela janela", relata um homem, que quando criança trabalhou com um carro de boi carregando os dormentes dessa linha férrea pela qual agora viajam os trens de alta velocidade.

CÂMERA FLAGRA MOMENTO DO ACIDENTE; ASSISTA

Do vagão número 7, um dos oito que descarrilaram e acabaram derrubados, sai Raúl Fariza, um americano de Houston que chegava à cidade para viver as festas do Apóstolo depois de visitar parentes em Zamora. Fariza viu quando o comboio saiu da linha e também dezenas de pessoas rodando pelo solo. Entre elas sua mulher, Myrta. "O impacto arrancou seu couro cabeludo, ela estava cheia de sangue." Quando os serviços de emergência a resgataram, estava viva. O mesmo viajante viu quando resgataram um bebê, "em princípio são e salvo".

Os relatos das testemunhas competem em horror. "Eu estava com os fones, ouvindo música, e não escutei nada, só quando descarrilamos. Havia gente destroçada, muitas pessoas sangrando, foi horrível." No vagão vizinho, dois universitários ainda com cara de pânico contam que sentiram o impacto e depois se viram "rodeados de cadáveres".

Uma moradora contava diante das câmeras da TV da Galícia que as casas tremeram em toda a área, que não escutou a freada, só o estrondo do impacto contra o muro. Continuaram chegando filas de ambulâncias, bombeiros, carros da defesa civil e alguns veículos particulares. Agentes de polícia solicitaram um comando único para coordenar as tarefas de resgate. Viveram-se momentos de nervosismo, e as pessoas que queriam ajudar às vezes atrapalhavam o funcionamento da operação.

No hospital Clínico, situado a cerca de 3 quilômetros do acidente, não paravam de chegar feridos: em ambulâncias, carros particulares e até em táxis. Na sala de urgências, uma voz metálica ia chamando por megafone os parentes das vítimas que começavam a se aproximar da clínica. Anunciavam os sobrenomes e, um a um, os médicos iam informando pessoalmente sobre a situação dos feridos. Ou pior: davam os pêsames aos familiares dos mortos. A toda hora chegavam pessoas desorientadas, que suplicavam por informação. Muitas não obtinham resposta porque vários vagões ainda precisavam ser liberados. O amontoado de ferragens impedia a recuperação de todos os cadáveres, e no Clínico se sucediam cenas de desespero.

Os médicos continuavam alertando de que havia necessidade de sangue, mas pediram aos voluntários que fossem para o centro de doações, perto do campus universitário. O hospital estava em colapso e precisava de toda a infraestrutura para atender aos feridos. Os cirurgiões começaram a programar as operações mais urgentes. Por volta das 22h de quarta-feira, o presidente da Junta, Alberto Núñez Feijóo, chegou ao epicentro da tragédia. "Há mortos, muitos mortos", contava, desolado, a um jornalista da rede SER. A dramática contagem começou a engordar. Primeiros seis, depois dez, mais tarde 15 e depois 30. À meia-noite eram mais de 40. E na primeira hora de quinta-feira se contabilizavam quase 80 vítimas fatais.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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