O Paraguai é o país mais feliz, segundo pesquisa. E também um dos mais injustos

John Carlin

  • Andrés Cristaldo Benítez/Efe

    Crianças caminham pelo bairro de Santa Rosa del Aguaray, a 250 km de Assunção, uma das regiões mais pobres do país; o presidente Horacio Cortes inaugurou no local 99 casas populares

    Crianças caminham pelo bairro de Santa Rosa del Aguaray, a 250 km de Assunção, uma das regiões mais pobres do país; o presidente Horacio Cortes inaugurou no local 99 casas populares

"A ignorância é a felicidade" (Thomas Gray, poeta inglês)

A felicidade se tornou uma indústria. Não parece passar um dia sem que algum departamento de governo, uma universidade, um filósofo, economista ou blogueiro proponha o que pretende ser uma análise nova ou um plano prático para se alcançar o sonho que todos desejamos. Façam uma busca na Amazon: há 14.384 livros sobre a conquista da felicidade.

Mas o que acontece se a felicidade existir não só em nossas mentes ou corações, mas em um lugar? E se esse lugar for o Paraguai? Sim, o Paraguai, um país encerrado no centro geográfico da América do Sul ao qual chegaram comunidades alemãs, irlandesas, americanas, australianas, finlandesas há 150 anos - ou mais, se incluirmos os missionários jesuítas do século 17 -, convencidas de que aqui descobririam a utopia; um país que nos últimos três anos seguidos foi, segundo pesquisas globais feitas pela renomada agência Gallup, o mais feliz da Terra.

Viajei ao Paraguai para ver se descobria o segredo e encontrei uma terra que parecia ter tudo. Praticamente vazia (7 milhões de habitantes; quase duas vezes o tamanho da Alemanha), a terra é tão fértil que as mangas apodrecem no solo, as pessoas dão abacates para os porcos comerem, exportam mais carne que a Argentina, e a água de seus grandes rios é tão abundante que não só supera todas as necessidades agrícolas e humanas, como também, graças à gigantesca represa de Itaipu, dispõe de quase dez vezes mais eletricidade renovável - e eterna - de que sua população necessita.

Na teologia tradicional indígena, a guarani, existe o conceito paradisíaco da "terra sem mal". Pareceria que a tivessem encontrado. Mas raspei um pouco e vi que os humanos ainda tinham algo para fazer.

Acontece que, na ausência de um sistema de justiça remotamente sério, a corrupção permeia as instituições políticas e estatais de alto a baixo, dos juízes aos policiais, dos ministros aos funcionários públicos.

Os pobres também ficam cada dia mais pobres e os ricos, mais ricos, entre eles o atual presidente e magnata do tabaco, Horacio Cartes, que, segundo me contou um de seus conhecidos, confessou certa vez que se meteu na política em parte porque não sabia o que fazer com seus milhões.

Mas então, se o Paraguai é um dos países mais injustos, mais corruptos e mais desiguais da Terra, e se estamos quase todos de acordo que a injustiça, a corrupção e a desigualdade são os grandes males que nos afligem, por que seus habitantes dizem que são tão felizes?

Em primeiro lugar, como escreveu um colunista paraguaio há algumas semanas, porque "uma das características mais conotadas de nossa idiossincrasia" é "a obsessão".

Com o olhar fixo na imaginária terra sem mal, muitos se negam a ver o mal real que os rodeia. O exemplo mais surpreendente que encontrei foi o do herói pátrio, Francisco Solano López, cujo aniversário da morte, em 1870, é comemorado como data nacional.

O autodenominado marechal López foi um déspota cujo endeusamento e tirania não seriam superados por nenhum dos ditadores latino-americanos que o seguiram. Em seus oito anos na presidência, López ordenou a tortura e execução de milhares de pessoas, incluindo parentes próximos, e conduziu seu país a uma guerra demente contra Argentina, Brasil e Uruguai, que acabou com 85% da população paraguaia, deixando o país sem homens.

Hoje as avenidas principais de Assunção, a capital paraguaia, levam o nome de López e sua Lady Macbeth, a não menos sinistra concubina irlandesa do ditador, Elisa Lynch.

A segunda razão pela qual os paraguaios creem ser felizes é o costume que têm, relacionado a não examinar com muita atenção o passado, de viver o momento. Foi o que me explicou um empresário chamado Víctor González durante um passeio de carro pelo campo ao redor de Assunção.

Enquanto eu via com meus próprios olhos a extraordinária riqueza da terra e a aparente tranquilidade - mate na mão - com que viviam seus habitantes, González me disse que em guarani, idioma que quase todos os paraguaios falam, não existe uma palavra para "amanhã". A que mais se aproxima do conceito é "koera", que significa "se amanhecer". O que se traduz em uma atitude de não se afligir pelo que possa acontecer no futuro, mentalidade que González, que hoje é rico mas se criou em um ambiente familiar pobre, lembra com saudade.

González e outros paraguaios com quem falei comentaram que a infelicidade vem quando a pessoa gera expectativas que não pode cumprir.

Foi o que demonstraram estudos da Universidade Harvard, tese que se demonstra no Paraguai com um dado dramático: todos os dias se suicida em média um jovem entre 15 e 25 anos. Cada um deles resolve que é melhor que não haja amanhã porque, na grande maioria dos casos, são gente de famílias muito pobres rurais cujos pais aspiram a mais, que se misturam - por exemplo, transferindo-se à periferia de Assunção - com jovens que possuem camisas Lacoste, tênis Nike ou telefones celulares de última geração.

A felicidade de repente consiste em adquirir artefatos previamente desnecessários, veem que não podem e, corroídos por uma inveja lacerante, acabam com suas próprias vidas. É claro que a Gallup não entrevistou esse setor particular da população, e os que entrevistaram preferiram afastar da vista essas desgraças.

Que lições tirar da experiência paraguaia? Que a felicidade é possível se a pessoa fechar os olhos para os inevitáveis males da vida, se viver no presente, se se conformar com o essencial para poder viver e conseguir o enorme luxo de não ter de se preocupar com o dinheiro.

Mas falta um ingrediente para que o Paraguai seja o paraíso terreno. Antes que os que vivem aflitos pela crise e outras penas no resto do mundo sigam os passos dos sonhadores utópicos de antanho, seria imprescindível pedir uma coisa à minoria de ricos que governam o Paraguai: que instalem o "sine qua non" de uma democracia, o Estado de direito; que a justiça seja igual para todos. Quando chegar esse dia, sim, vamos para lá. Tudo o mais eles já têm.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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