"Estamos preparados para receber medidas de Trump", diz embaixador mexicano
Silvia Ayuso
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Divulgação
Carlos Sada, o embaixador do México nos EUA
A primeira frente do México nos EUA de Donald Trump não está do outro lado do rio Bravo [ou Grande]. As batalhas começaram a ser travadas a menos de um quilômetro da Casa Branca.
Apenas mil passos separam a residência presidencial, que em poucas semanas será ocupada por Donald Trump, da embaixada mexicana de onde despacha Carlos Sada, o tarimbado diplomata que, diante da tormenta Trump, o presidente Enrique Peña Nieto nomeou em abril embaixador na capital mais importante, econômica, política e culturalmente, para o México.
Em entrevista a "El País", Sada confirmou os primeiros gestos de contato com a equipe do próximo presidente americano e analisou as medidas de contenção que o México preparou diante do furacão Trump.
El País - O senhor iniciou os encontros com a equipe de transição de Trump. Pode-se falar em uma agenda comum?
Carlos Sada - Estive conversando com alguns interlocutores válidos para posicionar a agenda do México. O que precisamos é fazer nosso parceiro entender que um México seguro e próspero não é só do interesse dos mexicanos, mas também do interesse da relação estratégica que os EUA têm com o México.
Houve receptividade à mensagem do México?
Creio que sim, porque há argumentos muito sólidos. O México é o único país no mundo com o qual os EUA têm uma porcentagem de integração em suas cadeias produtivas de 40%. Não a têm com o Canadá, que é de 25%. As outras cadeias de integração não são remotamente tão completas, complexas e sofisticadas quanto as que existem entre EUA e México. É uma relação estratégica, de complementaridade, e que dá competitividade aos dois países, ou melhor, aos três.
Temos de pensar que somos uma região, não podemos pensar individualmente nos três países. E creio que quando fazemos a argumentação há muita receptividade, e temos de continuar insistindo para que todos tenhamos a mesma concepção dessa relação estratégica entre os três países.
Entretanto, Trump já disse que no primeiro dia de sua presidência começará a renegociar o Nafta (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio). Quais são as linhas vermelhas do México?
Não podemos adiantar datas, isto é, não sabemos exatamente qual será a estratégia pontual. O que se disse é uma coisa, e já no terreno da realidade pode ser outra, mas certamente o México disse que logicamente queremos modernizar o Nafta. Todos deveríamos ganhar, e como podemos ganhar? Conversando de maneira razoável, analisando diferentes alternativas onde o tratado de livre comércio tenha possibilidades de ser mais competitivo e ganhar terreno no comércio mundial, e não retroceder.
Então há margem para negociação?
O México disse que sim, queremos nos modernizar. A que nos referimos? É um convênio que foi assinado há 22 anos, e desde então muitas coisas mudaram, o mundo evoluiu, a isso nos referimos com modernizar, [ver] que elementos adicionais podem ser incorporados para sermos ainda mais competitivos.
Trump também fala em impor tarifas de até 35% aos produtos importados do México. Isso também é negociável?
Há uma atitude de abertura do México para ver, na conjuntura atual, mas sobretudo em médio e longo prazo, o que é conveniente para nosso país e, obviamente, Trump verá o que é conveniente para os EUA. Mas os interesses estão integrados, não podemos separar economias que já são muito reconhecidas em nível mundial e que deram maior competitividade.
Outra das grandes frentes em que o México está na linha de fogo é a imigração. Após a vitória de Trump, o senhor enviou uma mensagem de tranquilidade aos mexicanos, e também acabam de ser anunciadas 11 ações imediatas de atendimento à população mexicana no país. Isso não aconteceu após a eleição de Obama. Por que agora?
Sempre tentamos estar, na medida do possível, um pouco adiante dos acontecimentos que possam afetar nossa comunidade. O que queremos é que nossa comunidade esteja tranquila, que não entre em nervosismo antecipado e não tome uma decisão precipitada. Estamos preparados para receber qualquer medida que vá afetar nossa comunidade e ter os mecanismos em operação, e não esperar o que possa acontecer.
O México vai pagar pelo muro?
É claro que não. Não vamos pagar, de modo que todo mundo pode ficar tranquilo, porque o México não vai pagar por esse muro.
O senhor está há mais de 20 anos nos EUA. Sente que esse país, com Trump, tenha prejudicado os mexicanos?
O que não deve acontecer é o tratamento injusto com outro país. Quando você tem um vizinho, tem um parceiro, tem um amigo e tem um país estratégico para a relação e a segurança do próprio país vizinho, neste caso os EUA. Parece-me que é injusto que se trate dessa maneira o outro país. Por isso insistimos muito que se conheça a fundo, para que entendam bem essa relação. Não queremos ser o saco de pancada dessa relação.
Essa relação pode ser destruída?
O que não queremos é que haja uma piora. Nós vemos como podemos funcionar melhor como país, não como podemos regredir, mas sim evoluir, com uma estratégia conjunta. E creio que existem as condições para fazê-lo. Não decidimos quem será presidente dos EUA ou primeiro-ministro do Canadá. Lá está (Justin) Trudeau e em alguns dias estará Trump, e vamos trabalhar com eles, com todos. Não importa quem esteja em um cargo ou outro, o México vai trabalhar com todos.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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