Supremo julga o escândalo que maculou a presidência de Lula, diz Le Monde

Paulo A. Paranagua

Sete anos após os acontecimentos, o Supremo Tribunal Federal vai julgar, a partir desta quinta-feira (2), o escândalo que quase custou a reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006.

Os 38 réus deverão responder por peculato, corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro no Brasil e no exterior e formação de quadrilha. Segundo a acusação, o "chefe da quadrilha" é o ex-ministro e chefe de gabinete do presidente Lula, José Dirceu. Ao seu lado figuram José Genoíno, ex-presidente do PT (Partido dos Trabalhadores, esquerda), Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e o publicitário Duda Mendonça, mentor da campanha presidencial de 2002.

O caso remonta a junho de 2005. O homem que deflagrou o escândalo se chama Roberto Jefferson. Ele era deputado e presidente do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, centro), membro da coalizão governamental. Revoltado por manobras que ele atribui a José Dirceu, ele denunciou as propinas pagas pelo PT a parlamentares da maioria, do Partido Liberal --do então vice-presidente José Alencar-- e do Partido Progressista em troca de apoio no Congresso. Ele criou a palavra para descrever esses pagamentos contínuos: "mensalão".

Suas declarações foram explosivas. A mídia ficou ouriçada, deleitando-se por poder acusar o PT, que por tanto tempo foi o "paladino" da política brasileira. A Polícia Federal conduziu a investigação, o Ministério Público também, o Congresso se envolveu. Durante meses, as revelações foram capa dos jornais e manchetes dos noticiários. O presidente Lula, no começo, negou. Depois tentou minimizar o caso, garantindo que todos os partidos faziam o mesmo porque são obrigados a ter um caixa dois para financiar suas campanhas.

Aliás, o caso começou aí: nas dívidas acumuladas pelo PT e seus aliados durante a campanha de 2002. Para conseguir verba, recorreu-se às empresas públicas e aos orçamentos de comunicação do Estado. O operador foi um publicitário, Marcos Valério, assoberbado pelos acontecimentos. O dinheiro transitava pelo Banco Rural para escapar do controle do Banco Central. Duda Mendonça era pago em contas no exterior.

O presidente Lula acabou aceitando demitir José Dirceu, substituído na Casa Civil por Dilma Rousseff, então desconhecida do grande público. Para evitar que seus mandatos fossem cassados, vários parlamentares pediram demissão. Roberto Jefferson e José Dirceu sofreram sanções da Câmara e permanecerão sem direitos políticos até 2015, enquanto esperam pelo veredicto da Justiça.

"Invenção da mídia"

O PT foi abalado. Seus seguidores católicos ou evangélicos aceitaram mal o escândalo. Os mais militantes caíram das nuvens, pois não estavam preparados para admitir que o PT havia se tornado um partido como os outros, disposto a qualquer coisa para chegar ao poder e mantê-lo. Tarso Genro, ex-prefeito do PT de Porto Alegre, ex-ministro da Justiça e da Educação, atual governador do Rio Grande do Sul, diz que "o 'mensalão' foi um divisor de águas na história do PT".

Infográfico

  • Arte/UOL

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No entanto, José Dirceu --ainda influente no PT-- e um bom número de seus membros consideram que o "mensalão" é uma "invenção da mídia". De acordo com eles, a investigação nunca provou o pagamento de mensalidades aos deputados. Assim, a palavra de Roberto Jefferson se tornou uma argúcia para negar todas as operações ilícitas reveladas pela investigação.

A estratégia de defesa do PT consiste em jogar toda a responsabilidade sobre Delúbio Soares, um homem sem envergadura política que aceitou assumir a culpa em lealdade a seus colegas. Ele tem percorrido o país com sua defesa escrita debaixo do braço, que ele dedica a plateias reduzidas, mas ardorosas. Até encontrou sindicalistas do PT que convocassem os brasileiros a saírem às ruas para salvar os acusados.

A presidente Dilma Rousseff, em compensação, fez sucesso ao tomar medidas enérgicas para cada caso de desonestidade. Ela já afastou seis ministros desde que assumiu o cargo, em janeiro de 2011.

Todavia, a esquerda parece não ter aprendido nada. Fora o financiamento das campanhas, a questão que surgiu foi a do tipo de alianças feitas pelo PT. Para formar uma maioria no Congresso e um governo estável, os dois presidentes saídos do PT se associaram a partidos inescrupulosos, sem identidade ou programa. Tarso Genro está sozinho quando afirma: "O que podemos tirar como lição do mensalão é tentar proporcionar uma nova cultura política do PT, que construa uma estratégia de alianças não somente a partir de necessidades imediatas, mas de fundamentos programáticos, éticos e políticos mais sólidos."

É um programa ambicioso, considerando que as eleições municipais de outubro favorecerão novamente o oportunismo. Apesar dos esforços do PT para obter um novo adiamento, o veredicto do Supremo Tribunal deverá vir logo antes das eleições.

Tradutor: Lana Lim

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