Entenda as circunstâncias do suposto "affaire" envolvendo o presidente da França
Gérard Davet e Fabrice Lhomme
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Reprodução/Closer
Site da revista "Closer" com Julie Gayet e François Hollande, cuja reportagem afirma que existe um "affaire" entre o presidente e a atriz
O suposto caso de François Hollande com a atriz Julie Gayet tem levantado inúmeras questões. O "Le Monde" investigou os problemas no Palácio do Eliseu associados a esse caso.
A quem pertence o apartamento da Rue du Cirque, no 8º arrondissement [distrito] de Paris?
O proprietário é um aposentado de 71 anos, Jean-Pierre Discazeaux, que mora em Biarritz e é representado em Paris, por procuração, por uma empresa especializada em administração de bens, a SARL Cassagne Administração Imobiliária. Esta assinou um contrato de locação residencial no dia 15 de outubro de 2011 com a atriz Emmanuelle Hauck, anteriormente domiciliada no 17º arrondissement de Paris.
Procurado pelo "Le Monde", Discazeaux não quis se manifestar, salientando simplesmente que por muito tempo ele morou no apartamento da Rue du Cirque e que pretendia processar na Justiça os órgãos de imprensa que erroneamente atribuíram a posse do imóvel a um detentor de uma das grandes fortunas do índice CAC 40 ou a membros do crime organizado.
A atriz Julie Gayet, amiga de Emmanuelle Hauck, costumava trabalhar nesse apartamento, desde que seu escritório na Rue du Faubourg-Saint-Honoré entrou em reforma. Hollande foi uma dezena de vezes até esse apartamento desde o outono de 2013, segundo informações obtidas junto ao Palácio do Eliseu pelo "Le Monde". O presidente, fã de veículos de duas rodas, ia até o local na garupa de uma scooter que pertence à frota do Palácio do Eliseu, conduzida por um de seus guarda-costas, enquanto uma segunda equipe fazia a segurança de Hollande.
Qual a possível ligação com o crime organizado da Córsega?
É indireta e fortuita. Emmanuelle Hauck, nascida em Bastia [capital do departamento da Alta Córsega], vivia com o ator Michel Ferracci, conhecido pela série "Mafiosa", transmitida desde 2006 pelo Canal+. Só que Ferracci foi condenado, no mês de novembro de 2013, a dezoito meses de prisão por "peculato" no caso Wagram. Ele foi diretor de jogos desse estabelecimento, palco de desvios de fundos por parte de membros da gangue corsa Brise de Mer.
Segundo o advogado de Ferracci, Pierre Haik, o casal se separou há seis anos. Desde o final de 2011, Emmanuelle Hauck ocupava o imóvel da Rue du Cirque com seus filhos, frutos da relação que teve com Michel Ferracci e que levam o sobrenome de seu pai. Isso explica por que o sobrenome de Ferracci aparece nesse endereço, tanto na caixa de correspondência quanto na lista telefônica.
Além disso, depois que terminou com Ferracci, Hauck se tornou a companheira de François Masini, de perfil altamente suspeito. François Masini foi morto a tiros em uma estrada da Alta Córsega no dia 31 de maio de 2013. Como parte da investigação sobre esse assassinato, a polícia judiciária nos últimos meses interrogou Emmanuelle Hauck como testemunha, por três vezes. Ela não é conhecida do departamento de polícia por outro motivo.
A segurança do presidente foi falha?
François Hollande está constantemente protegido. Ele tem ao seu lado dois homens, policiais de confiança que ele escolheu pessoalmente. Estes o escoltam em todos os seus deslocamentos particulares, como era o caso durante suas visitas à Rue du Cirque. Mas esses policiais não investigaram o passado da locatária do apartamento e suas ligações com indivíduos de perfil duvidoso. Eles tampouco viram os paparazzi que seguiam François Hollande. Estes teriam alugado um apartamento nas proximidades para o período da reportagem.
Já fazia vários meses que em Paris corria o boato sobre a suposta existência de um caso entre Hollande e Julie Gayet. A chefe do Grupo de Segurança da Presidência da República (GSPR), a comissária Sophie Hatt, duramente abalada pelo escândalo, terá de se explicar junto a seus superiores.
O que François Hollande e Manuel Valls sabiam exatamente?
Segundo o Palácio do Eliseu, François Hollande nunca soube das ligações entre a locatária do apartamento, Emmanuelle Hauck, e determinadas pessoas supostamente próximas do crime organizado da Córsega. O nome de Ferracci, por exemplo, não aparece no interfone do apartamento, como observam pessoas do círculo de Hollande. O presidente não tinha conhecimento da identidade da locatária do apartamento, Emmanuelle Hauck, amiga de longa data de Julie Gayet.
Já Manuel Valls descobriu no domingo à noite os detalhes do caso. "Não estamos nos Estados Unidos", ele disse ao "Le Monde". "O GSPR é independente. Não preciso estar a par das saídas do presidente. Se ele decide ir até um lugar, a responsabilidade é dele. Quando Jacques Chirac teve seu acidente vascular em 2005, Nicolas Sarkozy, então ministro do Interior, não foi avisado de imediato."
Quando Valls foi nomeado ministro do Interior, ele reformatou o departamento de segurança, realocando policiais militares no Palácio do Eliseu. Essa reforma também permitiu cortar 106 postos entre os efetivos. "Nesse caso, a segurança do presidente nunca esteve ameaçada", conclui Valls.
A revista "Closer" pode ter sido usada por rivais de Hollande?
É a grande dúvida no Palácio do Eliseu, que examina o caso desencadeado pela reportagem da revista semanal de fofocas. Em Paris, nos últimos meses os rumores sobre o suposto affaire do presidente foram relatados por vários grandes veículos de comunicação sarkozystas.
Hollande sempre considerou Sarkozy seu principal rival em uma futura reeleição em 2017. Ele sempre lhe atribuiu um grande poder de dano, associado a seu passado como ministro do Interior e a suas amizades com oficiais de alto escalão na polícia.
De fato, o ex-ocupante do Palácio do Eliseu manteve poderosos aliados dentro da polícia, sendo que parte dos efetivos continuaram fiéis a Sarkozy. Da mesma forma, no Eliseu ainda há aliados do ex-presidente, especialmente no GSPR. A detenção de um dos filhos de Valérie Trierweiler devido à compra de uma pequena quantidade de maconha já havia sido revelada pela revista "Closer" em dezembro de 2013. O relatório policial logo vazou, e o casal presidencial viu nesse caso a ação de redes sarkozyistas subterrâneas.
Hollande está bem rodeado?
Foi uma das lições deste caso. Quando chegou à presidência, Hollande não quis repetir os esquemas criados por Sarkozy. Este dispunha de um gabinete experiente, próximo da polícia e do setor de inteligência. Claude Guéant, secretário-geral do Eliseu (2007-2011), havia sido diretor-geral da polícia nacional. Michel Gaudin, chefe da polícia de Paris, também. Pierre Charon, conselheiro do Eliseu, amigo próximo de Sarkozy, andava com a elite da polícia.
Já Patrick Ouart, assessor de Justiça, tinha domínio sobre a magistratura e as nomeações. Frédéric Péchenard, diretor da polícia durante cinco anos, era um amigo de infância de Sarkozy. Sem falar de Bernard Squarcini, diretor da inteligência interna, totalmente devoto a Sarkozy.
Era um dispositivo de guerra, redondo e eficiente, tanto para as manobras ocultas como para as oficiais. Hollande, por gosto pessoal, movido pela vontade de se distanciar dessas práticas, não quis se cercar de profissionais com esse perfil. De fato, ele não dispõe de um "gabinete oculto". Seu antecessor havia se inspirado em Jacques Chirac. Este último podia contar com Dominique de Villepin no Eliseu, com o advogado Francis Szpiner ou ainda o presidente da inteligência francesa, Yves Bertrand.
Tradutor: UOL