Casal de homens recebe autorização na França para adotar uma criança

Gaelle Dupont

Eles mal conseguem acreditar. Os dois homens, todos sorridentes, mostram o documento oficial do conselho geral de Bouches-du-Rhône, recebido em meados de agosto. Laurent, 41, e Jérôme, 36, que estão juntos há 12 anos e se casaram em julho de 2013, obtiveram a autorização para adotar uma criança abandonada, na França ou no exterior.

Eles estão entre os primeiros casais homossexuais a conseguirem essa autorização e aceitaram falar sob condição de anonimato (seus nomes foram modificados). "Vivemos tranquilos, de forma discreta", eles justificam. Laurent é supervisor em uma usina petroquímica; Jérôme é comissário de bordo. Seus colegas não sabem de sua vida privada.

Eles não conseguem acreditar porque foi tudo muito rápido e simples. Após nove meses de processo, eles receberam a autorização. Eles, um casal de homens. "Eu tinha medo de me deparar com incompreensão", resume Laurent. Não foi o que aconteceu. Nem com a assistente social nem com a psicóloga, com quem se encontraram três vezes, nem durante as reuniões com os outros pais. Eles estavam pessimistas no começo, mas agora estão cheios de esperança. "Estamos preparados", diz Jérôme. "Por acaso eles nos dariam a autorização se houvesse alguma dúvida?"

Vinte mil autorizações; 2.200 crianças adotadas a cada ano

Contudo, suas chances de terem rapidamente uma criança nunca foram tão pequenas como agora. Falou-se um pouco sobre isso durante os debates sobre a legalização do casamento homossexual no país, mas os números falam por si: há cerca de 20 mil autorizações válidas na França, enquanto 1.500 crianças estrangeiras e pouco mais de 700 pupilos franceses são adotados a cada ano. O aumento do nível de vida nos países em desenvolvimento tem levado a um número cada vez maior de adoções locais. Na França, fora os bebês abandonados no nascimento, as crianças dificilmente são adotadas, pois a preservação dos laços com a família biológica prevalece.

Na condição de casal homossexual, as expectativas de Laurent e de Jérôme são ainda menores do que as de candidatos heterossexuais. A adoção internacional é praticamente fechada para eles: o Brasil aceita candidaturas de casais gays, mas para crianças com mais de 10 anos. Os Estados Unidos também, mas a Agência Francesa de Adoção ainda não trabalha nesse país. A África do Sul e alguns Estados do México são abertos, mas as adoções continuam sendo muito raras.

Quanto aos pupilos do Estado, por acaso o conselho de família, que atribui as crianças em cada departamento, escolheria dois homens sendo que há o mesmo tanto de casais heterossexuais interessados? "Respeitamos as pessoas e a legislação", afirma Marie-Thérèse Martini-Malgorn, chefe do serviço de adoção e pesquisa das origens do departamento de Bouches-du-Rhône. "Eles estão autorizados. O caso deles será estudado assim como o de outros pais." Quando chegar a vez deles. Para uma criança com menos de 3 anos, a espera dura em média cinco anos no departamento.

"Queríamos que fosse tudo oficial, legal"

Laurent e Jérôme optaram pelo caminho mais difícil para se tornarem pais. Um deles poderia adotar como solteiro, escondendo sua vida privada. Suas chances teriam sido maiores, sobretudo no exterior. "Queríamos que fosse tudo oficial, legal, não que um de nós ficasse escondido", responde Jérôme. Eles teriam conseguido constituir uma família com três ou quatro pais, com uma mulher ou um casal de mulheres. "Eu não tinha vontade de ter uma criança pela metade do tempo", alega Laurent.

E a maternidade de substituição no exterior? A ideia não os atrai. "Quero me tornar pai em meu país", diz Laurent. "Além disso, em caso de maternidade de substituição, não há reconhecimento para o segundo pai." De qualquer forma, há um obstáculo: o custo, que é em torno de 100 mil euros. Casais de mulheres não têm essas dificuldades: hoje, a maior parte delas vai até a Bélgica ou a Espanha para passar por um processo de reprodução assistida com doação de esperma, que é proibido para elas na França.

Eles estão cientes de que assumiram um "desafio". Faz anos que estão se preparando. "Vendo a evolução na Europa, pensávamos que isso acabaria chegando à França", eles dizem sorrindo. Eles mandaram construir uma pequena casa em um condomínio novinho, com um quarto para a criança e um jardim, em uma comuna do perímetro da Lagoa de Berre. "Ter um filho é um desejo inexplicável e que não tem nada a ver com a orientação sexual", diz Laurent. "Venho de um meio operário. Em meu esquema familiar, eu não me via necessariamente como gay, mas eu me via tendo filhos."

"A prioridade não será para nós"

Eles têm certeza de que a candidatura deles não tem erro. Como um casal que se diz "caseiro", eles vivem cercados por parentes e amigos que lhes pedem para cuidar de seus filhos durante as férias. Apesar de fazerem parte da Associação de Pais Gays e Lésbicas, eles não são militantes. "A psicóloga nos disse que é preciso tomar cuidado para que seu filho não vire uma bandeira", lembra Laurent. Eles estão pedindo uma criança com idade entre 2 e 7 anos. "Pensamos que eles nunca nos dariam um bebê", diz Laurent. "Entre pais héteros e nós, a prioridade não será nossa."

De qualquer forma, eles queriam uma criança mais velha, "para que ela vivenciasse sua adoção". Nada sobre seu nascimento e trajetória será escondido dela. "Estamos preparados para responder a todas as perguntas, inclusive esta: 'Por que dois homens?'", diz Laurent.

E eles não têm medo de que uma mãe faça falta? "Tentaremos compensar", diz Laurent. "Faremos de tudo para que ela seja o mais feliz possível". Eles estão dispostos a acolher uma criança que tenha uma "particularidade leve ou reversível" (segundo a terminologia oficial): lábio leporino, hepatite, HIV. "Uma criança soropositiva não é algo que nos assusta", diz Laurent. Eles acreditam que isso melhora suas chances. Eles sonham com uma criança "até o Natal", mas se dizem dispostos a esperar por anos.

Tradutor: UOL

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