Projetada para 2016, eco-cidade de Abu Dhabi ainda é um complexo semi-fantasma
Simon Roger
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Karim Sahib/AFP
Painéis solares no entorno de Masdar, eco-cidade projetada em Abu Dhabi
Em uma cidade que cresce rápido como mato, o que poderia haver de mais trivial do que o movimento giratório das gruas e o vaivém dos caminhões-basculantes? No entanto, o imenso terreno baldio que pode ser visto a partir do aeroporto de Abu Dhabi, a capital dos Emirados Árabes Unidos, não tem nada de ordinário.
Em pleno deserto, a 20 km do centro da cidade, algum dia essa extensão arenosa de 6km2 terá metade de sua área construída para acolher 52 mil habitantes e 40 mil empregos. Algum dia? A obra de "Masdar City" ("a fonte", em árabe) deveria ser concluída em 2016, mas ela só terminará em 2030... na melhor das hipóteses.
Dez anos após seu lançamento, a eco-cidade, apresentada como o protótipo da cidade ecológica do futuro, que funciona com energias renováveis, uma rede de transporte de baixa emissão de carbono e uma estratégia "zero lixo", continua sendo uma miragem. A crise financeira de 2008 afugentou as ambições dos Emirados Árabes Unidos.
Por enquanto, Masdar City se resume a duas ilhotas em uma superfície total de 150 mil m2; uma em torno do Instituto de Ciências e Tecnologias (MIST, em inglês), a outra em torno da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena). Passando pelas cercas que acompanham o logo da Mubadala, a empresa estatal de Abu Dhabi, é possível ver as fundações de novos edifícios e estacionamentos perdidos pelo horizonte desértico.
"Masdar City não fica no meio do deserto, mas sim no meio da nova Abu Dhabi", corrige Nawal al-Hosany, diretora de desenvolvimento sustentável de Masdar. "É um instrumento multifacetado para apoiar a diversificação da economia e posicionar o emirado como líder no setor das energias renováveis". A cidade é a vitrine de um projeto que inclui atividades renováveis em grande escala (Masdar Clean Energy), start-ups (Masdar Special Projects) e uma ferramenta de investimentos (Masdar Capital) destinada a dotar o Oriente Médio e a África de energia solar e eólica.
Preparar a era pós-petróleo
Projetada pelo prestigioso escritório de Norman Foster, a "cidade verde" deve custar US$ 16 bilhões (R$ 61 bilhões). Abu Dhabi tem recursos à altura de suas ambições. O subsolo dos Emirados Árabes contém 5,9% das reservas mundiais de petróleo, e os seis fundos soberanos da cidade-Estado, incluindo a Abu Dhabi Investment Authority, que sozinha representa US$ 825 bilhões, contam com uma liquidez confortável.
No final de 2015, o príncipe-herdeiro Sheikh Mohammed ben Zayed al-Nahyane alertou que os Emirados Árabes Unidos entregariam sua última carga de petróleo daqui a 50 anos e que era preciso se preparar para a era pós-petróleo. Aproveitando a conferência de Paris sobre o clima (COP21), ele estabeleceu em 24% a porcentagem de "energias limpas" (renovável e nuclear) no mix de energia em 2021, graças à ativação em 2017 de quatro reatores nucleares que estão sendo construídos e à expansão das capacidades solares em um país de recursos eólicos incertos.
Na estrada asfaltada que leva ao MIST, especializado em pesquisas sobre energia solar e dessalinização, outra grande questão ambiental, cada poste de iluminação de LED é recarregado por um painel solar. Na parte de trás do estacionamento principal se estende uma fazenda solar de 10 MW. "Nosso consumo atual é de 3,5MW," afirma Nicolas Calvet, um professor francês encarregado do departamento de engenharia de materiais do instituto. "Nós redistribuímos uma grande parte da eletricidade pela rede."
Essa frugalidade energética não é só pelos desempenhos técnicos. Somente 2 mil pessoas, pesquisadores, funcionários e operários da construção civil trabalham aqui. O complexo de 32 mil m2 de Irena por enquanto só conta com 250 ocupantes e os residentes permanentes de Masdar são pouco mais numerosos do que isso. Quando cai a noite, cerca de 300 estudantes do campus (dos quais 50% são dos Emirados Árabes Unidos) erram por uma cidade fantasma iluminada por raros bares-restaurantes e um complexo esportivo sonolento.
"À noite as pessoas trabalham ou vão dormir cedo", conta Miguel Diago, um doutorando espanhol que chegou em 2013. Mas o jovem não se queixa: "Aqui você é pago para estudar e se desenvolver em um ambiente internacional. Masdar é parceira do MIT de Boston". Miguel Diago recebe 7 mil dirhams (cerca de R$ 7.200) por mês, e não paga nem aluguel nem seu voo anual para a Espanha.
Durante o dia, Masdar City volta a ganhar cores e um frescor saudável quando chega o calor sufocante do verão: um captador de vento, erguido na praça central, engole o vento quente e devolve ar fresco através de um sistema de nebulização, enquanto os muxarabis e os filmes plásticos das fachadas ajudam a combater o calor extremo.
Laboratório e soprador
Ao barulho surdo das máquinas de terraplanagem se somam as vibrações do soprador da sala branca do laboratório de pesquisas adaptado sob a laje. Isso porque Masdar City foi construída sobre uma plataforma, uma escolha urbanística que libera lugar para a rede de transporte subterrâneo, alimentada por carrinhos elétricos de condução magnética.
Na entrada da cidade, os turistas que embarcam no Masdar City Tour param subitamente diante do prédio da Siemens, a primeira multinacional a instalar sua sede regional no local. O edifício atende a todos os critérios da excelência ambiental: temperatura regulada, consumo de água restrito, emissões de carbono reduzidas... É um imóvel padrão para a empresa que aposta em um modelo "onde os hidrocarbonetos cederão lugar às energias renováveis", diz seu diretor para o Oriente Médio, Dietmar Siersdorfer.
Abu Dhabi se lançou nessa aventura também para se diferenciar de sua rival Dubai, adepta de um urbanismo superlativo. "Com Masdar, Abu Dhabi exerce um papel de estímulo para a transição. Dubai seguiu, e os Emirados Árabes Unidos como um todo têm interesse em se libertar pouco a pouco do petróleo", afirma a embaixada da França em Abu Dhabi.
No entanto, a transição energética da qual Masdar pretende ser o símbolo não deve acontecer tão cedo. "Em escala mundial, os renováveis têm avançado bem rápido", comenta Cédric Philibert, especialista em energias renováveis na Agência Internacional de Energia. "Até 2020, as novas capacidades de produção elétrica de origem renovável vão absorver 63% dos investimentos." "Mas no Oriente Médio e no norte da África 83% dos investimentos irão para projetos com base em combustíveis fósseis, e somente 10,5% para os renováveis", relativiza o especialista.
Se a eco-cidade é um símbolo, é o das contradições de um país que professa a sobriedade energética mas apresenta uma das piores pegadas de carbono do planeta, que aposta na energia solar mas explora sem reservas sua renda petroleira.
"Masdar City é uma iniciativa ecológica pioneira", acredita Radia Lahlou, uma doutoranda marroquina que entrou para o MIST em 2015, "mas quando se sai do campus vemos um modo de vida que tende ao excesso de consumo. No centro da cidade, usa-se o ar condicionado o ano inteiro e os carros grandes dominam." Uma frota de veículos elétricos completa a rede de transporte de Masdar City, mas há carros imensos nos estacionamentos.
"É provisório. Futuramente um trem aéreo deverá ligar o centro de Abu Dhabi", retruca Anthony Mallows, diretor de Masdar City. "Com a crise financeira de 2008, foi preciso reajustar o projeto. Investidores privados, atraídos por nossa zona franca, completaram os fundos da Mubadala, e joint-ventures nos garantem parcerias com companhias estrangeiras."
A Total, por exemplo, participou ao lado dos Emirados Árabes Unidos e dos espanhóis da Abengoa da realização da usina Shams-1, a maior usina de concentração solar do mundo quando foi inaugurada em 2013. Um projeto de bairro de Masdar reunindo a nata das empresas francesas está sendo estudado. "Masdar City está atrasada, mas a cidade vai chegar, este país tem tempo", diz em apoio a embaixada da França.
"Abu Dhabi aos poucos está adotando todos os instrumentos de uma cidade global: um polo de excelência cultural com o Louvre, educativa com a Sorbonne e tecnológica com Masdar City", analisa o historiador Simon Texier, coautor junto com o acadêmico Jean-François Doulet de uma obra sobre Abu Dhabi que deve ser publicada em meados de março. E lembra que a capital dos Emirados Árabes ainda não tem nem 50 anos: "Em 1965, era um vilarejo de 3.500; hoje, 1,5 milhão de pessoas vivem lá. Amanhã serão 3 milhões". É uma cidade realmente próspera.
Tradutor: UOL