Herdeiros do Bolero de Ravel criam imbróglio para tentar evitar obra em domínio público
Michel Guerrin
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Divulgação
O compositor e pianista francês Maurice Ravel
Maurice Ravel se encontra no centro de uma história maluca. Ou melhor, seu Bolero. Para falar sobre ele, chamamos Laurent Petitgirard, compositor e regente apaixonado por Ravel, que também é presidente da Sociedade dos Autores, Compositores e Editores de Música, a famosa Sacem, órgão encarregado de tributar o uso de músicas e em seguida repassar a arrecadação aos autores ou a seus herdeiros.
"Cuidado", alerta Petitgirard. "O Bolero é um sucesso absoluto, composto por um gênio, e a questão de sua sucessão é rocambolesca. É um caso único."
No dia 1º de maio, o Bolero (1928) entrou em domínio público, o que quer dizer que qualquer um pode usá-lo sem pagar direitos. É algo bastante significativo, pois se trata da música erudita mais tocada, mais adaptada e até mesmo cantarolada. O genial roqueiro Frank Zappa fez um arranjo dela, e Maurice Béjart montou uma coreografia que se tornou cult, vista no filme de Claude Lelouch "Les Uns et les Autres" ("Retratos da Vida", 1981). Enfim, agora poderemos esperar ver o Bolero invadindo os bares, as propagandas, os aeroportos, os comícios políticos etc.
Seu sucesso reside em uma melodia simples, repetitiva e obsessiva, e uma orquestração virtuosa que parte de um ligeiro bater de tambor e culmina em um retumbo orquestral. Ravel, de altura diminuta (menos de 1,55 m) e talento imenso, ficou farto de seu sucesso de 17 minutos, que ele chamava de "vazio musical".
Esse vazio encheu os bolsos de muita gente. Ravel foi o campeão de direitos pagos pela Sacem até 1994, com 10 a 15 milhões de francos por ano. A fortuna sumiu desde que seu Bolero deixou de ser protegido em vários países, mas ele ainda representa centenas de milhares de euros.
Processos entre herdeiros
Esse dinheiro virou a cabeça das pessoas. A história da herança do músico é uma saga tão picante quanto lamentável, contada pela primeira vez por Irène Inchauspé, com o título "Quem lucra com o Bolero de Ravel?", na revista "Le Point" em 2000.
Ravel morreu em 1937, solteiro e sem filhos, e seu irmão Edouard, um industrial, era o único herdeiro. Ele queria ceder 80% dos direitos autorais para a Prefeitura de Paris para criar um prêmio Nobel da música, mas tudo foi por água abaixo em 1954, quando Edouard, debilitado por um acidente de carro, entregou sua herança à sua massagista e seu marido.
Seguiu-se um imbróglio monstruoso com processos entre herdeiros, um ex-executivo da Sacem, que conseguiu uma fatia do bolo, dinheiro que transitou por empresas registradas em Gibraltar, Mônaco, Ilhas Virgens e Vanuatu. Em suma, um fisco espoliado.
E eis que no dia 7 de abril, ou seja, alguns dias antes que o Bolero passasse para domínio público, a Sacem recebeu uma carta registrada pedindo a designação do cenógrafo e pintor Alexandre Benois (1870-1960) como coautor do Bolero. Os herdeiros de Benois assinaram essa carta, e os de Ravel também, que viram ali uma vantagem: uma prorrogação de vinte anos dos direitos autorais.
A ideia, segundo o "Le Figaro" de 3 de maio, era que se tratava de uma obra "colaborativa". Mas que tipo de colaboração seria, uma vez que Alexandre Benois não era músico? Seus descendentes acreditam que ele tenha submetido a Ravel uma história, um "argumento", que inspirou o Bolero. É possível, considerando precedentes como a célebre "Nuages" de Django Reinhardt, conta Petitgirard.
Os herdeiros lembram que na ocasião de sua criação, em 1928, no Opéra Garnier, o Bolero era um balé, com uma cenografia de Benois. Então este teria sido mais do que o cenógrafo, e portanto responsável pela obra? Os herdeiros se baseiam em uma citação de Louis Laloy, secretário-geral da Ópera de Paris, que escreveu no "Le Figaro" de 21 de novembro de 1928 que Alexandre Benois era o "autor" do Bolero.
A Sacem examinou as peças fornecidas pelos herdeiros de Benois, os recebeu, convocou um perito e concluiu, no dia 29 de abril, que o pedido não fazia sentido.
"Não existe nenhuma prova de uma colaboração entre eles", explica Laurent Petitgirard. "Ela não consta na partitura de Ravel, nem no cartaz ou no programa, nem no registro da obra. Não há nenhuma troca de cartas entre eles. Ravel nunca falou sobre isso. Além disso, Ravel era muito honesto. Se ele tivesse se inspirado em um argumento de Benois, ele teria dito."
E conclui: "Esses herdeiros são sinceros, eles querem honrar o nome de seus antepassados, mas estão equivocados". Ademais, o Bolero é uma peça orquestral autônoma e sem narração, "uma obra abstrata" dizia Béjart.
Quanto à possibilidade de os herdeiros da família de Alexandre Benois entrarem na Justiça para obter aquilo que a Sacem lhes nega, "por enquanto a decisão ainda não foi tomada", informou à AFP François Tcherkessoff, bisneto de Alexandre Benois.
Essa história pouco ilustre de herança não combina com o perfil desinteressado de Ravel, e não vai ajudar na causa dos direitos autorais. É verdade que nunca há moral nas questões envolvendo heranças, cuja motivação muitas vezes é mais financeira que estética.
Laurent Petitgirard pondera: "94% dos direitos pagos pela Sacem vão para autores vivos. É preciso relativizar a parte dos herdeiros!", e chega a dizer: "O abuso do direito autoral pode matar o direito autoral".
Para ele, é preciso preservar o espírito que guiou a criação da Sacem, quando o letrista Ernest Bourget ouviu uma de suas canções no café-concerto Les Ambassadeurs, em Paris, em 1847, e se recusou a pagar sua bebida enquanto não lhe pagassem seus direitos.
É um caso bem diferente do de Ravel, pois quem seria seu herdeiro "direto" hoje? Uma mulher que mora na Suíça, segundo o "Le Figaro" de 30 de abril, que é "filha única da segunda mulher do marido da massagista da mulher do irmão de Ravel."
Tradutor: UOL
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