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Retrospectiva 2012: O segundo mandato de Obama pode ser uma segunda chance para os EUA no exterior

Obama beija a líder opositora de Mianmar, Aung San Suu Kyi, durante visita histórica ao país - Jewel Samad/AFP
Obama beija a líder opositora de Mianmar, Aung San Suu Kyi, durante visita histórica ao país Imagem: Jewel Samad/AFP

Zbigniew Brzezinski*

Do New York Times

05/01/2013 06h00

Através da diplomacia e do uso efetivo do poder brando, os EUA podem voltar a ser o líder mundial - começando pelo Oriente Médio.

(Em “Strategic Vision”, publicado no início de 2012, Zbigniew Brzezinski, estrategista norte-americano de política exterior, argumentava que os EUA deveriam se envolver mais ativamente na atual crise global do poder. Este artigo é baseado numa conversa entre Brzezinski e o New York Times Syndicate em 12 de novembro, alguns dias depois da eleição presidencial.)

Para ser eficiente no cenário mundial, os EUA têm de encontrar um meio de renovar o apelo de sua democracia. A guerra contra o Iraque, em 2003, baseada em alegações falsas de armas de destruição de massa, enfraqueceu a posição do país. Embora seu prestígio continue alto, atualmente a nação não é uma força moral convincente como poderia ser.

Agora, porém, os EUA - e Barack Obama - têm uma segunda chance formidável.


Por compreender o rumo da história contemporânea, o presidente pode concentrar os esforços de sua administração na implementação de uma estratégia que revitalize o Ocidente e reconcilie as tensões no Oriente, tornando os EUA e o resto do mundo mais impermeáveis contra as crises econômicas e políticas e até guerras.


O Oriente Médio, incluindo o conflito entre Israel e Palestina, pode ser um bom ponto de partida. Segundo as pesquisas de opinião, a maioria dos israelenses e de judeus norte-americanos apoiaria um compromisso abrangente - uma solução de dois Estados baseada em fronteiras negociáveis de acordo com a demarcação de 1967, com o compartilhamento de Jerusalém. O mesmo parece ser válido, até certo ponto, para os palestinos. O prolongamento do conflito e a expropriação contínua de terra e controle dos palestinos pelos israelenses é fonte de muita hostilidade na região em relação a Israel.

Se esse problema não for resolvido neste mandato de Obama, talvez nunca mais tenha solução - ou seja, daqui a 40 anos, talvez antes, Israel corra um risco mortal. Somente com uma atitude decisiva e firme - sem favorecer um lado ou discriminar o outro -, os EUA poderão mediar uma solução de dois Estados que envolve outro fato difícil: a insistência de Benjamin Netanyahu em construir assentamentos com o objetivo de colonizar a Cisjordânia tornou impossível a chegada a um acordo durante o primeiro mandato de Obama.

Se a situação sair de controle tragicamente, Israel vai se tornar uma terra isolada num Oriente Médio politicamente consciente, no qual os povos estão preparados para pagar o preço físico de uma guerra contínua. Se os EUA se posicionarem agora como mediadores da paz, não demora muito e Israel e a Palestina poderão se tornar a Cingapura do Oriente Médio.


Da mesma forma, os EUA podem ter um papel criativo e construtivo tanto na Europa como na Ásia. A primeira precisa do envolvimento norte-americano no continente, sob a forma da Otan; a segunda não precisa desse envolvimento em seus problemas.

A longo prazo, os EUA não podem continuar a apoiar Taiwan militarmente. Com Richard Nixon e o secretário de Estado Henry Kissinger, o país deu mais ou menos a entender que Taiwan era parte da China. Não há como voltar atrás nessa premissa sem criar um conflito real no continente.

Porém a política chinesa está evoluindo: enquanto Hong Kong, por exemplo, tem autonomia interna completa, elementos do Exército chinês estão baseados ali como parte integral do país. Já com relação a Taiwan, os chineses deixaram bem claro que a unificação envolveria “uma China e vários sistemas” - e, a menos que o nacionalismo chinês ou a incapacidade dos EUA estimulem conflitos intensos entre a China e seus vizinhos, seus cidadãos vão tentar traduzir suas conquistas econômicas extraordinárias em arranjos sociopolíticos mais flexíveis.

De forma deliberada e com tato, podem tentar acelerar esse processo de baixo para cima, e assim afrouxar os aspectos autoritários do regime para permitir uma maior participação social na tomada de decisões do país.

Comparativamente, a China tem um acesso muito maior ao mundo do que a União Soviética durante sua fase de desenvolvimento. Centenas de milhares de chineses viajam e/ou estudam no exterior, sendo 100 mil só para os EUA. O acesso à Internet é uma realidade para a classe média - e até para as classes rurais - e isso por si só já é um sinal de uma mudança política substancial. Incentivar esse contato só beneficiará os EUA.

A Europa precisa da Turquia porque se ela deixar de ser um país que se ocidentaliza e moderniza rapidamente, com sobretons europeus, o Velho Mundo vai se tornar mais vulnerável às seduções e violência que surgem no Oriente Próximo. A Turquia, por sua vez, precisa ser aceita pela Europa para consumar os esforços iniciados sob Ataturk, há quase cem anos, e tem se mostrado ambiciosa no teor e bem-sucedida na educação. Os europeus estariam cometendo um erro fatal em abortar o processo de associação turca com a Europa.


A volta de Vladimir Putin à Presidência pode emperrar a entrada da Rússia na União Europeia, mas é pouco provável que a impeça. Embora seja um Estado autoritário e cada vez mais nacionalista, com Putin obviamente motivado pela nostalgia do imperialismo russo, a realidade inegável é a emergência de uma nova classe média. É pouco provável que o país recupere seu status imperial, mas essa nova classe - definitivamente ocidentalizada - sairá em busca do poder num contexto de associação íntima com o Ocidente.

Pela primeira vez na Rússia, no campo da política, não há mais o medo público das consequências da crítica explícita ao governo. É perfeitamente normal - de fato, é até “de bom tom” ridicularizar os que estão no poder. As jovens da banda Pussy Riot, que cantaram contra Putin dentro de uma igreja e foram presas, foram além do que o regime estava preparado para tolerar, mas isso não impede que os outros façam o mesmo. Ridicularizar os políticos é uma arma poderosa e eficiente para desacreditar a liderança e é cada vez mais utilizada na Rússia.


Em termos regionais, os EUA podem ajudar os mexicanos a lidar com os problemas do narcotráfico. O PRI, sob o novo presidente do México, Enrique Peña Nieto, está rejuvenescido e redefinido, com ênfase na responsabilidade civil e na obediência à lei. Ao mesmo tempo, o México lança uma iniciativa abrangente para lidar com o desafio - que pode ser absolutamente fatal em suas prováveis consequências. Para eles, mais do que para ninguém, ter os EUA como bom vizinho só vai ajudar, evitando assim qualquer mal-entendido que possa reacender os antagonismos passados entre as duas nações.

Através da diplomacia e o uso efetivo do poder brando, os EUA podem voltar a ser o líder mundial, em posição de apoiar uma ONU ainda mais efetiva na busca de soluções para os interesses comuns do mundo em seus elementos comuns estratégicos: o mar, o ar, o espaço e o ciberespaço e a proliferação nuclear.

* Zbigniew Brzezinski é autor de inúmeros livros sobre a política externa norte-americana; foi também assessor de segurança nacional do presidente Jimmy Carter. (Este texto faz parte da série "Fator de Mudança: Pauta Global 2013", com fotos e desenhos sobre eventos e tendências de 2012 que continuarão repercutindo em 2013.)