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Maduro ou Guaidó: quem é o líder da Venezuela? A resposta não é simples

30.jan.2019 - Líder da oposição venezuelana e autoproclamado presidente Juan Guaidó durante protesto contra Nicolás Maduro em Caracas - Carlos Garcia Rawlins/Reuters
30.jan.2019 - Líder da oposição venezuelana e autoproclamado presidente Juan Guaidó durante protesto contra Nicolás Maduro em Caracas Imagem: Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Max Fisher

06/02/2019 04h01

A crise da Venezuela levantou questões que podem determinar o futuro do país e que um leitor distante pode ser perdoado por achar confusas. Juan Guaidó, o líder de oposição, declarou que o presidente Nicolás Maduro é ilegítimo e se proclamou presidente interino da Venezuela.

Então quem é o líder legítimo, como podemos saber e quem é que decide?

Os EUA e vários países da América Latina e da Europa reconheceram Guaidó como o líder de direito, e ele pediu aos militares que retirem seu apoio a Maduro.

Mas empossar Guaidó é uma transição democrática ou um golpe de Estado?

As respostas a essas perguntas, embora de urgente importância, não são nada simples. Aqui vai uma ajuda para tentar elucidá-las.

Quem é mais legítimo, Maduro ou Guaidó?

Não há um teste definitivo de legitimidade política, que pode vir de várias fontes diferentes. Tanto Maduro quanto Guaidó têm reivindicações discutíveis sobre legitimidade, o que é em parte o que torna tudo tão confuso.

Chamar um líder de "legítimo" não significa que ele ou ela seja popular, bem-sucedido ou moralmente correto. Simplesmente significa que os cidadãos, as elites políticas e os governos estrangeiros reconhecem a autoridade legal do líder.

Por isso, quando um líder assume o poder e é inicialmente tratado como legítimo --e Maduro foi geralmente aceito quando assumiu o cargo em 2013--, é muito difícil que perca esse status.

Mas Maduro viu suas fontes de legitimidade enfraquecerem.

Manifestantes encheram as ruas da Caracas, a capital venezuelana, na semana passada para denunciá-lo como ilegítimo. Mas 300 mil manifestantes são apenas 1% da população. Maduro mantém certo apoio, especialmente entre os pobres.

Muitos países vizinhos da Venezuela retiraram seu reconhecimento de Maduro, assim como fizeram EUA, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha e Espanha, entre outros. Se Maduro não pode se apresentar como legítimo no exterior, ele parecerá menos legítimo em casa, o que convida os cidadãos e as autoridades políticas a também rejeitá-lo.

O ponto mais fraco na legitimidade popular de Maduro talvez seja sua vitória na reeleição em 2018, que foi amplamente discutida entre denúncias de fraude, sugerindo que talvez ele não tenha de fato o apoio popular para atuar como presidente.

Mas muitos líderes mundiais roubam nas eleições e ainda são tratados como legítimos por seus cidadãos, mesmo a contragosto.

Assim, se as alegações de fraude eleitoral tornam Maduro ilegítimo ou não, cabe em última instância aos monitores da eleição. Cabe aos cidadãos e às autoridades políticas da Venezuela, que coletivamente conferem legitimidade a Maduro ao continuar a tratá-lo como presidente ou não.

A legitimidade de Maduro tem outro ponto fraco: as instituições políticas que o mantêm no poder. Depois que a oposição venceu a eleição legislativa em 2015, os aliados de Maduro encheram a Suprema Corte de fiéis ao governo. Em 2017, Maduro criou um segundo Legislativo, que encheu de fiéis em eleições amplamente condenadas como fraudulentas. Esse novo Legislativo então retirou os poderes do Legislativo controlado pela oposição.

Se os cidadãos e as elites políticas venezuelanos passarem a tratar como ilegítimas as instituições aliadas a Maduro, a legitimidade dele próprio será prejudicada.

As reivindicações de Guaidó também são imperfeitas.

Ele afirmou que a disputada vitória na reeleição de Maduro deixou a Presidência tecnicamente vazia, acionando uma regra que permite que Guaidó, como chefe da Assembleia Nacional, seja empossado como líder interino.

Isso só torna Guaidó legítimo se ele conseguir convencer a população, as elites políticas e os governos estrangeiros a tratá-lo como tal.

Não é a coisa mais fácil do mundo. A reivindicação de Guaidó deriva de uma interpretação criativa de um dispositivo constitucional, mais do que da vontade popular ou do devido processo legal. É principalmente uma reivindicação sobre a fraqueza da legitimidade de Maduro, mais do que de sua força própria.

A aparente esperança de Guaidó é que ele atraia manifestantes suficientes e conquiste as elites políticas e os governos estrangeiros para convencer os militares do país, ou o próprio governo de Maduro, de que eles ficarão melhor se empossarem Guaidó.

É por isso que o líder de oposição está tão enfocado na questão da legitimidade. Não como uma maneira de agradar os ideais democráticos dos generais e das elites da Venezuela, mas como uma forma de convencer esses mediadores do poder de que, se o colocarem no cargo, ele será aceito no país e no exterior e finalmente recuperará a estabilidade.

Juan Guaidó, líder da oposição venezuelana, recebe uma ligação do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em Caracas - Meridith Kohut/The New York Times - Meridith Kohut/The New York Times
Juan Guaidó, líder da oposição venezuelana, recebe uma ligação do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em Caracas
Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

Se Guaidó tomar o poder será um golpe?

Na prática, a resposta depende amplamente de se os venezuelanos e os governos estrangeiros decidirem ver a ascensão de Guaidó como legítima.

Pense na revolução egípcia de 2011, que foi amplamente aceita como uma mudança de governo legítima. Embora manifestantes tenham iniciado o movimento pedindo a renúncia do presidente Hosni Mubarak, foram os generais que o retiraram e se instalaram como líderes interinos.

Líderes de golpes, que tendem a atacar em meio à inquietação popular, quase sempre afirmam estar servindo à vontade do povo. Isso não torna os generais egípcios errados sobre terem o apoio popular. Mas expõe uma verdade incômoda: a linha entre golpes e revoluções muitas vezes é uma questão de percepção.

Isso não torna a distinção desimportante, apenas subjetiva, determinada pelo fato de os cidadãos e os governos considerarem que a mudança de poder reflete seus desejos.

Se os venezuelanos acreditam que Guaidó não tem o mandato popular para assumir o poder, sua instalação seria considerada uma subversão da vontade popular, e, portanto, um golpe.

Mas se eles acreditarem que Guaidó tem um mandato popular, mesmo que ele seja instalado por um punhado de generais sua ascensão provavelmente seria considerada um reflexo da vontade popular, e, portanto, legítima.

Se esse parece um critério fraco para legitimar um golpe, Maduro só pode culpar a si mesmo.

Se as eleições na Venezuela fossem consideradas justas e livres, essa seria a única maneira legítima de mudar o governo. Só porque sua legitimidade foi amplamente questionada nos últimos anos é que Guaidó e seus apoiadores estrangeiros podem afirmar que obrigar Maduro a sair serviria à democracia.

Os EUA reconhecerem Guaidó é golpe?

Os países às vezes revogam o reconhecimento de um líder que perde uma eleição, mas se recusa a sair do governo. Ou um líder que perde a capacidade de governar. Depois que o líder sírio Bashar Assad massacrou manifestantes e perdeu o controle de grande parte dos militares, muitos líderes estrangeiros passaram a considerá-lo ilegítimo.

Esse tipo de revogação é geralmente retratado como um reflexo da vontade popular. Mas muitas vezes também se destina a forçar a saída do líder.

É um sinal para o líder e seus seguidores: se você continuar no cargo, não trataremos com você, tornando mais difícil seu governo. Também é um sinal para os cidadãos, as elites políticas e os militares do país: se vocês tirarem esse líder, não vamos objetar.

Se isso servir para derrubar um déspota amplamente considerado ilegítimo e ajudar a criar as condições para a democracia, pode servir ao regime democrático. Mas se promover os interesses americanos ao custo da vontade popular, como fizeram os EUA ao apoiar golpes no Irã em 1953 e no Chile em 1973, então equivale a participar de um golpe ilegítimo.

A Venezuela é um caso difícil porque a legitimidade de Maduro é contestada no próprio país. Se você o considera ilegítimo, a política americana parece promover os direitos democráticos da Venezuela de eleger seu próprio líder. Se você ainda o considera legítimo, então os EUA estão possivelmente subvertendo a democracia venezuelana.

O histórico do governo Trump nega suas afirmações de estar agindo em apoio à democracia na Venezuela. Ele foi tão veemente na oposição ao governo Maduro, e tão beligerante ao apoiar a mudança de regime na Venezuela e em outros lugares, que seus motivos não são considerados especialmente benignos ou democráticos.

E os EUA têm uma longa história de incentivar ou conduzir golpes na América Latina.

Isso não significa que qualquer transição política endossada pelo governo Trump seja necessariamente um golpe. Nem torna Guaidó um fantoche dos americanos.

Mas lembre-se de que a legitimidade de qualquer transição é uma questão de percepção, e que as percepções na Venezuela hoje estão divididas. A avidez do governo Trump para remover Maduro poderia prejudicar a legitimidade de qualquer novo governo venezuelano, independentemente de como ele chegue lá.