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Para Trump, ver Bolsonaro é como se olhar no espelho

Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington - Reuters
Trump e Bolsonaro se cumprimentam durante coletiva de imprensa na Casa Branca, em Washington Imagem: Reuters

Michael D. Shear e Maggie Haberman

Em Washington (EUA)

20/03/2019 14h47

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, na Casa Branca na terça-feira (19), e foi algo parecido com se olhar no espelho.

Assim como outros líderes autoritários que Trump abraçou desde que assumiu o cargo, Bolsonaro é um eco do presidente americano: um nacionalista impetuoso, cujo apelo populista vem em parte do uso do Twitter e de seu histórico de declarações cruas sobre mulheres, gays e indígenas.

"Dizem que ele é o Donald Trump da América do Sul", admirou-se Trump durante um discurso ao Birô Agrícola em janeiro, comentando que Bolsonaro foi chamado de "Trump dos trópicos" desde que assumiu o cargo neste ano. "Vocês acreditam nisso? E ele está contente com isso. Se não estivesse, eu não gostaria tanto do país. Mas eu gosto dele."

Em uma entrevista coletiva com os dois depois de um encontro para almoço, Trump gabou-se: "Eu acho que a relação do Brasil com os Estados Unidos, por causa de nossa amizade, provavelmente está melhor do que já foi até hoje".

"Nosso comércio com o Brasil vai crescer substancialmente", previu Trump mais cedo na mesma tarde, "e essa é uma das coisas que o Brasil gostaria de ver."

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Autoridades americanas disseram nesta semana que Trump apreciou o modo como Bolsonaro chegou à vitória na eleição, sendo declaradamente pró-americano e declarando repetidamente que queria ter um relacionamento próximo com Trump.

Em parte por causa das semelhanças de estilo entre os dois líderes, autoridades da Casa Branca manifestaram otimismo de que o Brasil e os Estados Unidos, duas das maiores economias do hemisfério ocidental, poderiam trabalhar juntos para resolver desacordos e forjar um laço mais forte sobre comércio e questões regionais na América do Sul, incluindo enfrentar a crise política na Venezuela.

Mas a amabilidade demonstrada entre os dois líderes na Casa Branca também deixa claro que Trump inverteu as tradições de política externa estabelecidas durante décadas por seus antecessores.

Desde que assumiu o cargo, Trump repetidamente enfrentou e desafiou os mais próximos aliados democráticos dos Estados Unidos, incluindo líderes do Canadá, Alemanha e França, enquanto falava com grande admiração de alguns dos mais brutais ditadores do mundo: Kim Jong-un, da Coreia do Norte, Vladimir Putin, da Rússia, Xi Jinping, da China, Abdel Fattah el-Sissi, do Egito, Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, e Rodrigo Duterte, das Filipinas.

Bolsonaro é um antigo apologista da ditadura militar que governou o Brasil por mais de duas décadas, mas foi eleito por uma ampla margem e o Brasil é hoje uma democracia estabelecida.

Um ex-capitão do Exército que serviu durante décadas no Congresso brasileiro, Bolsonaro saltou para o cenário internacional ao vencer a eleição para presidente no ano passado. Fez sua primeira aparição internacional como presidente quando participou do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, em janeiro.

Na Casa Branca na terça, Bolsonaro prometeu que os Estados Unidos e o Brasil "ficarão lado a lado em seus esforços para garantir as liberdades e o respeito aos estilos de vida tradicionais familiares, o respeito a Deus, nosso criador, contra a ideologia de gênero ou as atitudes politicamente corretas, e contra as 'fake news'".

Alguns minutos depois, Trump disse que estava "muito orgulhoso de ouvir o presidente usar o termo 'fake news'".

Em entrevista à Fox News na segunda-feira à noite, Bolsonaro atacou a mídia noticiosa, como Trump costuma fazer, pelo que, segundo ele, são versões imprecisas de suas antigas declarações sobre raça e mulheres, incluindo de ter dito a certa altura "sim, sou homofóbico e me orgulho muito disso".

"Se eu fosse tudo isso, não teria sido eleito presidente", disse Bolsonaro a Shannon Bream, da Fox. "Então há muita fake news certamente circulando. A população brasileira afinal aprendeu a usar as redes sociais. E não confia mais ou acredita na mídia da corrente dominante no Brasil, que é virtualmente dominada pela esquerda."

Bolsonaro insistiu que "não tenho nada contra homossexuais ou mulheres. Não sou um xenófobo".

Com Bolsonaro a seu lado na Casa Branca, Trump atacou empresas de redes sociais como Twitter e Facebook, acusando-as de "conspirar" com seus críticos e discriminar os conservadores e os republicanos. Reagindo a um processo legal aberto contra as empresas de rede social pelo deputado republicano Devin Nunes, da Califórnia, um de seus apoiadores, Trump sugeriu que está preparado para reagir ao que chamou de práticas "injustas" das empresas.

"Bem, temos de fazer alguma coisa, eu lhe digo", disse Trump.

"Se eles estão em um certo grupo, há discriminação, e grande discriminação", disse ele. "Eu vejo isso totalmente no Twitter e no Facebook." Trump também criticou as redes de televisão. "É incrível que podemos ganhar uma eleição e ter uma reação tão adversa, e isso inclui as redes."

Trump e Bolsonaro disseram que conversaram sobre o futuro da Venezuela, e Trump elogiou seu colega pela ajuda humanitária do Brasil ao país e o apoio a Juan Guaidó, o autodeclarado presidente interino.

Respondendo à pergunta de por que as sanções dos Estados Unidos até agora não conseguiram forçar a saída de Nicolás Maduro, o líder socialista da Venezuela, Trump disse que os Estados Unidos ainda não impuseram as sanções mais duras possíveis.

"Nós realmente ainda não fizemos as sanções realmente duras", disse o presidente americano. "Podemos fazer as sanções duras, e todas as opções estão abertas. Podemos ficar muito mais duros se precisarmos."

Mais cedo, o Departamento do Tesouro impôs uma nova rodada de sanções contra a mineradora de ouro estatal venezuelana Minerven e seu presidente, Adrian Antonio Perdomo Mata, como parte do esforço para aumentar a pressão contra Maduro. Ele acusou a Minerven de apoiar Maduro com "operações ilícitas de ouro", incluindo o pagamento a garimpeiros por ouro com "bolívares quase sem valor" para sustentar os militares.

"O regime ilegítimo de Maduro está saqueando a riqueza da Venezuela enquanto põe em perigo povos indígenas, ao invadir áreas protegidas e causar desmatamento e perda de hábitats", disse o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin.

Aparecendo com Bolsonaro no Salão Oval antes de sua reunião, Trump disse que sabia "exatamente" o que quer que aconteça na Venezuela, mas não quis dizer o que era. Ele afirmou que todas as opções continuam sobre a mesa, incluindo o uso de militares.

Perguntado sobre a possibilidade de unir-se aos Estados Unidos em uma potencial ação militar contra a Venezuela, Bolsonaro não quis responder, dizendo que "essas questões reservadas, que podem ser discutidas, se ainda não foram, não serão divulgadas ao público".

A visita de Bolsonaro a Washington recebeu comentários mistos em seu país. Muitos brasileiros ficaram indignados ao ouvi-lo elogiar o plano do governo Trump de construir um muro na fronteira mexicana e dizer que a maioria dos migrantes que vão para os Estados Unidos não têm "boas intenções".

O site humorístico Sensacionalista zombou de Bolsonaro pelas concessões anunciadas na viagem: eliminar a exigência de vistos para cidadãos americanos que visitam o Brasil e permitir que empresas dos Estados Unidos lancem satélites comerciais de uma base próxima do equador.

"Em troca pelo uso de nossa base e da isenção de vistos para americanos, o presidente voltará para casa com um boné de beisebol escrito Trump", disse o artigo. "Na verdade, é um local incrível quando você o estuda, e quando você o vê", disse Trump na terça-feira, referindo-se ao acordo que Bolsonaro anunciou para o lançamento da base de Alcântara, no Maranhão. "Não vamos entrar nisso agora, mas por causa da localização quantias enormes de dinheiro serão economizadas. Para colocar simplesmente, os voos são muito mais curtos."

Especialistas brasileiros nos Estados Unidos disseram que a visita foi boa e provavelmente estabelecerá as bases para uma cooperação mais estreita entre as duas maiores economias das Américas.

"Podemos apontar a remoção de restrições de vistos pelo Brasil a cidadãos americanos como um sinal de que o Brasil está trabalhando para reduzir as barreiras ao envolvimento", disse Roberta Braga, diretora-associada do Centro Adrienne Arsht para a América Latina do Conselho Atlântico.