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Por que carros movidos a gasolina e diesel têm dias contados em países europeus e vários emergentes

Marcos Bezerra/Futura Press/Estadão Conteúdo
Imagem: Marcos Bezerra/Futura Press/Estadão Conteúdo

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

20/11/2017 10h56

Os carros a gasolina e diesel estão com os dias contados em vários países europeus e alguns grandes emergentes. Governos anunciaram planos de proibir a venda de automóveis movidos a combustíveis fósseis nos próximos anos como parte de esforços para conter a poluição.

A Índia fixou o objetivo de pôr fim à comercialização de veículos com motores a combustão em 2030 e prevê comercializar carros elétricos em grande escala.

A China, maior mercado automotivo mundial, causou surpresa recentemente ao anunciar que se prepara para proibir a venda de carros movidos a combustíveis fósseis. O calendário ainda será definido.

O país vem ampliando sua frota de carros elétricos e já se tornou, no ano passado, o maior mercado mundial desse setor, ultrapassando os Estados Unidos.

A China representou 40% das vendas globais de carros elétricos em 2016, que totalizaram mais de 750 mil unidades, de acordo com um estudo da Agência Internacional de Energia (AIE), com sede em Paris.

O governo brasileiro, por sua vez, está elaborando o Rota 2030, nova política industrial para o setor automotivo. Mas não deve haver, pelo menos na primeira fase, regras para estimular o desenvolvimento de carros elétricos e híbridos (com motor elétrico e outro a combustão) no país.

Entre as propostas discutidas para o novo programa está a de alíquotas menores do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros elétricos. No Brasil, não há carros de passeio a diesel, apenas veículos leves comerciais, caminhões e ônibus.

"Direção certa"

A França e o Reino Unido anunciaram o fim da venda de carros novos a diesel e gasolina até 2040. Na Áustria, isso poderá vigorar já em 2020. Na Noruega, o prazo previsto é 2025, e na Holanda, 2030.

A Alemanha deverá seguir o exemplo, afirmou a chanceler Angela Merkel, sem fixar, no entanto, uma data. O assunto teve destaque na última campanha eleitoral, em setembro.

A iniciativa, segundo Merkel, "vai na direção certa", embora o governo alemão tenha decidido manter, diferentemente de outros países europeus, as vantagens fiscais para os carros a diesel porque eles emitem menos CO2, diz a chanceler.

O setor automotivo alemão emprega 800 mil pessoas e é um dos maiores exportadores do país.

Foi justamente uma montadora alemã, a Volkswagen, que causou o escândalo do "dieselgate", em 2015. A empresa reconheceu ter fraudado em grande escala o nível de emissões de poluentes de seus motores. O caso continua afetando as vendas mundiais de automóveis desse tipo.

Segundo um estudo do banco suíço UBS, os carros novos a diesel poderão praticamente desaparecer do mercado já em 2025. Sua participação no mercado mundial deverá ser de apenas 4% em 2025, contra 13,5% atualmente, diz o relatório.

Na Europa, a queda deverá ser bem mais brutal: a fatia de mercado dos carros a diesel, de 50% hoje, será de apenas 10% em 2025, segundo o UBS.

O documento aponta vários fatores para a derrocada dos automóveis a diesel. Além do "dieselgate" --que abalou a confiança dos consumidores--, regulamentações cada vez mais rigorosas em termos de emissões de poluentes tendem a encarecer os modelos e torná-los menos atraentes.

Alguns carros populares já nem são mais fabricados na versão com motor a diesel.

A montadora sueca Volvo anunciou que fabricará, a partir de 2019, apenas carros elétricos ou híbridos (o motor a combustão que complementa e eventualmente alimenta o elétrico é geralmente a gasolina).

Para o banco suíço, as vendas de automóveis elétricos e híbridos crescerão, o que contribuirá para baixar os preços.

Países europeus dão incentivos fiscais para a compra de carros elétricos.

Foi-se o tempo em que governos europeus exaltavam as vantagens dos carros a diesel, como o menor consumo de combustível e emissões de CO2 mais baixas do que os movidos a gasolina.

A política de favorecer o diesel, com uma série de incentivos fiscais, começou a ser adotada no início dos anos 1980, após um novo choque nos preços do petróleo.

"Privilegiar os motores a diesel por tanto tempo foi um erro", disse o ex-primeiro-ministro francês Manuel Valls. Na França, chamada por alguns de "pátria do diesel", dois terços da frota de carros particulares são movidos a esse combustível. Há uma década, era de quase 80%.

Restrições de circulação

Hoje, os veículos a diesel passaram a ser apontados como um dos grandes vilões da poluição do ar nas cidades, em razão das emissões de dióxido de azoto e de partículas finas.

Paris, Madri, Atenas e Cidade do México decidiram banir totalmente a circulação dos carros a diesel até 2025.

A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, quer proibir também a circulação de veículos a gasolina na cidade em 2030.

Carros a diesel e modelos a gasolina mais antigos vêm sofrendo cada vez mais restrições de circulação em países europeus.

Cerca de 200 cidades do continente, de uma dezena de países, criaram áreas onde apenas veículos considerados pouco poluentes podem ter acesso. São as chamadas "zonas de baixa emissão".

São vários os sistemas utilizados para limitar a circulação de carros poluentes em áreas centrais: selos em função do ano de fabricação, pedágios, como em Londres e Estocolmo, e rodízios.

Na zona central de Londres, os motoristas de carros a diesel terão de pagar uma taxa extra para estacionar.

A Prefeitura de Paris, que criou um sistema público de aluguel de carros elétricos, praticamente declarou guerra aos motoristas nos últimos anos. Mas apesar de inúmeras medidas, como transformação de vias em áreas pedestres e expansão de ciclovias, a capital continua ultrapassando os limites de poluição exigidos por normas europeias.

Viabilidade

Os planos de acabar com a produção de automóveis a diesel e gasolina em alguns países da Europa lançaram questionamentos sobre a viabilidade da substituição dessas frotas pela de carros elétricos.

As baterias ainda não têm autonomia suficiente para distâncias mais longas, o tempo para carregá-las é longo e em boa parte dos países faltam pontos de recarga.

O desenvolvimento dos carros elétricos é totalmente dependente do apoio público, tanto para sua comercialização quanto para a criação de infraestruturas, pelo setor privado, para carregar os veículos.

Além disso, a energia necessária para "abastecer" os carros também pode representar um problema. Especialistas afirmam que na França seria necessário construir uma central nuclear para alimentar uma frota nacional de carros elétricos.

Na China, causa grande preocupação entre ambientalistas o fato de grande parte da energia elétrica local ser produzida por usinas térmicas a carvão.

Outros apontam também para o elevado nível de emissões de CO2 na fabricação das baterias.

A frota mundial de carros elétricos totalizou no ano passado 2 milhões de automóveis, o que representa apenas 0,2% do total de veículos leves para passageiros em circulação no mundo, segundo a Agência Internacional de Energia. Em 2015, o número era de cerca de 1,3 milhão.

No Brasil, esse mercado é ainda mais incipiente. De 2012 a outubro deste ano, foram emplacados no país somente 6,1 mil carros elétricos e híbridos, segundo dados da Anfavea, que reúne as montadoras. Os compradores são empresas e táxis.

Mas se forem considerados apenas os veículos 100% elétricos (que não têm motor a combustão), o número cai para somente cerca de 600 no Brasil.

Várias empresas aguardam as decisões do governo em relação ao Rota 2030 para definir estratégias na área de carros elétricos.

Etanol

O novo regime automotivo deveria entrar em vigor em janeiro de 2018, mas as discussões estão bloqueadas por divergências entre setores do governo e pelo temor de que as futuras regras possam ser contestadas na Organização Mundial do Comércio, como ocorreu com o programa anterior, o Inovar-Auto, que expira no fim de dezembro.

Para o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade, o etanol --feito de cana de açúcar e apresentado, em um primeiro momento, como ecologicamente correto e sustentável-- e as tecnologias em torno dele não devem ser abandonadas.

"Temos uma tecnologia de ponta consolidada e a oportunidade de influenciar todo o futuro da indústria automotiva a partir dela", afirma Andrade.

A japonesa Nissan está fazendo testes no Brasil usando etanol como energia para alimentar baterias dos carros elétricos híbridos. A previsão da montadora é que a tecnologia esteja disponível em 2020.

Ecologistas apontam para a vantagem do etanol ser menos poluente do que a gasolina, mas ressaltam preocupações em relação à degradação ambiental causada pelo uso de fertilizantes e queima de plantios (prática sazonal) têm alertado sobre o desmatamento provocado pela expansão do plantio.