Favorito de Bolsonaro ao STF, Kassio Nunes tem decisões contra indígenas e pró-agronegócio
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Kassio Nunes Marques despontou como favorito a ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo presidente Jair Bolsonaro, na vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello em 13 de outubro.
Embora a indicação ainda não tenha sido oficializada, o colunista do jornal O Globo Lauro Jardim revelou que o desembargador esteve na terça-feira (29/09) com o presidente no Palácio do Planalto, onde teria recebido o convite.
Segundo a colunista do jornal Folha de S.Paulo Monica Bergamo, Bolsonaro depois levou Nunes à casa do ministro do STF Gilmar Mendes, onde também estavam outro ministro da Corte, Dias Toffoli, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Nunes não estava entre os nomes inicialmente cotados para a indicação, como os integrantes do governo Jorge Oliveira (ministro-chefe da Secretaria Geral e amigo de longa data de Bolsonaro) e André Mendonça (ministro da Justiça e Segurança Pública).
A indicação do desembargador, cuja nomeação ao Supremo ainda precisaria ser aprovada pelo Senado, tem o apoio de importantes parlamentares do Centrão, grupo político que reúne diversos partidos e passou a apoiar o governo há alguns meses. Um deles é o senador Ciro Nogueira (PP), que, assim como Nunes, é do Piauí.
Uma análise da BBC News Brasil de decisões proferidas pelo desembargador indica que ele se aproxima do governo Bolsonaro ao julgar questões indígenas, ambientais e de interesse do setor agropecuário.
Em setembro de 2019, por exemplo, uma decisão liminar sua reverteu a determinação de um juiz de primeira instância para que fossem retirados 2,5 mil moradores não indígenas da Terra Indígena Jarudore, território dos índios Bororo, em Poxoréu (MT).
A decisão atendeu a um recurso da prefeitura da cidade argumentando que a desocupação provocaria "vultosos prejuízos" à ordem, à segurança e à economia da cidade.
Já o Ministério Público, favorável à retirada, argumentou na ação que, durante décadas, os Bororo foram "expulsos de suas terras por atos sucessivos do Estado de Mato Grosso" e "abandonados pelo Poder Público Federal que pouco ou nada fez para proteger e resguardar o seu território tradicional", o que favoreceu a entrada da "fazendeiros, grileiros e garimpeiros".
Na liminar, o desembargador considerou que "as consequências da desocupação compulsória de mais de duas mil pessoas identificadas como 'não índios' são substancialmente mais nocivas do que aquelas decorrentes da manutenção de uma situação que já dura pelo menos 55 (cinquenta e cinco) anos e que, a teor do quanto consignado na sentença, abarca apenas duas aldeias de índios (cujo número exato de membros sequer foi mencionado) aos quais será destinada uma área equivalente àquela do Distrito Federal".
Nunes questionou também o "direito natural" dos indígenas ao território. "No decorrer da longa tramitação da ação (protocolada no ano de 2006), o documento principal que embasa a alegação autoral é o laudo antropológico o qual parte da premissa de que as terras analisadas têm como origem ocupações imemoriais dos povos indígenas. Essa premissa, todavia, equivale a aceitar a existência de uma espécie de Direito Natural que se sobrepõe a todo o ordenamento jurídico, inclusive sobre a própria Constituição."
Nunes derrubou proibição de agrotóxico
Já em setembro de 2018, o desembargador derrubou outra decisão da primeira instância que suspendia o registro no Brasil de defensivos agrícolas à base de glifosato, devido à suspeita de que a substância o agrotóxico mais vendido no mundo seria cancerígena.
A decisão foi antecipadamente comemorada no final de agosto pelo então ministro da Agricultura, Blairo Maggi, indicando uma possível informação privilegiada sobre os rumos do processo.
"Notícia Boa! Acaba de ser cassada a liminar que proibia o uso do glifosato no Brasil", postou nas redes. No dia seguinte, ele reconheceu que a decisão ainda não estava pronta e se desculpou.
Decisão favoreceu interesse de governo Dilma por hidrelétrica
Hoje com 48 anos, Nunes entrou no TRF-1 em 2011, em um das vagas destinadas à advocacia na Corte. Ele foi nomeado como desembargador pela então presidente Dilma Rousseff (PT), a partir de uma lista tríplice formada pelo próprio tribunal depois de o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) eleger seis candidatos.
Em 2014, ainda no governo petista, Nunes tomou outra decisão desfavorável a povos indígenas, atendendo a um recurso da Fundação Nacional do Índio (Funai) contra a determinação da Justiça Federal de Itaituba (PA) para acelerar o processo de demarcação do território Sawré Muybu, ocupado pelo povo Munduruku, no Pará.
Segundo o Ministério Público, os estudos de identificação e delimitação necessários para demarcação estavam prontos desde 2013 mas não eram publicados porque o reconhecimento do território impediria o desenvolvimento da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, de interesse do governo Dilma.
Em setembro de 2014, a então presidente da Funai, Maria Augusta Assirati, chegou a reconhecer isso publicamente em reunião gravada com representantes Munduruku .
Embora o MPF argumentasse que a demora da demarcação agravava conflitos provocados por invasores madeireiros e garimpeiros, o desembargador considerou que exigir que a Funai acelerasse o processo de reconhecimento do território indígena também poderia ter efeito negativo.
"Nesse sentido, se os problemas de conflitos narrados na peça vestibular são decorrentes da incerteza provocada pela inexistência da demarcação, por outro lado, a indicação da delimitação, de forma açodada, sem que carreada da estrutura necessária para a garantia imediata destes limites, o que exige orçamento para pagamento de indenizações, desapropriação para assentamos e uma série de providências que seriam exigidas imediatamente após a divulgação da delimitação, pode provocar maiores conflitos na região", escreveu Nunes, ao decidir o caso.
Com a crise econômica e o impeachment de Dilma, o projeto da hidrelétrica não avançou. O território Sawré Muybu até hoje não foi demarcado.
Posição ambígua sobre prisão após condenação em segunda instância
Como o novo presidente do STF, ministro Luiz Fux, indicou a intenção de pautar para julgamento novamente a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, a indicação de Bolsonaro poderá ser determinante para mudar o resultado do julgamento que em 2019 proibiu o cumprimento antecipado da pena ? salvo no caso de prisão por medida cautelar, ou seja, quando há indícios de que o réu pode fugir ou está atuando para atrapalhar as investigações.
O julgamento do ano passado teve placar apertado, de 6 a 5, com voto de Celso de Mello a favor da prisão apenas após o esgotamento de todos os recursos do réu. Essa decisão mudou entendimento anterior do STF, que havia possibilitado a prisão antes do fim do processo.
Em 2018, quanto a prisão antecipada estava autorizada, Nunes se mostrou favorável à possibilidade de cumprimento da pena após condenação em segunda instância, mas disse que isso não deveria ser automático, precisando ser fundamentado pelo juiz.
"O que o Supremo disse, na minha interpretação, foi o que você asseverou na sua pergunta. É possível? Sim! Não é necessário aguardar o trânsito em julgado para a decretação da prisão. Ao meu sentir, o Supremo autorizou que os tribunais assim procedam, mas não os compeliu a assim proceder", disse, ao ser questionado sobre o tema em entrevista ao portal especializado em questões jurídicas Conjur.
"O recolhimento ao cárcere não é um consectário lógico que prescinda de decisão fundamentada e análise das circunstâncias de cada caso. Há a necessidade de a ordem ser, além de expressa, fundamentada. Diante das circunstâncias do caso concreto, os julgadores podem adotar ou não a medida constritiva de liberdade. Podem entender que não seria o caso de recolhimento em um determinado caso, mas não de forma discricionária, e muito menos automática e jamais não revestida da devida fundamentação", acrescentou o desembargador, na ocasião.
Para o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, o perfil de Nunes para julgar questões penais não está claro.
"Gosto do Kassio, acho uma pessoa correta, trabalhador, discreto. É um juiz com perfil humanista, eu diria. Não foi muito testado (julgou poucos processos) na área criminal para dizer se é um juiz garantista, mas é um juiz que eu respeito e que tem uma boa e sólida formação jurídica", disse Kakay à BBC News Brasil.
Apoio do Centrão e aceno ao Nordeste
Caso a indicação de Nunes seja confirmada pelo Senado, ele será o único ministro do Nordeste na atual composição da Corte, ficando a região Norte como única sem ter qualquer integrante no STF.
Sua possível indicação foi comemorada pelo presidente do PP e senador pelo Piauí, Ciro Nogueira, um dos principais líderes do Centrão e contra quem há denúncia da Procuradoria-Geral da República por corrupção aguardando análise do STF.
"Todos nós do Piauí estamos na torcida para que se concretize a indicação do Dr. Kassio Nunes como novo ministro do Supremo Tribunal Federal, que seria o primeiro piauiense em mais de 50 anos no STF", postou Nogueira no Twitter.
"Sem dúvida, a escolha do presidente Jair Bolsonaro seria um gesto de reconhecimento da capacidade do povo do Piauí e de todo o Nordeste", reforçou o senador.
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