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Mundurucus enfrentam a derrota junto ao governo, mas não desistem

"Só saio daqui morto", diz o cacique mundurucu Juarez Saw - Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública
"Só saio daqui morto", diz o cacique mundurucu Juarez Saw Imagem: Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública

Ana Aranha e Jessica Mota

Da Agência Pública, no Pará

12/12/2014 06h00

Com uma organização política peculiar, os mundurucus cultivam o debate e nomeiam líderes para representá-los perante os pariwat (não-índios). Roseninho foi escolhido para ser porta-voz da Sawré Muybu e coordenador da associação Pahyhyp, que representa os indígenas do curso médio do Tapajós. Mas ele não pode tomar decisões sozinho. As palavras em português ditas em público são discutidas antes em Munduruku. A cada novidade, ele volta para a aldeia e ouve o grupo durante longas reuniões nas quais todos podem participar, até as crianças. A tradição política antecede a chegada das usinas. Ao menos uma vez ao ano, os mundurucus fazem uma assembleia geral que dura três dias e pode varar a madrugada.

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Roseninho diz que não gosta da responsabilidade de representar o grupo fora da aldeia: é ele quem mais sente os golpes da guerra judicial. Foi o que aconteceu no início de novembro, em uma reunião com o procurador federal Luís de Camões Lima Boaventura. O procurador é uma das mais fortes vozes de defesa dos mundurucus na justiça, já foi até condecorado guerreiro em um ritual. Mas, naquele dia, ele tinha uma notícia difícil para dar.

Depois de conseguir uma ordem da justiça federal para que a Funai publicasse o relatório da Sawré Muybu, ele soube que a Advocacia Geral da União havia derrubado essa decisão em Brasília. Ou seja, a Funai seguiria livre para sentar em cima da demarcação.

A notícia foi transmitida em tom grave pelo procurador, enquanto Roseninho e outros líderes ficaram atônitos. Por longos minutos, os mundurucus não esboçaram uma reação. Camões tentou quebrar o clima: “você não vai perder a voz agora, vai?” Mas o porta-voz só conseguiu verbalizar o silêncio: “eu não tenho palavras”.

No dia seguinte, Roseninho desembarcou abatido no porto de Itaituba, cidade mais próxima à aldeia. Ele falou entre lágrimas, em um raro desabafo: “Como que eu vou levar essa derrota para o meu povo? Como eu vou contar isso para o cacique?”. Cansado da ingrata comunicação entre índios e não-índios, ele conhece bem os limites dessa conversa, e nos deu um alerta: “O que vocês querem perguntar? Vocês querem saber a história mundurucu? Eu posso contar: o cachorro é o homem, a mulher é o peixe. Me diz como vocês vão entender isso? Por isso que eu digo: vocês nunca vão saber.”