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O governo está vindo guerrear com os mundurucus

Pintada na aldeia, a placa da autodemarcação evoca o passado guerreiro dos mundurucus - Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública
Pintada na aldeia, a placa da autodemarcação evoca o passado guerreiro dos mundurucus Imagem: Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública

Ana Aranha e Jessica Mota

Da Agência Pública, no Pará

12/12/2014 06h00

Na história recente de tensões entre guerreiros mundurucus e forças armadas do estado brasileiro, os eventos mais violentos partiram não dos indígenas, mas do Pará.

As aldeias do Teles Pires se engajaram ainda mais na resistência às usinas depois de uma trágica operação da Polícia Federal. Em novembro de 2012, Adenilson Kirixi Munduruku foi morto com um tiro na nuca que saiu da arma do delegado Antonio Carlos Moriel Sanches. Segundo denúncia do Ministério Público Federal, os mundurucus discutiam com o delegado para que ele não destruísse uma balsa de garimpo quando um indígena teria empurrado o seu braço. O delegado teria caído no rio e, então, disparado primeiro nas pernas e depois na nuca de Adenilson. O MPF denunciou o delegado por homicídio, mas ele foi absolvido.

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“Ali foi o sinal: o governo tá vindo guerrear com os mundurucus”, diz Maria Leusa Cosme Kaba Munduruku, representante das mulheres no movimento Iperêg Ayû. Ela ficou assustada com o modo como a polícia reagiu depois dos primeiros disparos. Segundo a procuradora federal Janaína Andrade, os policiais foram agressivos ao imobilizar mulheres e idosos, gerando lesões graves. “Um senhor teve até fratura. No final, eles recolheram as cápsulas e levaram 17 indígenas presos, inclusive crianças”, afirma a procuradora. Em vídeos gravados pelos mundurucus, é possível ver a polícia disparando dentro da aldeia, em local cercado por mulheres e crianças. No dia seguinte, os indígenas também registraram o momento em que a aldeia chora ao encontrar o corpo de Adenilson.

Menos de um ano depois, os mundurucus tiveram outro encontro traumático com a polícia. Em março de 2013, os indígenas da Sawré Muybu encontraram biólogos fazendo o estudo de impacto ambiental para São Luiz do Tapajós dentro da terra indígena. Como não tinham sido consultados ou sequer informados sobre a entrada da equipe, os mundurucus expulsaram o grupo. A reação do governo foi desproporcional: “A polícia baixou aqui com helicóptero, dois barcos grandes e quarenta motores de popa [barcos menores]”, diz o cacique Juarez.

Segundo nota do Palácio do Planalto, a frota da Força Nacional de Segurança fora enviada para “garantir o apoio logístico e a segurança” dos pesquisadores.

A Expedição Tapajós, como o governo batizou a operação policial, durou um mês. Os jovens ainda lembram do barulho do helicóptero sobrevoando a aldeia. Os pais, assustados, trancaram as crianças em casa. As atividades de caça tiveram de ser suspensas. Pescar, só nas margens da aldeia. “Parecia que eles estavam esperando a gente fazer algo errado pra atacar. Lembrava muito o que aconteceu no Teles Pires, resolvemos ficar quietos”, lembra o cacique Juarez.  “Era como estar preso na aldeia”.

Ao receber as evidências de que os mundurucus estavam sofrendo intimidação militar dentro de sua terra, a justiça federal suspendeu o licenciamento da usina. A decisão, publicada em abril de 2013, foi em resposta a uma ação do Ministério Público Federal que tramitava desde setembro de 2012. O MPF já havia pedido a interrupção dos trabalhos por duas falhas no processo de licenciamento: a ausência de consulta prévia aos indígenas e ribeirinhos e a ausência da Avaliação Ambiental Integrada, estudo que mede os impactos do conjunto de usinas na região.

Dez dias depois, a liminar foi derrubada e a Expedição Tapajós seguiu seu curso. Para isso, o governo ativou o mecanismo da Suspensão de Segurança, o mesmo que garantiu o avanço de Belo Monte. Atropelando o trâmite normal da justiça, esse mecanismo aciona diretamente o Supremo Tribunal de Justiça com o argumento de que a paralisação da usina gera “grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia públicas”.