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Não abriremos mão de construir Tapajós, diz governo a índios mundurucus

Jovens e crianças mundurucus ficam ansiosos para participar dos rituais de canto e dança. Entre eles só falam a língua nativa - Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública
Jovens e crianças mundurucus ficam ansiosos para participar dos rituais de canto e dança. Entre eles só falam a língua nativa Imagem: Marcio Isensee e Sá/ Agência Pública

Ana Aranha e Jessica Mota

Da Agência Pública, no Pará

12/12/2014 06h00

Mesmo permitindo a continuidade do licenciamento, o STJ manteve a exigência da consulta prévia. O argumento se baseia na Convenção 169 da OIT (Organização internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, e que estabelece o direito das comunidades tradicionais em serem ouvidas. Apesar da obrigatoriedade em ouvi-los, não ficou claro o quanto a fala dos mundurucus e ribeirinhos será levada em conta dentro do licenciamento. Em tese, nessa fase o empreendimento deve ser escrutinado e, no caso de impactos mais graves, reelaborado. Em tese, o Ibama pode até decidir pela inviabilidade da obra.

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Mas o Ministério de Minas e Energia já sinalizou que a prática é outra. Em setembro desse ano, o órgão anunciou a data para o leilão da usina de São Luiz do Tapajós antes mesmo que a Funai desse seu parecer sobre o Estudo do Componente Indígena -- o levantamento dos impactos para essas populações. O parecer do órgão indigenista é parte imprescindível do processo anterior ao leilão.

“Como podem antecipar esse passo? Estaria o governo prevendo que o Ibama dará ok ao empreendimento antes de sequer verificar os estudos?”, questiona o procurador Boaventura. “Parece que, para o governo, a licença ambiental é só uma etapa a ser vencida”. Depois que essa distorção foi denunciado pelo jornal O Globo, o leilão foi suspenso.

Por dez dias a reportagem de Pública tentou contato com os órgãos ligados ao governo e usina. O Ibama, a Aneel e o Grupo de Estudos disseram que não falam sobre licenciamentos em andamento. A Funai e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) alegaram falta de agenda. A Secretaria-Geral da Presidência não atendeu as solicitações da reportagem.

Na segunda semana de novembro, enquanto os mundurucus se preparavam para as primeiras reuniões da consulta, levaram um balde de água fria do ministro Gilberto Carvalho, chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Em entrevista à BBC, Carvalho declarou que nada do que os indígenas digam vai impedir a construção da usina: “A consulta não é deliberativa. Ela deve ser feita para atender demandas, diminuir impactos. Mas não abriremos mão de construir [a usina do] Tapajós”.

A entrevista foi traduzida para o Munduruku durante reunião na aldeia Sawré Muybu, aquela que a usina vai alagar. Foi um dos poucos momentos em que conseguimos entender o que era dito, já que as palavras “ministro” e “diabo” aparentemente não têm tradução para o Munduruku.

Uma semana depois, quarenta homens e mulheres mundurucus marchavam em silêncio rumo à Funai de Itaituba. A três quarteirões do escritório, um guerreiro fez um sinal com o braço, ao que todos tiraram a camisa. Os traços do jabuti tinham sido reforçados, e agora davam a volta completa ao redor dos troncos e braços.

O grupo entrou na Funai e confiscou as chaves das portas e dos carros, exigindo a publicação do relatório de demarcação. “Queremos que Brasília demarque logo nossa terra, nós sabemos cuidar dela melhor que o Ibama ou ICMBio”, disse o cacique Juarez em referência aos encontros com madeireiros e garimpeiros. Depois de sete horas de negociação, tudo o que conseguiram foi uma agenda de reunião com o novo presidente interino da Funai, Flávio Chiarelli Azevedo, para dali a oito dias. “Para ouvir as mesmas coisas de sempre?”, questionou Juarez. “Não vamos”. O grupo logo percebeu que o governo não estava muito preocupado com a ocupação da Funai de Itaituba e decidiu retornar à aldeia.

Apesar dos riscos de confronto, eles voltaram à autodemarcação. A etapa final será expulsar os madeireiros e garimpeiros, o que já foi feito por aldeias do rio das Tropas. Sem as respostas que precisam do estado, os mundurucus concluem que resta a eles defender seu território. Seja qual for o invasor.