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Poluição aumenta risco de morte por câncer de mama e do sistema digestivo

Poluição atmosférica aumenta chance de morte por câncer; na foto, Hong Kong - AFP
Poluição atmosférica aumenta chance de morte por câncer; na foto, Hong Kong Imagem: AFP

Paula Moura

Colaboração para o UOL

29/04/2016 06h00Atualizada em 29/04/2016 18h42

A cada 10 microgramas de poluição por material particulado fino no ar, o risco de morte por câncer aumenta em 22%, revela estudo feito em Hong Kong divulgado nesta sexta-feira (29) na revista Cancer Epidemiology, Biomarkers & Prevention. O aumento no risco de morte por câncer de mama em mulheres é ainda mais grave: 80%.

Outra parte do corpo bastante afetada pela poluição é o aparelho digestivo. O crescimento registrado foi de 42% para o risco de morte por câncer no trato digestivo superior e de 35% para órgãos do sistema digestivo, como fígado, vesícula biliar e pâncreas. Nos homens, o risco de morrer por câncer de pulmão é 36% maior.

“Junto com outros estudos, ajuda a corroborar a tese de que a poluição do ar é um fator de causa do câncer não somente de pulmão”, diz Paulo Saldiva, médico especialista em poluição e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo).

“Mas não é definitivo, pois esses estudos precisam ser realizados em várias cidades do mundo ou em várias cidades em um país. Ele confirma a poluição como hipótese causadora, mas ainda não há um consenso para órgãos que não sejam o pulmão”. Há estudos preliminares que também associam a poluição ao câncer de bexiga, explica.

Brasil x Hong Kong

A média anual de partículas no ar em Hong Kong é de 55 microgramas, segundo estudo realizado em 2013 pela Universidade Xi’an Jiaotong. No Brasil, a medição das partículas começou a ser realizada nos últimos anos e não abrange todas as cidades. Em São Paulo, a média é de 25 a 30 microgramas, aponta Saldiva. No Rio de Janeiro, em 2013 a média anual foi de 20,5 microgramas, de acordo com o Instituto de Saúde e Sustentabilidade. O recomendado pela Organização Mundial de Saúde é 10 microgramas.

O foco dos estudos brasileiros na maior parte das vezes é o material particular de tamanho 10 micrômetros, relata Laís Fajersztajn, doutoranda da Faculdade de Medicina da USP e autora de estudo sobre a poluição no mundo. Isso, segundo ela, provavelmente acontece pelo monitoramento ainda restrito do material particulado fino no país. A pesquisa inglesa trabalhou com partículas de 2,5 micrômetros. 

“No Brasil, ainda se mede mais o material particular de tamanho 10, que é maior e, por isso, pode ser filtrado pelas narinas e outros mecanismos naturais de defesa”, diz. “Quanto menor a partícula, ela consegue penetrar mais profundamente no sistema respiratório e é mais prejudicial para a saúde”, salienta.

Mais de 66 mil pessoas acompanhadas na pesquisa

G. Neil Thomas, epidemiologista da Universidade de Birmighan, e seus colegas conduziram a pesquisa com 66.280 pessoas que tinham 65 anos ao serem recrutadas entre 1998 e 2001. Os pesquisadores não tiveram acesso a dados sobre se essas pessoas tiveram câncer antes do programa. As pessoas foram analisadas até 2011, e as causas de mortes foram confirmadas por registros locais.

A concentração anual de material particulado fino (MP) no ambiente --ou matéria com diâmetro aerodinâmico de menos de 2,5 micrômetros-- na casa das pessoas foram estimadas usando dados de satélite e monitores fixos locais. Os pesquisadores levaram em conta o uso de tabaco pelas pessoas observadas e também excluíram mortes que ocorreram em três anos de controle para doenças que também podem provocar câncer.

Entre as possíveis explicações para a associação entre MP 2,5 e o câncer estão os defeitos na reparação do DNA, alterações na resposta imunológica do corpo ou inflamação que desencadeia angiogênese - o crescimento de veias que permitem que os tumores se espalhem. No caso do sistema digestivo, a poluição por metais pesados pode afetar a microbioma das mucosas do intestino e influenciar o desenvolvimento do câncer.

“As implicações para outras cidades do mundo é que o nível de matéria fina de 2,5 deve ser reduzido o mais rápido possível”, disse Thomas. “A poluição do ar continua certamente sendo uma preocupação de saúde pública que é possível de ser modificada”.

Poluição - Luiz Guarnieri/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo - Luiz Guarnieri/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo
Densa camada de poluição encobre prédios da região central de São Paulo; foto de julho de 2015
Imagem: Luiz Guarnieri/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

De onde vêm as partículas finas no Brasil?

A principal fonte urbana de partículas finas são os veículos, metade delas vem dos que usam diesel. “10% da frota é abastecida com diesel e contribui com metade da poluição por partículas finas”, aponta Saldiva. Outras fontes são partículas do solo em suspensão e o atrito da freada de veículos próximo a faróis e lombadas.

Júlio Chiquetto, doutorando em geografia física da Universidade de São Paulo, que estuda a relação entre uso e ocupação do solo e poluição do ar, aponta que além das partículas emitidas por veículos, algumas cidades apresentam outros tipos de fontes deste tipo de poluente.

Belo Horizonte, por exemplo, tem o acréscimo de material particulado fino proveniente da mineração, enquanto Curitiba tem das indústrias de construção. Em locais que utilizam a energia térmica, a emissão por indústrias é mais significativa do que em locais com indústrias alimentadas pela fonte hidrelétrica.

De acordo com Saldiva, menos de 3% das cidades brasileiras tem algum tipo de medida de poluição, nem mesmo Brasília realiza essa medição.

Outros fatores de risco

Não se pode esquecer outros fatores de risco para o câncer, como herança genética, ressalta Saldiva. Hábitos como dieta também influenciam assim como os locais frequentados. “Um taxista em São Paulo está exposto a uma média de mais de o dobro do que a população geral. Então ele tem em torno de 60 microgramas de exposição”, diz Saldiva. Pessoas que passam muito tempo no deslocamento para o trabalho também são mais afetadas pela poluição.

O médico lembra que dentro de cada cidade existe uma enorme variação, dependendo do local de moradia, da proximidade de indústrias ou rodovias e vias de auto-tráfico e também dos hábitos pessoais. “A dieta tem papel importante em relação ao trato digestivo, assim como a obesidade e a história familiar de câncer de mama tem grande papel em câncer de mama”, afirma.