Explosão do número de javalis atrai morcegos-vampiro e eleva risco de raiva
Da Agência Fapesp
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Alexine Keuroghlian
Foto flagra morcego-vampiro mordendo um javaporco selvagem
A quantidade de morcegos-vampiros, que transmitem raiva para humanos e outros animais, pode aumentar no Brasil e nas Américas por conta do crescimento desenfreado das populações de javali e javaporcos (cruzamento de javali com porco, também chamado de porco feral) no país.
Um estudo recente mostra que os morcegos hematófagos (Desmodus rotundus) passaram a se alimentar do sangue dos mamíferos, que viraram praga em algumas cidades e nas zonas rurais registraram aumento de 500% desde 2007.
A explosão da população de javalis e javaporcos fornece uma fonte crescente de sangue aos "vampiros", o que pode aumentar em muito a população desses morcegos, trazendo um risco potencial de aumento de transmissão de doenças infecciosas, como a raiva.
Segundo Ivan Sazima, professor do Museu de Zoologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e um dos participantes do estudo, além do vírus da raiva, o morcego-vampiro também reservatório de outros vírus com potencial epidemiológico, como o hantavírus e o coronavírus.
Como não são vacinados, por serem animais selvagens, os javalis viram grandes transmissores de doenças tanto aos humanos quanto a gado, antas, veados e capivaras.
"A distribuição natural do javali é na Europa e na Ásia, mas ele foi introduzido na Austrália, América do Sul e Estados Unidos. Javalis e outros porcos em estado asselvajado são considerados uma das piores espécies exóticas do mundo", destacam os pesquisadores. "Os morcegos-vampiros gostam muito do sangue dos porcos e passar do porco doméstico para o javali e o javaporco deve ter sido simples para um animal adaptável como o vampiro", completa Sazima.
A raiva humana, transmitida por mordida, lambida ou arranhão de animal infectado, é praticamente letal.
Até hoje, só duas pessoas sobreviveram a ela, uma nos Estados Unidos e outra em Pernambuco. As duas ficaram com sequelas. Em outubro de 2016, um agricultor morador da zona rural de Iracema, no Ceará, contraiu a doença após ser mordido por um morcego hematófago enquanto dormia. O Estado não registrava casos de raiva desde 2012.
Os javalis e javaporcos são animais sociais, que andam em bandos e são agressivos e muito perigosos.
A infestação do país pelo animal teve início em 1989, quando javalis ferais no Uruguai começaram a cruzar a fronteira com o Rio Grande do Sul do Brasil.
"Em meados dos anos 1990, houve no Sudeste um incentivo grande à produção de carne de javali. Os produtores importaram matrizes e formaram plantéis. Mas o negócio não se mostrou tão rentável e alguns produtores abandonaram o negócio, soltando os javalis", diz Felipe Pedrosa, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Rio Claro.
Na tentativa de salvar o negócio, os produtores começaram a cruzar os javalis com suínos domésticos, produzindo os javaporcos, que também foram liberados. Por conta disso, a infestação até então restrita ao Sul avançou pelo Sudeste até a Mata Atlântica, no Estado de São Paulo.
O estudo conclui que a invasão de javalis na Mata Atlântica e Pantanal representa uma séria ameaça e existe uma necessidade urgente de desenvolver e implementar medidas efetivas de controle.
Em poucos anos, eles estarão na Amazônia e na Caatinga
Mauro Galetti, do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro
"Na Europa e nos Estados Unidos o javali é a espécie de vertebrado que mais cresce em número. Somente em 2016, na fronteira da Dinamarca com a Alemanha, foram abatidos 14 mil desses porcos", diz Galetti.
Como o javali e o javaporco são considerados nocivos à fauna brasileira, em 2013 o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) liberou a caça ao animal em território nacional.