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Com hipóteses falhas, apuração sobre origem do óleo trava sem suspeitos

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

18/12/2019 18h56Atualizada em 18/12/2019 20h08

Resumo da notícia

  • Até agora, não se sabe origem do óleo que vaza no Nordeste
  • Hipóteses levantadas pelo governo foram refutadas
  • Navios ligados a Alemanha e Grécia, antes apontados como possíveis fontes, já foram descartados

Três meses e meio se passaram, e as investigações sobre qual seria a fonte de origem do óleo que contaminou praias do Nordeste e Sudeste não avançam. Ao contrário, as hipóteses levantadas até o momento por autoridades e especialistas que apuram o caso foram refutadas e não há novos suspeitos.

Até agora, 966 localidades de 129 municípios foram afetados por vestígios do óleo. Ao todo, mais de 5 mil toneladas de resíduos foram recolhidas nos litorais de 11 estados Nordeste e Sudeste —peso que inclui materiais como areia, lonas e outros utilizados para a coleta. Desde o dia 2 de setembro que autoridades atuam no caso.

Procurado pelo UOL na segunda-feira (16), o MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte informou que a Procuradoria e a PF (Polícia Federal) estão à espera das informações solicitadas em cooperação internacional para prosseguir com as investigações. Por ora, não há avanços ou fatos novos.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a falar em culpa da Venezuela, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cogitou ação de sabotagem de ONGs. Mas nenhuma dessas se mostrou plausível.

Suspeita sobre navio grego foi refutada

Na terça-feira (17), em depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Câmara, o coordenador-geral do Cenima (Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais) do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), Pedro Alberto Bignelli, refutou por completo a única suspeita levantada até então publicamente pela PF, de que o navio grego Bouboulina seria suspeito do vazamento.

A suspeita, inclusive, levou a uma operação de busca e apreensão no dia 1º de novembro em empresas ligadas à embarcação no Brasil.

Até o momento não há nenhuma evidência de que o material colhido indique o navio como fonte do óleo. A empresa dona da embarcação, a Delta Tankers, negou o vazamento e assegurou ter provas de que todo óleo trazido da Venezuela foi entregue no destino final.

O argumento que levou a suspeitar do navio grego foi um relatório produzido pela empresa Hex Tecnologias Geoespaciais, que apontou uma extensa mancha de óleo no oceano no dia 29 de julho, com fragmentos se movendo em direção à costa nordestina.

Dos quatro navios que passaram pelo local naquele momento, apenas o Bouboulina levava óleo.

Entretanto, segundo Bignelli, a mancha vista, na verdade, não era óleo, mas sim clorofila.

Além disso, ele diz que a Hex procurou o Ibama dois dias antes de ir à PF e teve a hipótese do Bouboulina refutada. "Vendo as imagens, não me senti confortável em assumir aquilo como um relatório verdadeiro", disse.

"Eles fizeram o relatório em seis dias com o trunfo na mão de terem descoberto, entre aspas, a origem. Quando eles nos demonstraram —estava eu e outra técnica—, havia imagens sem coordenadas, de coloração duvidosa. Eu em 25 anos de mestrado em sensoriamento remoto pelo INPE [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], nunca tinha visto daquela cor", alegou.

Navio ligado a empresa alemã também foi descartado

A hipótese de que o Bouboulina seria o responsável pelo vazamento do óleo já havia sido refutada não só pela empresa Delta Tankers, mas por outros especialistas.

Um deles foi o coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), Humberto Barbosa, que há mais de um mês refutou a ideia de que o Bouboulina fora o responsável pelo derramamento do óleo. Ele assegura que uma mancha de óleo foi flagrada na região do do Rio Grande do Norte dias antes da passagem do navio grego.

"Dados de inteligência marinha, e com base nas imagens de satélites, nos levou a confirmar que o Bouboulina não era responsável", disse. Segundo ele, a mancha de óleo flagrada pela Hex pode não ser apenas clorofila. "Também pode ser causada por diferença de umidade da atmosfera, e é muito provável que seja essa diferença", diz.

Há mais de dois meses apurando o caso, o pós-doutor em sensoriamento remoto chegou a apontar um navio de uma empresa alemã como possível responsável pelo vazamento.

Entretanto, poucos dias depois voltou atrás após a agência mundial de tráfego marinho corrigir a localização do navio na época do derramamento.

Não há suspeitos até o momento

Por ora, Barbosa diz que não há suspeitos do vazamento. "Estamos em investigação a partir das evidências de manchas de óleo por satélites, buscando outras fontes de navios. Na volta do Congresso, a partir de 1º de fevereiro, devemos reunir com a CPI do Óleo", afirmou.

Em nota de esclarecimento, a empresa Hex Tecnologias Geoespaciais afirmou que entregou as imagens captadas de forma voluntária às autoridades para ajudar nas investigações. Entretanto, diz que "em nenhum momento atribuiu responsabilidades, mas que apontou quais foram as embarcações que passaram pelas áreas que subsequentemente vieram a refletir as manchas." "As investigações, encaminhamentos e conclusões possíveis serão sempre das autoridades brasileiras competentes", pontuou.

Dificuldades maiores a cada dia

A busca por evidência que apontem um suspeito se tornam mais difíceis à medida em que passa o tempo. Segundo Pedro Alberto Bignelli, desde o primeiro comunicado de óleo ao Ibama, mais de 4.000 imagens foram analisadas, entre fornecidas por satélites, radares e sensores óticos.

"O Cenima analisou uma a uma: fosse de fonte de universidade, da mídia, de empresa de consultoria. Tudo que surgiu, paramos para analisar e fomos emitindo pareceres", diz.

Segundo ele, foram usadas imagens de oito satélites (três europeus, quatro norte-americanos e um sino-brasileiro), analisadas por dois técnicos especializados. "Vimos tudo que existe disponível abarcando o Nordeste brasileiro".

No momento, ele diz que não há suspeitos de vazamento. "Não identificamos a fonte. Temos algumas qualificações que dão pista: que é que o óleo é mais pesado que os óleos nacionais, que ele vem em subsuperfície, que está à longa distância; a suspeita de que entrou na corrente marítima equatorial sul. Usamos todos os dispositivos que existem na região",alega.

Óleo africano?

Uma nova hipótese que surgiu recentemente foi a de o óleo teria vindo do mar do sul da África, em abril. A hipótese foi levantada pelo pesquisador Ronald Buss de Souza, do Inpe e que atua no Grupo de Acompanhamento e Avaliação da crise do óleo.

Entretanto, dos quatro especialistas consultados pelo UOL que também atuam nas investigações, três afirmaram que não creem na hipótese. "Acho que se fosse desde julho eu até acreditaria. E da África? Não creio", disse um deles.

Em nota, o GAA —que é formado pela Marinha, ANP (Agência Nacional de Petróleo) e Ibama - diz que "os inquéritos conduzidos pela Marinha do Brasil consideram e avaliam todas as hipóteses, contemplando estudos da influência das correntes oceânicas, a análise do tráfego marítimo, o emprego de geointeligência e a análise química dos resíduos encontrados, tendo apoio de instituições públicas e privadas, nacionais e estrangeiras".