Austrália foi alertada há 13 anos pela ONU sobre aumento de queimadas
Resumo da notícia
- Relatório de 2007 do IPCC já previa aumento de queimadas na Austrália
- Mudanças climáticas são apontadas como a principal causa do fogo
- Mais de 20 pessoas morreram e projeções apontam para 1 bilhão de animais mortos
O avanço do calor não é novidade para as autoridades australianas e a comunidade científica. Há mais de uma década que o país é alertado sobre as possibilidades concretas do aquecimento global estimular queimadas.
Em 2007, o 4º Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) apontava para um aumento "virtualmente certo" das ondas de calor e, consequentemente, das queimadas na Austrália.
O painel é uma organização científica das Nações Unidas para compilar e divulgar pesquisas e dados a respeito do aquecimento global. Em 2007, ano em que alertou a Austrália, o IPCC venceu o prêmio Nobel da Paz. O relatório foi lembrado pelo oceanógrafo e climatologista alemão Stefan Rahmstorf em suas redes sociais.
"O que o mundo pode aprender com a crise do #AustralianBushfire: com o tempo, você pagará um preço devastador se entregar a mídia e o governo aos negadores da ciência", escreveu Rahmstorf no último dia 6.
Nesta semana, a fumaça dos incêndios florestais na Austrália chegaram ao Rio Grande do Sul, conforme informação do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Um bilhão de animais mortos
Mais de duas dezenas de pessoas morreram —até o último dia 9, foram contabilizadas 27 mortes— e estima-se que cerca de um bilhão de animais foram dizimados pelo fogo e pela fumaça desde novembro. A temporada de queimadas, considerada uma das piores da história da Austrália, atinge essencialmente as costas leste e sul, onde a população está concentrada no país.
Há consenso na comunidade científica de que o clima é o principal vetor de impulsionamento do fogo. O governo australiano, no entanto, vem resistindo a relacionar os efeitos das mudanças climáticas às queimadas.
O fogo faz parte do ecossistema daquele país. Os números extremos, entretanto, são reflexos de condições climáticas extremas. No dia 18 de dezembro, o país registrou o dia mais quente de sua história: 41,9ºC na média nacional, segundo a agência de meteorologia do governo australiano. O recorde anterior fora alcançado 24 horas antes; no dia 17, a temperatura nacional média foi de 40,9ºC.
"2019 foi o ano mais quente e seco já registrado, com temperaturas 1,5 grau acima da média e chuvas em níveis mínimos. Esses dados fornecem mais evidências de que os incêndios que devastam grandes partes da Austrália são alimentados pelas mudanças climáticas", disse ao UOL o CEO do Greenpeace Austrália, David Ritter.
As mudanças climáticas na Austrália significam que os incêndios florestais começam mais cedo, duram mais e são mais extremos"
David Ritter, CEO do Greenpeace Austrália
O texto do IPCC também alertava para a "perda significativa da biodiversidade em alguns locais ricos ecologicamente até 2020". A estimativa que contabilizou 1 bilhão de animais mortos foi traçada por Chris Dickman, ecologista da Universidade de Sidney.
A comparação feita pelo ecologista utilizou justamente números de 2007, quando ele fez um estudo para o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) estipulando a densidade populacional de mamíferos, répteis e aves no estado de Nova Gales do Sul.
O número de 1 bilhão de animais mortos seria uma "projeção conservadora", afirmou Dickman ao Huffpost.
"Amazônia pode virar savana"
"O que se pode projetar é que, com o aquecimento global, começam a ocorrer eventos de secas extremas mais de forma mais frequente", diz o cientista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP (Universidade de São Paulo). "A vegetação, mais seca, fica mais inflamável", complementa Nobre.
Quando se tem uma seca muito prolongada, a temperatura também aumenta. Você não tem mais água no solo e há menos evaporação. A evaporação da água consome muito a energia solar, e, quando você não tem mais água para evaporar, essa energia aquece o ar. Por isso os recordes de temperatura
Carlos Nobre, pesquisador da USP
Para o cientista, o Brasil pode viver situação semelhante à australiana em relação às previsões futuras. Como a Austrália, o país vem sendo avisado há algum tempo sobre as consequências das mudanças climáticas para a Amazônia.
Nobre cita como exemplo o "ponto de não retorno" da floresta —estudos já apontaram que, com o avanço do desmatamento da vegetação original, o bioma pode se transformar em uma grande savana.
"Talvez 50% da floresta amazônica possam se tornar uma savana, um cerrado degradado", diz Nobre.
Austrália e Brasil alinhados na COP
A Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas de 2019 marcou uma mudança na direção da política ambiental brasileira. Antes alinhado ao consenso e habitando a linha de combate às mudanças climáticas, o Brasil se enfileirou às nações que tendem ao negacionismo: EUA e Austrália.
A tríade foi responsável por bloquear o progresso na regulamentação do artigo 6º do Acordo de Paris, que versa sobre a cooperação entre os países signatários para mitigar efeitos das mudanças climáticas.
"As tentativas flagrantes da Austrália de evitar fazer sua parte na batalha contra as mudanças climáticas deixaram o país isolado na COP-25 deste ano em Madri", diz Ritter, do Greenpeace Austrália.
Eleito em 2018, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison (Partido Liberal) é conhecido por negar as conclusões científicas a respeito do aquecimento global. Elogiado por Jair Bolsonaro —o presidente brasileiro comemorou sua eleição nas redes sociais— e em meio à crise que atinge o país, ele manteve sua posição e afirmou, mais de uma vez, que as queimadas são "desastres naturais".
"O governo de Morrison falhou em seu primeiro dever, que é proteger o povo australiano. Anos de inação e negação em relação ao clima ajudaram a criar as condições para os incêndios catastróficos desta temporada e, apesar de mais de 20 mortes, até um bilhão de animais queimados vivos e milhares de casas destruídas, o governo de Morrison continua negando as ações climáticas urgentes que os australianos desesperadamente querem e precisam", diz Ritter.
Outro lado
À reportagem, o ministério do Meio Ambiente australiano afirma que o país "possui um conjunto de políticas para reduzir as emissões e cumprir nossas metas internacionais de redução de emissões."
"Esse conjunto está apoiado por fortes investimentos, como o nosso Pacote de Soluções Climáticas, no valor de US $ 3,5 bilhões, que mapeia como cumpriremos a meta de 2030. (...) O pacote [de investimentos] inclui US $ 2 bilhões adicionais para um Fundo de Soluções Climáticas para aproveitar o sucesso do Fundo de Redução de Emissões (ERF, na sigla em inglês) e continuar o investimento em redução de baixo custo", diz o ministério.
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