Cartão-postal de Florianópolis, Lagoa da Conceição enfrenta "maré marrom"
A chance de um novo e maior surto de mortalidade de peixes, crustáceos, plantas e moluscos na Lagoa da Conceição - importante cartão-postal de Florianópolis - preocupa pesquisadores que monitoram a situação ambiental ao Leste da Ilha de Santa Catarina. Há pelo menos dez dias a região enfrenta o fenômeno "maré marrom", desencadeado pela floração de algas nocivas e que alteram a cor da água, evento que já teria provocado a mortandade de milhares de organismos e um forte cheiro de enxofre.
O alerta de especialistas para a possibilidade de repetição do fenômeno - registrado pela primeira vez no Estado - se intensificou depois de uma visita técnica feita nesta semana por um grupo formado por representantes do Projeto Ecoando Sustentabilidade da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), da Casan (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento) e de órgãos ambientais que investigam e buscam soluções para o problema.
Na quarta-feira (3), a Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente) e o IMA (Instituto do Meio Ambiente) de Santa Catarina emitiram comunicado proibindo o uso da Lagoa para atividades de lazer e o consumo de peixes e frutos do mar vindos dela.
Segundo Leonardo Rörig, pesquisador do Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas da UFSC, a "maré marrom" já percorre toda a extensão da Lagoa da Conceição. Pescadores estimam que cerca de três toneladas de animais morreram, entre peixes, crustáceos e bivalves.
Análises indicam a presença e floração da microalga Fibrocapsa Japonica, que produz e libera toxinas associadas a mortalidades de seres aquáticos. Elas também são perigosas quando em contato com humanos, podendo causar náusea, diarréia, vômito e problemas neurológicos.
Hipóteses
De acordo com o também pesquisador em Botânica na UFSC, Paulo Antunes Horta Junior, a hipótese mais provável da floração de microalgas na Lagoa da Conceição se deu por conta de um processo de poluição gradual em ambientes de lago, rio, lagoa ou nos mares, chamado de eutrofização.
"Isso vai desde o esgoto clandestino até o tratamento - frágil ou insuficiente - da rede coletora pela não retirada do efluente de nutrientes como nitrogênio e fósforo, que são substâncias químicas que essas algas usam para crescer", explica.
Para o especialista, a situação pode ainda ter se agravado com o possível impacto da introdução aguda de água a partir do rompimento de uma unidade da Casan para infiltração de efluentes tratados em meio às dunas, em 25 de janeiro deste ano. O acidente provocou danos em dunas e restingas no entorno da lagoa, além de prejuízos financeiros para 17 famílias atingidas.
Procurada pelo UOL, a Casan disse que não há comprovação para o fato e descartou qualquer relação da água túrbida e da referida mortandade com o Sistema de Esgotamento Sanitário da companhia. A Casan ainda ressalta que uma vala aberta para a drenagem das águas acumuladas pelas chuvas no Parque do Rio Vermelho em direção à região afetada pode ter contribuído para o evento ao escorrer para a Lagoa, mas reconhece que há falta de respaldo técnico.
A Floram multou a Casan em R$ 15 milhões pelo acidente de janeiro de 2021. A Companhia apresentou defesa e um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD), que está em avaliação e aguarda parecer da Floram. Já no processo de indenização e reparação dos atingidos pelo rompimento, a Casan afirma que montou um Centro de Operações com assistência social, médica, psicológica, jurídica e alimentar.
Solução conjunta
As instituições ouvidas pela reportagem reconhecem a necessidade de realização de um trabalho conjunto na busca de respostas e soluções para os impactos negativos gerados pela mortalidade dos peixes e plantas. A Floram destacou a formação de um Grupo Técnico de Trabalho Especial para analisar a "situação complexa" da Lagoa e os próximos passos, avaliando o que poderá ser feito a curto, médio e longo prazo para a recuperação da Lagoa.
Os pesquisadores da UFSC afirmam que a floração da alga nociva tende a desaparecer sozinha em função da mudança de condição da água e do clima. Em contrapartida, intervenções na bacia de drenagem da Lagoa podem conter a chegada de poluentes e outros nutrientes que venham a desencadear uma nova floração de Fibrocapsa Japonica.
"Estudos indicam que, se não tomarmos medidas e mitigar a poluição agora, podemos ter uma recuperação lenta que poderá levar décadas. Temos o dever moral, os cidadãos junto com as instituições, de restaurar a Lagoa da Conceição. Ela está longe de ser um ambiente condenado, muito pelo contrário, a lagoa tem solução. Só que as instituições precisam colocar essas ações em prática e usar a força do Estado para resolver esses problemas", conclui Paulo Antunes Horta Junior.
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