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Guias e moradores criticam projeto de museus na Chapada dos Veadeiros em GO

O Projeto Gênesis na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, prevê a construção de teleférico, "museu das águas", planetário e "espaço ecumênico", entre outras edificações - Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás
O Projeto Gênesis na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, prevê a construção de teleférico, "museu das águas", planetário e "espaço ecumênico", entre outras edificações Imagem: Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás

Pedro Canário

Colaboração para o UOL

20/09/2021 04h00

O governo de Goiás anunciou no dia 10 de setembro que pretende construir um complexo para atrair turistas para a região da Chapada dos Veadeiros, que está sob administração do estado. O projeto envolve a construção de um museu, um parque e outras edificações e vem sendo alvo de críticas de moradores e de trabalhadores do turismo local.

Para eles, são construções desnecessárias que vão impactar negativamente o meio ambiente, estimular a especulação imobiliária e aumentar o fluxo de visitantes à região sem que ela tenha infraestrutura para recebê-los.

De acordo com o advogado João Yuji, ex-vereador de Alto Paraíso de Goiás pelo PTN e candidato a prefeito pela Rede derrotado nas eleições de 2020, são "obras faraônicas que foram anunciadas do nada, numa pousada na zona rural de Paraíso, sem qualquer comunicado ou consulta à população".

Segundo o anúncio do projeto, o objetivo é "transformar o Nordeste Goiano por meio da inovação, do conhecimento e do desenvolvimento sustentável". A ideia do governo é que a região, hoje uma das mais pobres do estado, se transforme num "polo de oportunidades".

O foco das críticas ao projeto está justamente nas construções. O Projeto Gênesis, como foi chamado pelo governo goiano, prevê a construção de um teleférico, um "museu das águas", um planetário, um "espaço ecumênico", entre outras edificações.

Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás - Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás - Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás
Projeto de teleférico na Chapada dos Veadeiros, em Goiás
Imagem: Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás

Por enquanto, só os desenhos estão prontos. O projeto foi feito pelo Instituto Espinhaço — "de graça", segundo o governo — e as propostas estão sendo desenvolvidas por 11 consultorias pagas pela mineradora canadense Amarillo Gold.

Até agora foram gastos R$ 3,9 milhões da empresa, dinheiro oriundo de compensações ambientais decorrentes de projetos da companhia em Goiás — a Amarillo recentemente anunciou que pretende explorar ouro na cidade de Mara Rosa, a 360 km ao norte de Goiânia.

O governo de Goiás não divulgou quais são as 11 consultorias envolvidas no Gênesis. Apenas informou que elas foram contratadas pela Amarillo com o dinheiro da compensação ambiental. A empresa disse, em nota, que a sua participação ocorre por meio de termo de compromisso assinado pela companhia com a secretaria para "a etapa que envolve a implementação das unidades de conservação por meio da contratação de consultorias profissionais".

"O acordo foi firmado em razão de compensação ambiental inerente à atividade de mineração, como prevê a legislação brasileira, e com a qual a Amarillo segue comprometida", diz a empresa.

Alto Paraíso de Goiás - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

Em vídeo divulgado em suas redes sociais, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), disse que o fato de o projeto ter sido anunciado "não quer dizer que vai ser instalado". "Aquilo foi uma ideia que alguns arquitetos trouxeram para o projeto. Vai ser feita uma discussão com a sociedade."

Segundo Caiado, o projeto apresentado no dia 10 "é simplesmente uma imagem, não tem nem projeto executivo".

"Não vamos tirar o principal e ficar com o problema por causa do acessório. Aquilo não tem necessidade de ser implantado", disse.

'Projeto inclusivo'

Ao UOL a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás, Andréa Vulcanis, disse que o objetivo do projeto é criar atividade econômica na região e, consequentemente, arrecadação fiscal. "Hoje, o Nordeste Goiano vive basicamente de repasses do Fundo [de Participação dos Municípios]. O que queremos fazer é um projeto inclusivo, que gere riquezas para a comunidade local", afirma.

Vulcanis diz ainda que o projeto tem apoio do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O banco, segundo ela, estimou que o projeto atrairá R$ 1 bilhão em investimentos da iniciativa privada.

Muito importante frisar isso: serão recursos privados. O parque será concedido à iniciativa privada depois de um estudo de viabilidade econômica, porque o estado não tem dinheiro para ficar investindo em turismo"
Andréa Vulcanis, secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás

Cachoeira na Chapada dos Veadeiros. em Goiás - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Cachoeira na Chapada dos Veadeiros. em Goiás
Imagem: Reprodução/Redes sociais

Mas, segundo o ex-vereador João Yuji, o Gênesis foi um projeto imposto de cima para baixo.

Foi anunciado pronto, sem dialogar com a comunidade e sem contemplar nenhuma das nossas demandas. Se fosse um projeto em que a sociedade civil tivesse voz, até acreditaria que o resultado econômico fosse ficar com a sociedade. Mas veio de cima para baixo"
João Yuji, advogado e ex-vereador de Alto Paraíso de Goiás pelo PTN

Entre as demandas citadas por Yuji estão investimentos em saneamento básico, infraestrutura de internet
Para o vereador Marconey Correia (Rede), o projeto será negativo para a região. "Com as estruturas propostas pelo programa Gênesis, o turismo da região será descaracterizado, além do gigantesco impacto que essas mega estruturas de concreto e aço irão causar onde forem encrustadas, locais os quais são verdadeiros refúgios da vida silvestre", disse, em nota.

"Há problemas estruturais, como saneamento básico, saúde, infraestrutura básica. Existem famílias no entorno do Parque Estadual que não têm nem mesmo acesso a água potável. Mulheres e crianças vivendo em condições precárias, um lixão municipal a céu aberto que promove um verdadeiro show de horrores. Como manter prédios como esses se a cidade mal consegue suprir a necessidade atual de água, energia elétrica e saneamento?".

Termor do turismo predatório

Segundo uma guia de Alto Paraíso ouvida pelo UOL sob a condição de ela não ser identificada, o "incômodo com o projeto é o modelo de turismo". "É um turismo predatório, com investimentos milionários de setores como franquias hoteleiras, e com essa ideia de fazer concessão, mas sem explicar direito como será a tal da gestão compartilhada entre governo do estado e município", diz ela. "Pelo que foi apresentado, é mais concreto e destruição que preservação."

Outra guia, que também teme sofrer retaliações e por isso prefere não ser identificada, reclama que o governo de Goiás criou um conselho consultivo para acompanhar a implantação dos planos de desenvolvimento, mas não previu cadeiras para guias turísticos, nem para as agências e operadoras locais. "Embora os guias tenham representantes em diversos conselhos ligados à Chapada, eles não têm assento no conselho do Parque Estadual. E a bancada ruralista tem. A situação é bem preocupante."

No entanto, para Andréa Vulcanis, "as pessoas criticam sem saber do que estão falando". Segundo ela, o projeto inteiro tem dez eixos e as construções são um deles.

"O desafio é: como fazer o desenvolvimento que garanta a valorização do cerrado em pé? Hoje, plantar soja vale mais do que manter o cerrado em pé, e enquanto essa situação continuar, a pressão será muito grande, difícil de segurar só com fiscalização"

Segundo a secretária, é por isso que administração pensou "em dez eixos de desenvolvimento sustentável, como cadeias integradas, agricultura familiar". "Vamos trazer os assentados de reforma agrária para dentro da atividade econômica local, sempre buscando valorizar as cadeias locais", disse a secretária, ao UOL.

A ideia das construções, segundo Vulcanis, é proporcionar ao turista uma visita mais qualificada, de imersão, para que ele entenda o lugar em que ele está e o que significa aquilo tudo. "Estamos falando de segurança hídrica, valorização da cultural local".

De acordo com o cronograma do projeto, a partir desta semana começará uma etapa de oficinas: integrantes do governo de Goiás e enviados das consultorias contratadas pela Amarillo visitarão os municípios impactados pelo projeto para ouvir as demandas das comunidades e explicar o que o governo pretende.

Entretanto, segundo pessoas que vêm acompanhando os anúncios do projeto, que pediram para não serem identificadas, essas oficinas são apenas formalidades. Por lei, o governo precisa fazer audiências públicas e consultar as comunidades afetadas por projetos de grande impacto ambiental e social.

Lideranças locais, que temem retaliação por parte do governo e das empresas interessadas no projeto, avaliam que, como o Gênesis foi anunciado já como uma ideia pronta e acabada, essas "oficinas" tenham sido criadas apenas para dizer que as audiências foram feitas.