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Eliane Brum: Bruno estava com alvo na cabeça por conta do governo Bolsonaro

23/06/2022 11h46

Eliane Brum, jornalista e escritora, conhecia Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados na Amazônia neste mês. Em participação no UOL Entrevista, nesta quinta-feira (23), ela explicou que acredita que o crime teve mandantes e que o governo de Jair Bolsonaro (PL) tem responsabilidade no caso.

"É importante que a gente lembre que Bruno estava com alvo na cabeça por conta do governo Bolsonaro. Porque no momento em que o Bruno, como chefe na Funai, faz operação que destrói balsas de garimpo, mas é exonerado do cargo, o governo brasileiro botou um alvo na cabeça do Bruno", comentou Eliane.

Ela, que mora na Amazônia há cinco anos, entende que o crime deve ter mandante e diz que tudo que acontece na região é monitorado por grileiros de terra.

"Quando vou para Anapu, tem uma balsa lá, e já tem gente tirando foto minha. Ninguém passa na Amazônia sem que olheiros da grilagem saibam quem está entrando. Tudo é completamente controlado. Acho quase impossível que não soubessem quem é Dom Phillips. Isso não acontece. Não é assim que funciona. O crime precisa ser elucidado. É evidente que, se não encontrarem mandantes, se o crime não for elucidado, todos que atuam na Amazônia têm alvo na cabeça. Enquanto mandantes não forem julgados e punidos, nós todos estamos com alvo na cabeça", declarou a jornalista.

Quatro suspeitos já foram presos por envolvimento no crime. Mas Eliane entende que estão pegando "a ponta mais frágil da cadeia" de crimes na Amazônia.

Guerra na Amazônia

No entendimento de Eliane, Bruno e Dom foram vítimas de uma guerra muito maior que acontece na Amazônia há anos.

"O Dom e Bruno são vítimas de uma guerra contra a natureza e contra a Amazônia, que no Brasil assume essa proporção por conta de um governo que tem como principal projeto de poder abrir ainda mais a Amazônia para exploração predatória", explicou.

Eliane lembrou de outros assassinatos anteriores a esse, que também envolveram pessoas que defendiam a Amazônia. Pontuou que essa foi a primeira vez que mataram um jornalista dentro da floresta - fora de contextos urbanos -, o que significa que um limite foi extrapolado, segundo ela.

"É ruim para os negócios quando se assassina alguém com dimensão pública na Amazônia. Isso mostra que algo foi rompido e mostra o avanço do narcotráfico na Amazônia, o que leva a atuação criminosa a outro nível. Isso mostra o nível de impunidade. Mostra o quanto os criminosos estão se sentindo à vontade, com a certeza de se sentirem impunes, a ponto de matarem um jornalista inglês, do norte global, da parte rica do mundo. Discordo de pessoas que dizem que o Estado está ausente na Amazônia. Acho que o Estado está presente na Amazônia. Bolsonaro corrompeu o Estado e usa a máquina, então criminosos estão se sentindo apoiados e estão à vontade para cometer um crime desse nível", analisou a escritora.

Eliane também destacou que outras lideranças estão sofrendo ameaças de morte na Amazônia. "Essa noite estava me preparando para dormir e chegou mensagem do Erasmo Teófilo, uma liderança camponesa muito forte que está ameaçado de morte. Erasmo não caminha, teve paralisia infantil e lidera em uma cadeira de plástico. E vem a notícia dele pedindo ajuda porque tem pistoleiros que iam atacar o lote 96, com 54 famílias, com 20 crianças. Conseguimos que a polícia mandasse um carro e fizemos ronda. E conseguimos acordar sem mortes. Mas é uma guerra", exemplificou Eliane.

"Estou contando uma situação porque aconteceu nessa noite. Isso não é exceção. Esse tem sido cotidiano das pessoas na Amazônia. Toda semana acontece alguma coisa. Isso se repete. Mulheres do povo ianomâmi estão sendo estupradas. Está tendo suicídio. Crianças morreram afogadas. A gente sabe de algumas situações. Isso é vida de guerra. Entendo que é guerra", concluiu.

Eleição presidencial

Eliane entende que a destruição da floresta amazônica só pode diminuir se Jair Bolsonaro não for reeleito neste ano.

"Se o Bolsonaro se reeleger, a gente não tem chance nenhuma. Nem mesmo bolsonaristas têm chance. Eles não descobriram ainda, mas em algum momento vão entender da pior forma possível. Bolsonaro precisa deixar poder pela via democrática e não podemos permitir que ele dê um golpe" opinou Eliane.

Mas ela também ressaltou que a possível derrota de Bolsonaro não significaria automaticamente uma reconstrução para o Brasil. E criticou a visão dos outros candidatos sobre a Amazônia.

"Todos candidatos têm cabeça de Século XX. Ainda não entenderam, e a maior parte da elite não entendeu, nem mesmo a elite intelectual, que o Brasil é a periferia da Amazônia. Não fosse o Brasil ter 60% da floresta amazônica, essencial para o enfrentamento do colapso climático, o Brasil teria sua importância reduzida. Não tem nada mais importante do que discutir Amazônia e a natureza. E isso não está no centro do debate da eleição", lamentou Eliane.

Porém ela ressaltou que não há comparação entre Bolsonaro e Lula (PT). "É incomparável Lula e Bolsonaro. Bolsonaro é um genocida, golpista, defensor da ditadura, da tortura e é um perverso. O Lula, a quem sempre fiz críticas contundentes, é um democrata. É outro nível. Não é uma escolha muito difícil. É uma escolha muito fácil. Digo com tranquilidade de quem foi uma das principais críticas do Lula", concluiu Eliane.

Veja na íntegra a entrevista com Eliane Brum: