Cidade de autor de explosões vive dia de choque: 'Nunca ia desconfiar dele'
Quando o nome de Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões em Brasília, virou notícia no país, amigos e conterrâneos de Rio do Sul (SC) ficaram chocados. O homem que havia acabado de realizar um atentado contra os Poderes em nada lembrava a pessoa conhecida por marcar época nas noites do pequeno município a 200 km de Florianópolis.
O que aconteceu
Conhecido por Tiu França, Luiz atuou em pelo menos 4 casas noturnas. Entre os anos 1980 e 2000, ele era admirado pelo seu papel à frente da Flash Light, Café Berimbau, Mr. Shell e Lira Club. O primeiro estabelecimento foi administrado com os irmãos. A informação foi confirmada pela Prefeitura de Rio do Sul.
"Nunca ia desconfiar de uma pessoa como ele". O atentado na praça dos Três Poderes aconteceu por volta das 19h30 dessa quarta-feira (13). Mas não demorou muito para chegar a informação de que o autor era morador de Rio do Sul. "Descobri hoje de madrugada. Me mostraram uma filmagem. Para mim, nem era ele. O cara não tinha motivos, sei lá, não sei o que passou na cabeça dele. Nunca ia desconfiar de uma pessoa como ele", afirmou Altair de Souza, então vizinho de Luiz.
Amigo e ex-presidente do PL em Rio do Sul frequentava discoteca Flash Light. "Tiu França é da minha juventude, lá de antigamente. Fez história em Rio do Sul", disse Eduardo Marzall em entrevista para a Rede Bela Aliança de Televisão, de Rio do Sul. "Era uma pessoa que sempre quis o bem para todo mundo; nunca vi ele prejudicar ninguém."
DJ que trabalhou com ele no passado se disse "incrédula". A jornalista Isabel Caetano trabalhou por cerca de dois anos como DJ em uma das casas noturnas de Wanderley Luiz, entre 1999 e 2001, e era próxima de França. Segundo ela, esses estabelecimentos marcaram gerações na cidade.
Ex-DJ estava em casa quando soube que o autor do atentado era Luiz. Por volta das 20h30, ela leu a informação em um grupo de jornalistas. "[Fiquei] Incrédula. É essa a sensação de muitas pessoas com quem falei. Inacreditável."
Memórias de um "visionário". Isabel lembra da casa noturna de três espaços, Mr. Shell, que era moderna para aqueles tempos. "Um com DJ, outro com música ao vivo e outro, mesas de jogos como pebolim. De um andar para outro havia uma escada para quem quisesse descer no estilo bombeiro. Ele era um cara visionário. Em tempos sem redes sociais, quando não se tinha acesso a imagens de grandes casas noturnas, ele surgia como inovador", disse.
Autor de explosões atuava como chaveiro. A empresa de Luiz, a MP Mercado Popular, foi aberta em outubro de 2019. Tem como principal atuação o comércio a varejo de automóveis, camionetas e utilitários usados, conforme o sistema Redesim, que reúne dados da Receita Federal. Porém, como atividades secundárias, constavam os serviços de chaveiro, bar, discoteca e comércio de peças e acessórios novos para veículos.
Divorciado e pai de dois filhos. Relatos de amigos demonstram que ele viveu uma espécie de metamorfose. O deputado federal Jorge Goetten (Republicanos-SC), também de Rio do Sul, disse que Luiz aparentava "sérios problemas mentais" depois de um divórcio.
Deputado conhecia França havia mais de 30 anos. "A família está destruída. Era de família boa, querida. Ele era um homem pacífico, um queridão. Nunca teve nada que o desabonasse", lamentou o catarinense em entrevista ao Congresso em Foco. "Estive com ele no ano passado e o achei muito estranho", disse. O UOL tentou contato com os filhos, sem sucesso. Em caso de manifestação, este texto será atualizado.
Há cerca de um mês, autor de ataque disse a amigo que iria à praia. "Ele falou que ia para a praia, tirar umas férias, uma descansada, que ia ajudar o filho dele, esfriar um pouco a cabeça disso aqui; já estava com alguns anos como chaveiro", contou o amigo e vizinho Altair de Souza. Já para sua irmã, Maria Irlete Luiz, o homem disse que iria a Brasília a passeio.
Decepcionado com o Judiciário. "Quando o encontrava por acaso na rua, ele sempre falava de política. Ele seguia uma linha de direita, extremamente conservadora. Dizia que estava decepcionado com o Judiciário. Ele sentiu muito a derrota do Bolsonaro nas eleições presidenciais", disse Marzall.
Ex-mulher afirma à PF que Luiz planejava matar ministro do Supremo. Ela e outros familiares de Francisco Wanderley Luiz foram localizados por agentes da PF em Santa Catarina. A ex-mulher disse que o principal alvo era o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e "quem mais estivesse junto". "Ele falou que mataria ele e se mataria", afirmou.
Matar Moraes era uma obsessão, contou ex-mulher. "[Obsessão] Dele. Tanto que ele me deixou quase louca. Todo mundo na rua [dizia] 'Você vai ficar louca'. Ele só falava de política, política e política", relatou à PF. A mulher disse que tinha acesso aos emails do marido e ao histórico de navegação na internet dele. "Tinha pesquisa no Google sobre isso ali [matar Moraes]. Aí eu mandei pra ele: 'Tu vai mesmo fazer esse tipo de loucura?'. Ele disse que não. Aí eu printei e mandei pra ele e perguntei: 'Como que não?' Por que tu tá pesquisando esse tipo de coisa?", disse.
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Quero receberAutor de atentado circulou pela Câmara antes da explosão. Na portaria, ele chegou a dizer que visitaria o gabinete do deputado Jorge Goetten, mas não foi até lá. No entanto, o homem chegou a usar um dos banheiros.
Homem estava hospedado em quarto em Ceilândia (DF). No local, que tinha referências aos ataques de 8 de janeiro de 2023, um celular foi localizado pela PF e passará por perícia. Também foram encontrados explosivos. No espelho, ele manifestou o plano de explodir a estátua da Justiça, com a inscrição "em estátua de merda, se usa TNT". A frase era direcionada à mulher que vandalizou o monumento durante a invasão ao prédio do STF.
Carro usado em atentado chegou a ser penhorado pela Justiça. A situação ocorreu por conta de uma cobrança municipal, de 2021. Consta em ata de reunião de 27 de março de 2023 que ele ofereceu o KIA Shuma LS, ano 1999/2000, como objeto a ser penhorado no local de uma camionete escolhida pela Justiça anteriormente. "Penhora colhida em termo próprio e assinado pelo executado", dizia o termo do acordo obtido pelo colunista do UOL Carlos Madeiro.
Quem era autor de atentado
Abalado emocionalmente. Para o UOL News, Jorge Gotten disse que o último contato com o conterrâneo ocorreu em 2023, quando Wanderley esteve em Brasília e o visitou no gabinete. Porém, chamou atenção o comportamento dele. "Ele me falou muito da separação. Até comentei com o gabinete que não era o França que eu conhecia, porque não tinha essa intimidade com ele para conversar sobre isso. Eu senti ele muito abalado emocionalmente", disse o parlamentar.
Catarinense foi condenado por violência doméstica. Em 2012, Wanderley foi condenado e preso por violência doméstica, pelo crime de lesão corporal, segundo a colunista do UOL Nathalia Portinari. Ele foi solto depois de pagar fiança. Em abril de 2014, após ser condenado, foi preso em um regime semiaberto, com liberdade para sair durante o dia sob a condição de não portar arma de qualquer espécie, recolher-se à noite e informar eventual mudança de residência. O processo em que Luiz foi condenado está sob segredo de Justiça.
Tiu França descumpriu medidas sanitárias impostas contra a covid-19. Na noite de 20 de junho de 2021, ele promoveu uma festa no estabelecimento comercial Tenda Park, ignorando as "medidas de enfrentamento da pandemia da covid-19, ao permitir aglomeração de pessoas sem limite de lotação", conforme documentos obtidos pelo colunista do UOL Carlos Madeiro. Segundo o relato dos policiais militares que participaram da ocorrência, a festa tinha som alto, sem distanciamento ou uso de máscaras e reunia cerca de 80 pessoas. Apesar da denúncia, ele foi absolvido em primeira e segunda instâncias.
Candidatura a vereador não emplacou. Em 2020, Tiü França rodou de bicicleta pela cidade de 70 mil habitantes no período eleitoral distribuindo santinhos. Como resultado, fez apenas 98 votos, insuficiente para que fosse eleito. "Sabe como funciona a política, né? É preciso investir. Mas a situação financeira dele não era boa", disse Marzall.
Tiu França informou ter ensino médio incompleto. A informação foi encaminhada à Justiça eleitoral naquele ano ao se candidatar a vereador.
Contas de campanha foram desaprovadas pela Justiça Eleitoral. Conforme a colunista do UOL Natalia Portinari, ele não apresentou o extrato bancário da movimentação de sua conta de campanha. O candidato registrou apenas R$ 500 em despesas.
Tiu França fez ameaças ao STF com foto de visita em agosto de 2024. "Deixaram a raposa entrar no galinheiro (chiqueiro) ou não sabem o tamanho das presas ou é burrice mesmo. Provérbios 16:18 (A soberba precede a queda)", diz trecho da ameaça.
*Com informações de Caíque Alencar, Carla Araújo, Carlos Madeiro, Carolina Nogueira, Herculano Barreto Filho, Lucas Borges Teixeira, Matheus Coutinho, Natália Portinari, do UOL