Pítons na Flórida comem veados e crocodilos inteiros e assustam cientistas

A invasão de cobras do tipo píton-birmanesa na Flórida tem preocupado cientistas a respeito dos desequilíbrios que a espécie pode trazer ao ecossistema local, já que elas se provaram capazes de comer presas maiores do que se sabia até então —engolindo veados e crocodilos inteiros.

A descoberta e o alerta são de uma pesquisa da organização Conservancy of Southwest Florida em colaboração com a Universidade de Cincinnati e publicada no periódico Repitles & Amphibians.

Como as pítons se espalharam pela Flórida

Cobras são nativas de florestas tropicais do sudeste da Ásia. Elas chegaram aos pântanos salgados da Flórida por meio do comércio como animais de estimação, mas fugas e solturas intencionais por tutores arrependidos e/ou irresponsáveis as tornaram uma praga no sul dos EUA. Ironicamente, elas são consideradas uma espécie vulnerável no seu habitat natural, correndo risco de extinção.

Mais de 90 mil pítons-birmanesas chegaram à Flórida entre 1996 e 2006. A estimativa é de um estudo de 2016 da Universidade da Flórida. Em 1992, o problema teve início quando um zoológico e centro de reprodução de pítons foi destruído pelo furacão Andrew e os animais escaparam para a natureza.

Importação da píton-birmanesa foi proibida pelo governo americano apenas em 2012. No ano seguinte, a Conservancy of Southwest Florida iniciou seu trabalho de captura e pesquisa a respeito da espécie invasora. Eles rastreiam por rádio o movimento de 120 cobras adultas para entender melhor como o réptil se alimenta, se reproduz e se desloca pela região — informação essencial para estratégias de controle.

Outros serviços trabalham para controlar a espécie. O Programa de Eliminação de Pítons da Gerência de Águas do Sul da Flórida, por exemplo, já coletou 8.565 animais e o Serviço Nacional de Parques já havia somado milhares de retiradas desde o início dos anos 2000 até 2020, quando firmou parceria com a Conservancy e com o Serviço de Vida Selvagem e Peixes dos EUA para otimizar as buscas.

O Programa de Eliminação, por exemplo, continua em busca constante por novos agentes para "caçar" as pítons. Eles pagam US$ 13 a US$ 18 (R$ 75-104) por hora por jornadas de até 10 horas de trabalho por dia em áreas designadas. Quem encontra as cobras recebe um bônus de US$ 50 (R$ 289) por cada píton de até 1,22 metro e US$ 25 (R$ 144,50) a cada 30 centímetros extras de comprimento do animal. Achou um ninho ativo? Leva US$ 200 (R$ 1.156,50) a mais.

O estrago que as pítons têm causado

O Everglades National Park teve redução em 99% de sua população natural de guaxinins e gambás. Já os coelhos foram totalmente extintos do parque infestado por elas desde os anos 1990, apontou um estudo de 2012 da Universidade Stanford, na Califórnia.

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Há relatos e flagras recentes de pítons engolindo não só veados, mas crocodilos e outras presas de grande porte inteiras. Até então, pesquisadores acreditavam que apenas animais de médio porte estavam sob riscos consistentes, mas o trabalho da Conservancy e da Universidade de Cincinnati aponta que não são raros os "lanches" de presas grandes entre as pítons-birmanesas.

O professor da Universidade de Cincinnati, Bruce Jayne, posa com uma píton-birmanesa com abertura da boca de 22 cm (à direita) e uma de 26 cm (à esquerda)
O professor da Universidade de Cincinnati, Bruce Jayne, posa com uma píton-birmanesa com abertura da boca de 22 cm (à direita) e uma de 26 cm (à esquerda) Imagem: Divulgação/Bruce Jayne/Universidade de Cincinnati

Medidas das mandíbulas das cobras encontradas na região de Everglades surpreenderam cientistas. Já se sabia que elas têm mandíbulas flexíveis, mas o professor Bruce Jayne, da Universidade de Cincinnati, apontou em comunicado à imprensa que elas são capazes de abocanhar presas maiores do que modelos matemáticos anteriores sugeriam.

Uma cobra de 5,8 metros é capaz de abrir sua boca em até 26 cm. A média para pítons deste porte antes era de 22 cm de diâmetro de abertura. "Não parece muito, apenas 18% maior. Mas a área total de abertura aumentou colossais 40%", observou. As maiores pítons-birmanesas já vistas têm capacidade de abrir a boca em mais de 81 cm, graças à mandíbula desarticulada do maxilar e uma pele elástica, que dá a elas habilidade de atacar animais seis vezes maiores que outras espécies de cobras.

A espécie mata e consome animais grandes demais para engolir. Os pesquisadores viram uma cobra comer um veado de 35 kg, quase dois terços da massa total dela. Conhecer os limites dos tamanhos de presas que elas podem atacar ajuda cientistas a prever o impacto caso elas invadam novas áreas, disseram os pesquisadores.

Pítons crescem rapidamente e podem ter tamanhos diversos, o que muda a proporção da presa que vão atacar. Elas nascem com cerca de 60 cm e pesam cerca de 115 g ao sair do ovo, mas podem duplicar o comprimento e peso em um ano. Os maiores adultos chegam a seis metros e pesam mais de 90 kg.

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É quase certeza que ainda não capturamos a maior píton-birmanesa da Flórida. Então, me parece muito plausível que uma píton que quebra recordes com uma abertura de 30 cm possa comer um veado de 55 kg.
Bruce Jayne, da Universidade de Cincinnati

Para ele, esta é apenas a "ponta do iceberg". O problema ecológico pode se tornar bem maior caso elas se espalhem por outras partes da Flórida e do sudeste americano, já que as cobras têm enorme capacidade de consumir diversos tamanhos de presas.

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