'Garimpo ilegal zero': nove medidas urgentes para acabar com o crime
A retirada de garimpeiros de Terras Indígenas, como ocorre no território Yanomami, é apenas o primeiro passo para combater o garimpo ilegal. Também será preciso envolver dezenas de órgãos públicos para implantar medidas como mudanças na legislação, adoção de nota fiscal eletrônica e até novas regras para o comércio de máquinas e combustível de aviação.
Essa é a análise feita por indígenas, pesquisadores, instituições ligadas à mineração e autoridades ouvidas pela Repórter Brasil para listar as ações mais urgentes contra esse crime.
"Se não for nesse governo, a gente não vai debater isso", diz o professor Luiz Jardim Wanderley, da Universidade Federal Fluminense.
Confira as principais propostas:
1- Revogar lei que garante 'boa fé' do comprador
Um dos maiores problemas é a lei 12.844/2013, que "presume" a legalidade do ouro de garimpo em sua primeira venda e a "boa-fé" do comprador, mesmo sem a comprovação de origem. A única exigência é de que a procedência do ouro seja informada em nota fiscal de papel.
Porém, investigações já identificaram que ouro extraído ilegalmente de terras indígenas foi registrado como se tivesse sido garimpado em lavras regularizadas - esquema chamado "lavagem de ouro".
"Temos hoje um sistema perfeito de impunidade. Quem compra e quem vende está protegido por esse sistema da 'boa fé'", critica Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas.
2- Implantar nota fiscal eletrônica e rastreabilidade do ouro
Outra medida urgente é digitalizar as transações comerciais de ouro, desde sua extração até o consumidor final, garantindo o rastreamento.
Assim, é preciso criar um banco de dados descentralizado, gerido pela Agência Nacional de Mineração (ANM), mas acessado por diferentes usuários.
Nesse banco de dados seria registrada cada etapa do caminho do ouro dentro de uma corrente de informações que não pode ser adulterada (tecnologia "blockchain"). Serão inseridas as autorizações para garimpar, licenças ambientais, relatórios de produção e documentos que hoje não são adotados, como nota fiscal eletrônica e guias de transporte de ouro.
É possível ainda fazer uma marcação molecular no minério, uma espécie de código de barras que se mantém mesmo se o ouro for derretido ou refinado.
3 - Cobrar Banco Central e CVM para atuarem na fiscalização
Para as irregularidades cometidas nos últimos anos, Leitão cobra ação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e do Banco Central, que são responsáveis por fiscalizar as DTVMs (Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários), empresas autorizadas a comprar ouro direto do garimpo.
Pelo menos três dessas empresas enfrentam ações na Justiça por crimes ambientais ou de lavagem de dinheiro.
Uma fonte com conhecimento das investigações, ouvida de forma anônima, afirmou que o Banco Central não faz sua parte na fiscalização.
BC e CVM negam a acusação e, em posicionamentos enviados ao STF, delegaram responsabilidades a outros órgãos. A CVM disse que as operações de ouro no sistema financeiro são da alçada do BC, que, por sua vez, atribui a fiscalização a ANM e Receita Federal. Posicionamentos similares foram enviados à Repórter Brasil (leia a íntegra).
4 - Envolver compradoras finais no controle da cadeia
Após a Repórter Brasil revelar que o ouro ilegal de TIs está em produtos de empresas como Apple, Amazon, Google e Microsoft, a organização Amazon Watch passou a exigir dessas companhias a comprovação da origem regular do metal. "Será que todas essas empresas gigantes podem provar que não estão vinculadas a fluxos potencialmente ilegais de ouro no Brasil?", publicou a organização.
5 - Fortalecer a Agência Nacional de Mineração
A ANM é órgão-chave do setor, mas carece de servidores e recursos para fiscalizar a extração mineral, segundo especialistas.
Um estudo da UFMG revelou que algumas lavras declaradas em notas fiscais como origem do ouro eram "fantasmas", ou seja, eram áreas de floresta intacta. A ANM, porém, não consegue fiscalizar esses desvios.
Uma fonte ouvida pela Repórter Brasil diz que o primeiro passo é acabar com o aparelhamento do órgão e nomear diretores e presidentes que tenham visão socioambiental.
A segunda medida é exigir que a ANM fiscalize a produção autodeclarada pelas lavras garimpeiras, que hoje não é analisada pela agência.
Procurada, a ANM disse que implementou medidas para aprimorar a transparência e fiscalização do setor e que está elaborando um novo marco regulatório (veja na íntegra os posicionamentos).
6- Proibir uso de maquinário pesado em garimpos
O uso de máquinas pesadas em garimpo se popularizou no Brasil por multiplicar as chances de lucro. Alguns desses equipamentos, como retroescavadeiras, podem custar mais de R$ 1 milhão.
O MPF diz que mudanças legislativas eliminaram as diferenças entre mineração industrial e garimpo, que deveria ser "artesanal", e sugere deixar clara a proibição de grandes máquinas nas lavras garimpeiras.
Outro caminho é exigir que fabricantes dessas máquinas sejam mais rigorosos ao vender e pesquisem o comprador.
Há também o Código da Consciência, programa inserido no computador de bordo da máquina que emite um alerta ou desliga o motor quando o veículo se aproxima de uma área protegida.
7- Tornar o crime hediondo e aumentar a pena
Atualmente, a extração ilegal de ouro pode caracterizar dois crimes: dano ambiental e usurpação do patrimônio da União, com penas de até cinco anos, além de multa.
Wapichana defende aumentar a punição. "É crime hediondo, pois, além da questão ambiental, [afeta] a questão da saúde, o social, a cultura e a vida [dos povos indígenas]", disse.
8- Criar políticas sociais para ex-garimpeiros
Além de retirar garimpeiros, é urgente criar alternativas econômicas para esses trabalhadores e evitar a sua migração para outras áreas protegidas. "Enquanto existir garimpo, a massa empobrecida vai ser atraída", avalia Danicley de Aguiar, do Greenpeace Brasil.
"As pessoas estão desesperadas para sair da condição de pobreza extrema", explica.
9 - Controlar o transporte aéreo na Amazônia
Para chegar a garimpos na Amazônia, a melhor opção é a aviação de pequeno porte. Mas o controle do tráfego aéreo na floresta sempre foi insuficiente, e o problema se agravou na gestão Bolsonaro.
Dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) revelam que as três principais cidades garimpeiras da região do rio Tapajós (PA) - Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso - consumiram três vezes mais gasolina de aviação em 2021 do que a cidade de São Paulo.
Também há pelo menos 1.269 pistas clandestinas na Amazônia Legal, um terço delas próximas a garimpos.
Os números justificam a urgência de controlar a venda do combustível de aviação. A ANP poderia cobrar dados dos revendedores para saber se uma aeronave específica está abastecendo muito, o que acenderia um alerta. Outro caminho é desativar as pistas irregulares e melhorar o controle do tráfego aéreo. Procurada, a ANP não respondeu.
Veja mais detalhes no site da Repórter Brasil.
(*) Hyury Potter é fellow da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, em parceria com a Repórter Brasil.
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