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Discurso "antiambiental" de Salles pode abalar ambições do Brasil no exterior, dizem especialistas

Presidente Jair Bolsonaro e ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante cerimônia em Brasília - Reprodução
Presidente Jair Bolsonaro e ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante cerimônia em Brasília Imagem: Reprodução

28/05/2020 07h42

O vídeo da reunião ministerial comandada pelo presidente Jair Bolsonaro, divulgado na sexta-feira (22) pelo STF, deixou os ambientalistas de cabelos em pé. Nas imagens, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirma que a pandemia de coronavírus é uma oportunidade para o governo "passar a boiada" de desregulamentações ambientais, ou seja, afrouxar os mecanismos que garantem a proteção do meio ambiente. Para o Observatório do Clima, que reúne 26 entidades ambientais do Brasil, o discurso "antiambiental" de Salles abala ainda mais a imagem do país do exterior.

A postura poderia prejudicar ambições do país no plano internacional, como o ingresso na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.

"A comunidade europeia está muito preocupada com a Amazônia, mesmo porque doenças como o coronavírus, que são zoonoses, ocorrem em grande parte devido a desequilíbrios ambientais. As florestas são grandes estoques de vírus e quanto mais a gente ameaça essas florestas, mais nós ficamos ameaçados por outras epidemias como essa ou piores", explica Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

"Tivemos uma avaliação da OCDE, à qual o Brasil está se submetendo, com muitas críticas à conduta ambiental no Brasil. Além disso, estamos numa fase de discussão política do tratado União Europeia-Mercosul e as políticas ambientais têm atrapalhado. Acredito que podem até inviabilizar a assinatura de qualquer acordo", avalia.

Salles prefere medidas "na caneta", sem o Congresso

Astrini destaca que, depois da divulgação das imagens da reunião, as organizações da sociedade civil estarão ainda mais atentas a projetos do ministério do Meio Ambiente e outras pastas que possam violar a proteção de áreas protegidas e dos povos indígenas.

No vídeo, Salles pede ajuda da Advocacia-Geral da União para facilitar a assinatura de medidas por decreto, sem votação no Congresso, por avaliar que muitas delas serão alvo de críticas na imprensa e procedimentos judiciais. "Ele está dizendo que vai fazer coisas ilegais e pede ajuda dos advogados", ironiza Astrini.

A "boiada da vez" do governo é o projeto de Lei 2.633/20, apelidado de PL da Grilagem, que visa facilitar a regularização de terras de floresta obtidas ilegalmente, no que resulta em um dos principais focos de desmatamento irregular da Amazônia.

"A gente acredita num compromisso do presidente da Câmara. Ele [Rodrigo Maia] viajou para a Europa e viu o mal que essa política antiambiental faz para a imagem do país e que pode afetar seriamente a economia do Brasil, ao fazer o país perder negócios no exterior", comenta o secretário-executivo do OC.

Importadores pressionam

Na semana passada, Maia recebeu uma carta assinada por mais de 40 importadores de produtos brasileiros, entre eles as redes Burger King e Tesco, que pressionaram para a retirada do projeto. No texto, as companhias sugeriram que deixariam de comprar do país commodities que não fossem "produzidas com responsabilidade".

Tom semelhante ecoou no Parlamento Europeu, onde a deputada portuguesa Isabel Santos tomou a palavra para dizer que o Brasil "persiste na sua política de expansão de atividades econômicas e comerciais predatórias nos territórios da Amazônia", conforme relatou o jornal Valor.

Astrini chama ainda a atenção para outras tentativas de afrouxamento da legislação ambiental em curso, como o projeto que prevê a ocupação de terras indígenas para a mineração, a agropecuária e o garimpo.

"Recentemente, coordenadores de uma operação para coibir o desmatamento ilegal foram demitidos. O governo quer liberar terras para estrangeiros, mexer e enfraquecer o Código Florestal, parar de disponibilizar dados sobre o desmatamento da Amazônia", relembra. "É só isso que esse governo tem feito: desmontar o ministério do Meio Ambiente e os mecanismos de fiscalização dos crimes ambientais. O governo, infelizmente, está do lado do crime."

Industriais e agronegócio apoiam ministro

Na contramão, um grupo com cerca de 90 entidades empresariais publicou um texto no qual anunciam "total apoio" às falas de Ricardo Salles. O próprio ministro declarou que "nunca escondeu" que planejava "simplificar" a regulamentação ambiental em vigor no país, em busca de mais "eficiência".

Assinaram a declaração de apoio a Salles organizações como a CNI (Confederação Nacional da Indústria) e a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil), entre outras.