'E o Lula?': Marçal foge de perguntas e desfila arrogância no Roda Viva

Pablo Marçal tinha uma missão no domingo (1º) quando foi para o debate com os candidatos à Prefeitura de São Paulo da TV Gazeta fazer mímica em tela dupla: irritar os adversários e desviar a atenção dos eleitores em relação às acusações que ele fatalmente receberia durante o confronto.

Tanto conseguiu o objetivo que quase foi agredido por José Luiz Datena (PSDB). É disso o que todo mundo se lembra no dia seguinte, e não das graves acusações do envolvimento direto dele em um esquema de fraudes bancárias em Goiás —só para ficar em um exemplo.

No dia seguinte, o personagem sentado no centro do Roda Viva, da TV Cultura, parecia outro. Só parecia.

Performando timidez, como se estivesse sob efeito de calmante ou suco de maracujá, ele lembrou emocionado do dia em que assistiu à entrevista do ídolo Ayrton Senna no mesmo programa.

A fantasia durou poucos minutos. Foi o tempo que levou para tentar ensinar a colunista do jornal "O Globo" Malu Gaspar, autora de uma reportagem sobre a intenção dele de criar um novo partido com Jair Bolsonaro, a fazer jornalismo. Ouviu uma invertida e foi desmentido quando disse que não foi procurado para a matéria.

O espírito zombeteiro dos debates aos poucos tomou o centro da roda, num modo ora passivo-agressivo, ora só agressivo.
Virou arrogância pura à medida que o tempo passava.

Como não dava para passar o programa todo fazendo mímica, Marçal adotou a tática de desqualificar os interlocutores para fazer cortes para as redes. Foram 11 cortes enquanto ele ainda era entrevistado. Em todos, ou parecia saber o que estava dizendo ou que estava lacrando em cima de alguma entrevistadora —em imagens cortadas com cenas de coice ou facada.

O que os cortes não mostravam é que, sempre que questionado sobre propostas, Marçal apenas desfilava platitudes ou soluções mágicas a partir de ideias "disruptivas" para espalhar prosperidade com teleféricos, prédio de um quilômetro de altura ou ensino de finanças ou inteligência emocional nas escolas.

Quando questionado sobre suspeitas, usava o mesmo artifício de qualquer robô de timeline: e o Lula? Por que vocês não falam do Lula? (Spoiler: o convidado era outro).

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Sobrou até para Geraldo Alckmin. O vice-presidente caiu de paraquedas na conversa quando o candidato foi perguntado sobre a razão para manter ao redor tanta gente supostamente envolvida com tráfico ou com facção criminosa.

A culpa, segundo ele, era do ex-governador de São Paulo, que teve a chance de asfixiar o grupo criminoso e não conseguiu. Então tá.

A certa altura, como se já não tivesse o que dizer, ele cantou de cabeça a música "Diário de um Detento", dos Racionais MCs, para dizer que vinha da periferia e conhecia a cultura da quebrada —mesmo tendo só um teleférico como proposta para as franjas da cidade. Usou até a palavra "mano" para mostrar lugar de fala na resposta.

"Minha mãe odiava que eu cantasse essa música."

Eduardo Suplicy não ousaria tanto num programa de entrevistas.

Vendo onde estava se metendo, disse que cantava aquelas letras porque aquela era a cultura da periferia. Não porque endossava a crítica do grupo liderado por Mano Brown à polícia. Foi um choque, mesmo assim.

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Como os mediadores de debates entre candidatos, a apresentadora Vera Magalhães e os convidados penavam para fazer Marçal ficar na linha do que tinha sido perguntado a ele. Em vão. Toda vez que era advertido, ele citava as expressões Estado Democrático de Direito e liberdade de imprensa para responder o que bem queria.

Verdade seja dita, ele conseguiu soltar o apito de cachorro ao criticar o que chamou de postura política do STF e o bloqueio do "X", de Elon Musk, no Brasil, como censura prévia. Tudo sem comprar briga direta com o ministro Alexandre de Moraes.

Ele ainda tentou atribuir aos adversários a manutenção do baixo nível dos últimos debates. "Saio de casa pensando que hoje vai ser dia da nobreza. Mas eles [os adversários] estão desesperados. Estou concorrendo contra as máquinas municipal, estadual e federal sem as minhas redes sociais", queixou-se, a certa altura.

"Sou atacado de forma deselegante", disse o cara que usou a condenação de um homônimo de Guilherme Boulos para acusar falsamente o candidato do PSOL de ser usuário de cocaína.

Quem assistiu ao programa completo percebeu que, torcido e retorcido, Marçal não tem ideia do que fazer quando vir um buraco no asfalto pela frente.

Para ele, tanto faz: importa é levar para o público cativo a ideia de que jantou todo mundo e navega contra tudo e contra todos.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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