Do "chefismo" ao "toma lá, dá cá", balcão de negócio domina escolha do vice

Guilherme Azevedo

Do UOL, em São Paulo

  • Alan Marques/Folhapress - 2.mar.2016

    Dilma e Temer foram de parceiros de chapa a inimigos políticos

    Dilma e Temer foram de parceiros de chapa a inimigos políticos

Analistas políticos ouvidos pelo UOL avaliam que o processo de escolha dos candidatos a vice-presidente da República na eleição de outubro está seguindo, como em outras eleições, a lógica do fisiologismo. Significa que promessas de cargos e de recursos, de espaço no novo governo em caso de vitória, prevalecem, deixando em plano secundário o critério de seleção por currículo e programas dos nomes a vice.

A consequência da escolha baseada mais em projeto de poder do que em afinidade de ideias pode se transformar em fator adicional de turbulência e fonte de crise para o futuro presidente, alertam os especialistas.

Até a manhã desta quinta-feira (2), nenhum dos cinco presidenciáveis mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto (Luiz Inácio Lula da Silva, PT; Jair Bolsonaro, PSL; Marina Silva, Rede; Geraldo Alckmin, PSDB; e Ciro Gomes, PDT) havia anunciado o nome do vice que comporá a sua chapa. Ao final do dia, o presidente do PV confirmou que Eduardo Jorge seria o vice na chapa de Marina, assim como Alckmin informou que a senadora Ana Amélia aceitou ser sua vice.

"A escolha do vice no Brasil sempre se dá por motivos fisiológicos. Ou maximizando meu tempo de campanha na TV ou maximizando minha candidatura de forma simbólica, com alguém complementando algo que falta em mim", frisa o cientista político Malco Camargos, da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais).

Camargos exemplifica com as chapas presidenciais formadas por Lula e o empresário José Alencar (PL), nas eleições de 2002 e 2006, significando a união entre trabalho e capital; e a de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), em 2010 e 2014, representando a soma do perfil mais técnico à do perfil mais político e parlamentar.

"Os dois mecanismos têm por objetivo aumentar as chances de vitória [do titular]. Quando complementa o perfil, é simbólico. Quando aumenta o tempo de TV, é pragmático."

Juca Varella/Folhapress
Lula e o empresário José Alencar durante a campanha de 2002

A demora nos anúncios dos nomes, diz o professor da PUC-MG, está em parte associada ao encurtamento do período de campanha eleitoral. Neste ano, oficialmente, a corrida começa em 16 de agosto, enquanto em 2014 se iniciou em 6 de julho, cerca de 40 dias antes.

O prazo das convenções partidárias, que vão formalizar candidaturas de titulares e vices, bem com alianças, se encerra neste domingo (5). Isto é, o nome do vice, para o partido que terá candidato próprio a presidente, sai sem falta no fim de semana, conforme norma do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"Os partidos estão usando até o último minuto que têm para melhor negociar", aponta Camargos.

Para o professor Roberto Romano, do departamento de filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), as discussões que se alongam em torno do vice assumiram de fato caráter de negócio.

A dificuldade [de escolher o vice] não é político-partidária, mas dos líderes partidários, com seus interesses mesquinhos e imediatos. O que querem é garantir o seu espaço
Roberto Romano, filósofo

Romano identifica um problema na base, que é o comportamento torto dos partidos brasileiros. "São uma aglomeração de siglas que negociam nomes e acordos nas costas e sem o conhecimento dos militantes. Seria necessário que os partidos fossem democráticos, fazendo eleições internas, e eles não o são. Quando ocorrem as eleições gerais, os pratos, as alianças estão prontos."

É o que o filósofo da Unicamp, citando o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), chama de "bossismo" (chefismo), da cultura do "boss" (chefe, em inglês), daquele que cuida dos acordos financeiros, prática que vigoraria nas legendas brasileiras.

"A função do 'boss' é negociar alianças rendosas para quem domina os partidos. O que está sendo negociado no momento é o que eu levo, que cargos, recursos, que apadrinhados posso colocar na máquina do Estado."

Romano observa também que políticos envolvidos, condenados e que já foram até presos por corrupção, como Roberto Jefferson (PTB) e Valdemar Costa Neto (PR), ambos pivôs do escândalo do chamado mensalão, no primeiro governo Lula, "estão dando as cartas outra vez".

Reprodução/"Folha de S.Paulo"
17 de abril de 2016: Temer sorri ao acompanhar votação do impeachment pela TV

"É tudo na base do 'toma lá, dá cá', do 'é dando que se recebe'. Esses dirigentes estão nos levando para o abismo, enquanto cantam e dançam. Estão produzindo uma 'não eleição', porque aquele que ganhar não terá votação maciça."

Marco Antônio Teixeira, cientista político da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas de São Paulo), concorda com seus colegas e vê a prevalência do pragmático na hora de escolher.

"É para levar o titular [candidato a presidente] aonde ele não chega, como os grotões do interior do Brasil, para aumentar o tempo de TV e agregar força de campanha. O elemento ideológico não está presente nas discussões."

Teixeira também acredita que a definição do vice-presidente esteja mais difícil nas eleições deste ano porque as coligações estão muito imprevisíveis. A essa imprevisibilidade do cenário, o professor da FGV-SP soma a escassez de nomes com força para o cargo de vice.

"O 'centrão' [bloco de partidos formado pelo DEM, PR, PRB, DEM e Solidariedade] é exemplo. Não tem um vice a oferecer a Alckmin que não traga algum desgaste. O único era o Josué [Josué Gomes, do PR, filho do empresário José de Alencar, que fez chapa com Lula], que disse não. Os nomes do 'centrão' são muito limitados", frisa. "O próprio mercado tradicional da política está mais restrito, devido à Operação Lava Jato."

Marco Antonio Teixeira/UOL
Protesto contra o impeachment de Dilma

O "Fla-Flu" da política e da sociedade brasileira, percebido desde a eleição presidencial de 2014 e o embate no segundo turno entre Dilma e o tucano Aécio Neves, em seguida aprofundado com o processo de impeachment de Dilma, em 2016, tem também seu reflexo sobre a definição de candidatos em geral. Esta é a visão do cientista político Fábio Wanderley Reis, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"Algo que está certamente interferindo nisso é o fato de que as candidaturas tendem a expressar a polarização que se está vivendo. Isso dificulta na hora de compor a chapa, principalmente em termos de diversificação."

Para Reis, trata-se de quadro incerto, que quase não oferece segurança nem mesmo sobre as candidaturas, como a de Lula, em tese proibida pela Lei da Ficha Limpa, que veta a participação de candidatos condenados em segunda instância na Justiça.

"O vencedor virtual, tal qual aparece nas pesquisas [Lula lidera as intenções com cerca de 30% da preferência], é alguém que está na cadeia. Não me lembro de já ter visto uma pré-eleição tão peculiar. Isso tudo interfere na definição dos vices", diz o professor.

Junior Lago/UOL
Manifestação pelo afastamento de Dilma

O vice é risco

Depois do impeachment de Dilma e da articulação para derrubá-la que incluiu seu próprio vice, e de outros exemplos de vices, em outras esferas públicas, a importância política de um colega de chapa mais alinhado com o titular e mais bem preparado tornou-se clara.

Entretanto, como observam os especialistas com quem o UOL conversou, as eleições de 2018 têm tudo para padecer do mesmo mal no quesito vice.

"É curioso esse modo de escolha, dado o seu impacto. Veja São Paulo: tem um vice hoje no governo do estado [Márcio França, do PSB, que foi vice-governador de Alckmin e é candidato ao Executivo paulista] e outro na prefeitura [Bruno Covas, do PSDB, que foi vice-prefeito do também tucano João Doria, que agora concorre ao governo paulista]. Sem falar em Dilma e Temer."

A escolha do vice não reflete a importância que o ocupante do cargo está tendo
Marco Antônio Teixeira, cientista político

Malco Camargos, da PUC-MG, também se mostra apreensivo com um vice que possa se tornar oponente em potencial. "O cargo é utilizado só como forma de maximizar as chances de vitória e as consequências são grandes chances de ruptura no futuro. Uma escolha pragmática gera um ônus durante o exercício do mandato. Por exemplo, além de Dilma e Temer, o caso de Pimentel e de seu vice-governador [Fernando Pimentel, do PT, governador de Minas Gerais, e Antônio Andrade, do MDB, romperam em 2016].

Roberto Romano coloca a discussão sobre o vice no bojo da necessidade de "remodelagem do Estado brasileiro", que considera falido por uma série de questões, entre elas, sua incapacidade de bem gerir e fiscalizar.

"A questão dos vices é uma das partes mais delicadas e mostra a fragilidade do presidencialismo brasileiro. Mas nenhum dono de partido está pensando agora num possível problema de sucessão, só em ganhar vantagens."

Então caberá ao eleitor o esforço extra de esmiuçar também o currículo e a trajetória dos futuros vices, para bem escolher o voto. Como mostra a história recente brasileira, pode ser que aquele ou aquela, que aparece sorrindo atrás na foto, também chegue lá.

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