Bolsonarismo e planos de bancada estimulam candidatos das Forças Armadas

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

  • Arte/UOL

    A partir da esquerda: o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), a coronel da reserva Regina Moézia (PRP), o capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) e o general de divisão da reserva Roberto Peternelli (PSL)

    A partir da esquerda: o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), a coronel da reserva Regina Moézia (PRP), o capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) e o general de divisão da reserva Roberto Peternelli (PSL)

Junto com a candidatura do capitão reformado e deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, um grupo de mais de uma centena de militares das Forças Armadas --a maior parte da reserva, mas pelo menos 32 deles da ativa-- se prepara para disputar as eleições de outubro.

Alguns admitem a ambição de vir a formar uma futura "bancada militar" no Congresso e, enquanto surfam na onda de um aumento recente da imagem positiva das Forças Armadas no Brasil, dizem que a única maneira de mudar o país é pela via democrática. Intervenção, portanto, só se for pelo voto.

Uma pesquisa Datafolha divulgada em junho apontou que as Forças Armadas são avaliadas como a mais confiável em uma lista de dez instituições.

"Alguns amigos brincam: pode ter intervenção democrática. Se alguém quer intervenção pelos militares, vote nos militares. É quase uma propaganda", afirma o general de divisão da reserva Roberto Peternelli (PSL-SP). "Existe um movimento da sociedade como um todo de renovação da classe política, e os militares pensam dessa mesma forma." Candidato a deputado federal, Peternelli é um dos maiores entusiastas da nova onda de militares na política. Ele incentivou outros colegas a disputarem as eleições e se tornou um dos membros mais ativos do grupo de WhatsApp em que eles trocam informações. 

Camarapel/Divulgação
Peternelli é um dos maiores entusiastas da nova onda de militares na política

O general é um dos responsáveis no grupo por atualizar a lista de candidatos militares para outubro. A relação contabiliza 105 nomes --incluindo Bolsonaro e o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), o vice na chapa do presidenciável do PSL. A relação também inclui 32 militares da ativa, distribuídos por 22 partidos e candidatos no Distrito Federal e em quase todos Estados --as exceções são Acre, Alagoas, Espírito Santo e Paraná.

As convenções partidárias, realizadas entre o final de julho e o início deste mês, provocaram mudanças na lista de Peternelli. A principal delas foi a confirmação de um nome de peso no meio militar como candidato a vice na chapa de Bolsonaro: o general Mourão, atual presidente do Clube Militar. A entidade, com sede no Rio de Janeiro, reúne militares da ativa e da reserva.

Mourão e o general Augusto Heleno são as duas referências mais importantes no grupo de militares ligado a Bolsonaro. Heleno, que estava filiado ao PRP, também chegou a ser cogitado a vice na chapa, mas o fracasso de uma aliança com o PSL frustrou essa expectativa e provocou o seu desligamento da legenda.

O general Heleno segue, no entanto, como um dos principais conselheiros da campanha de Bolsonaro, e o candidato a presidente já disse que, caso seja eleito, Heleno fará parte de seu ministério.

Terceira geração de militares

Um dos responsáveis pela filiação do general Augusto Heleno ao PRP foi o também general da reserva Paulo Chagas, candidato pelo partido ao governo do Distrito Federal. Chagas teve um peso importante na entrada de diversos militares no PRP, incluindo a única mulher na lista de 105 nomes contabilizados por Peternelli: a coronel da reserva Regina Moézia, candidata a deputada distrital.

Apesar da ausência de mais nomes femininos entre os candidatos militares, Regina diz que é contra cotas para mulheres. "Não sou uma feminista com esse F maiúsculo que existe hoje em dia", afirma. "Como acho que a gente pode chegar onde qualquer homem chegou, acho que tenho de concorrer de igual para igual, não precisa ter cota." 

Reprodução/Facebook/Coronel Regina - Exército Brasileiro
Regina Moézia é da terceira geração de militares em sua família

A coronel diz que apoia campanhas contra o assédio sexual e moral que atinge a vida das mulheres e admite que já sofreu com problemas do tipo. Mesmo assim, afirma que as Forças Armadas não são uma instituição machista.

"Hoje em dia, fala-se mais abertamente sobre isso", avalia Regina. "Mas a grande maioria ainda sofre esse tipo de abuso e não fala. Mesmo a mulher mais esclarecida, quando sofre esse tipo de abuso, não está preparada, porque ela não espera. Foi o meu caso. A mulher fica meio acuada. É muito difícil provar."

"O Exército não é machista, é uma instituição democrática. O que existe são pessoas machistas, como em qualquer instituição", acrescenta. "O assédio sexual e moral existe em todo lugar. A mulher é muito mais vulnerável. A gente já avançou muito, mas precisa avançar mais, com leis mais severas e com uma investigação mais acessível."

Regina Moézia é da terceira geração de militares de sua família. Além de um tio-avô que foi enviado à Segunda Guerra Mundial, ela é filha do coronel reformado Pedro Ivo Moézia, que foi chefe da equipe de interrogatórios do Doi-Codi de São Paulo --um dos principais centros de repressão a grupos de esquerda na luta armada durante a ditadura militar.

"O meu pai tem vários seguidores na internet", afirma Regina. "Ele foi interrogado pela Comissão da Verdade e falou abertamente de tudo o que aconteceu naquela época. O depoimento dele é bem revelador."

Em seu depoimento, o coronel Moézia confirmou que a Polícia Civil de São Paulo usava "castigo físico" para extrair informações de presos políticos. Ele negou que houvesse uma prática de tortura institucional no Doi-Codi, mas disse concordar com a prática de impor sofrimento físico como forma de obter informações "para preservar a vida humana".

Regina Moézia também defende a atuação dos militares no período. "O que o Brasil viveu naquela época foi uma guerra contra o terrorismo", afirma. "Na guerra, você não vai fazer carinho nem tentar negociar."

Bolsonarismo e legado da ditadura militar

Desde 2010, Jair Bolsonaro já falava em ampliar a participação de militares na vida política brasileira. Na época candidato a deputado federal pela sexta vez, ele já articulava o grupo por meio de uma mala direta com nomes de milhares de militares.

Agora, oito anos depois e turbinadas pelas redes sociais e pelo WhatsApp, as ideias de Bolsonaro encontram ressonância no novo grupo de militares candidatos.

Assim como o presidenciável do PSL, a lista de Peternelli critica os governos do PT, reclama de um suposto exagero do politicamente correto (em especial, em temas como homofobia, machismo e racismo), defende o uso de armas pelo cidadão comum e não aceita a descriminalização das drogas ou do aborto. 

Pedro Ribas/ANPr - Agência de Notícias do Paraná
General da reserva Hamilton Mourão é vice de Bolsonaro

"As ideias básicas do que o Bolsonaro propõe são, para mim, as ideias que interessam ao país", afirma o general Heleno. 

Outro ponto em comum no discurso do grupo de militares ligados a Bolsonaro é a defesa da ditadura militar que o Brasil viveu entre 1964 e 1985. A tese é a mesma: a de que a "revolução de 64" evitou uma ditadura comunista no país e de que os governos militares desenvolveram a economia e a infraestrutura do Brasil.

"O regime transpôs o Brasil de uma economia agrária, com uma indústria insuficiente e uma infraestrutura fraca, para praticamente tudo o que nós tempos hoje", afirma o general Mourão.

Aquele período [ditadura militar], como todo e qualquer período, teve os seus erros.  Mas toda a vez que há uma guerra, existem excessos. Não existe nenhuma guerra em que não haja excessos. É uma realidade.

General Mourão

A Comissão Nacional da Verdade, criada pelo governo federal em 2012 para investigar violações de direitos humanos durante a ditadura militar, apontou 434 casos confirmados de mortes e desaparecimentos de pessoas sob a responsabilidade do Estado brasileiro no período de 1946 a 1988.

O relatório final da comissão também apontou "a prática sistemática de detenções ilegais e arbitrárias e de tortura, assim como o cometimento de execuções, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres por agentes do Estado brasileiro".

Para o pesquisador Paulo Ribeiro da Cunha, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), que participou da Comissão da Verdade, o debate sobre o legado da ditadura militar ainda desperta tensões na sociedade. Mas ele avalia que a postura de quem rejeita reconhecer os abusos do período é um desserviço às próprias Forças Armadas.

"Se você olhar os dados da Comissão da Verdade, os militares, enquanto categoria social, foram comparativamente o grupo mais perseguido pelo golpe de 64", afirma Cunha. "Ao mesmo tempo, menos de 3% dos militares que foram caçados e perseguidos foram para a luta armada."

De acordo com a Comissão da Verdade, 6.591 militares foram perseguidos durante o período. O relatório diz que o cálculo inclui aqueles que participaram "das lutas pelas grandes causas nacionais, entre 1946 e 1964, bem como os perseguidos no limiar do processo de redemocratização".

Direita, volver

Os militares fazem questão de reafirmar a todo instante que as Forças Armadas são uma instituição apartidária. Os militares da ativa que disputam cargos públicos em eleições são obrigados a se licenciar de suas funções.

Mas, na lista de Peternelli, quase todos os candidatos militares aparecem filiados a partidos de direita e centro-direita. O PSL, de Bolsonaro, responde por 50 dos 105 nomes da relação. Entre os 22 partidos listados, o único mais associado a forças de centro-esquerda é a Rede, com um candidato a deputado federal e outro, estadual, em Goiás.  

Ronaldo Silva/Estadão Conteúdo
Ideias de de Bolsonaro encontram ressonância no novo grupo de militares candidatos

Para o pesquisador Paulo Ribeiro da Cunha, a participação de militares na política brasileira não chega a ser uma novidade. Ele lembra que a própria república foi proclamada, no final do século 19, a partir da ação de militares.

O professor da Unesp recorda também a experiência do almirante Hernani Fortuna, candidato a presidente pelo PSC em 1994. Na época, foi o menos votado nas eleições e não despertou grande repercussão, mas gerou um movimento de vários outros militares se candidatarem pelo mesmo partido.

"Essa tendência de um campo fundamentalmente conservador aglutinar militares em torno de um candidato ou de um partido é algo que se recoloca hoje", avalia Cunha. "Talvez o dado novo seja um candidato que, no momento, tem um alto índice de intenção de voto."

O pesquisador acrescenta ainda que, antes da ditadura militar iniciada em 1964, o Brasil já tinha um envolvimento histórico de militares na política. Mas, na opinião dele, hoje sabe-se muito pouco sobre o perfil dos militares no país e a falta de militares de esquerda é, de certa forma, um reflexo da sociedade.

"Nos anos 50, o Partido Comunista tinha o seu setor militar, mas a UDN --que era era o partido conservador, de direita-- também tinha", diz Cunha. "As Forças Armadas são uma instituição conservadora, como é também a sociedade brasileira. Você também tem candidatos que estão disputando em um campo mais à esquerda, mas são poucos."

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