No interior do Nordeste, candidatos apelam ao medo para conquistar votos

Aliny Gama e Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Estrela de Alagoas

  • Beto Macário/UOL

    Rebeca Silva Oliveira, de Lagoa da Mata dos Faustos (AL), vota no PT e em Haddad

    Rebeca Silva Oliveira, de Lagoa da Mata dos Faustos (AL), vota no PT e em Haddad

Longe dos grandes centros urbanos, cidades do semiárido nordestino vivem um clima eleitoral diferente do resto do Brasil e de paz nos debates.

Historicamente composta por redutos petistas, a região vê uma campanha presidencial com a mesma lógica das últimas disputas, sem campanhas nas ruas e longe de ataques. Jair Bolsonaro (PSL) teve apenas 9,7% dos votos na cidade contra 75,9% de Fernando Haddad (PT) no município de Estrela de Alagoas (AL), localizado na região agreste do estado.

Ainda sem a comunicação em massa feita pela internet, tanto a equipe de Bolsonaro quanto a de Haddad jogam com o medo do adversário: o eleitor petista diz que teme o corte nos programas sociais, já os votantes no capitão reformado mencionam uma fama "anticristã" do PT, justificativa para a perda de votos ali.

Em Estrela de Alagoas, de estimados 18 mil habitantes, não há comitês de nenhum dos candidatos nem militantes remunerados.

Quando a reportagem circulou pelas ruas na última terça-feira (16), foram avistados carros com adesivos do candidato do PSL, mas não houve relatos de clima acirrado ou de violência causada pela política.

Evangélica da Assembleia de Deus, a funcionária pública Claudia Maria dos Santos, 39, votou no primeiro turno em Bolsonaro e vai repetir a escolha no próximo dia 28.

"O pastor orientou que não votássemos em candidato que não fosse de encontro aos princípios cristãos. Ele não disse nome, mas entendemos que é [para votar em] Bolsonaro. O PT quer destruir a família, é favor do aborto e da ideologia de gênero", afirma Santos, destacando que "é absurdo o cara preso [o ex-presidente Lula] e o povo querer ele".

Beto Macário/UOL
José Erisvam dos Santos Pereira, 24, não considera Bolsonaro homofobico: "Cada um encara de uma forma, ele não gosta, mas respeita"

José Erisvan dos Santos Pereira, 24, é homossexual e diz que não acredita que Bolsonaro seja contra sua orientação sexual, mesmo com o "alerta" feito por seus amigos.

"Isso tudo é 'queimação' do outro candidato, é jogo político. Bolsonaro respeita os homossexuais, mas não gosta. Existe uma grande diferença nisso e, se fosse verdadeiro que ele vai perseguir gays, nenhum votava nele", ressalta.

Na decisão sobre em quem votar, há o receio de perder um benefício social. Desempregado, Edmilson Rosendo da Silva, 40, diz que nunca vai deixar de votar no PT e nos candidatos que Lula mandar porque "ele diminuiu a fome do nordestino".

Com três filhos mais a mulher, recebe Bolsa Família no valor de R$ 240 e afirma que os ricos fizeram uma perseguição ao ex-presidente.

"Lula está preso injustamente, porque ele trabalhou mudando a realidade dos miseráveis", defende Silva. "Muita gente ia embora daqui porque passava fome. Hoje se vive melhor aqui com os programas que o PT fez. Nunca vou deixar de votar em Lula ou no candidato que ele indicar porque temos gratidão pelo que ele fez. Lula praticamente acabou com a nossa fome."

Essa é uma explicação comum para o voto a Haddad na cidade. O aposentado José Nilson Porfírio, 60, relembra a vida sofrida da família antes dos programas sociais implantados pelo PT.

"Nordestino nenhum devia votar em outro candidato porque Lula e o PT fizeram muito pelo pobre. Se entrar outro, iremos sofrer. Não somos preguiçosos porque recebemos Bolsa Família. Eu me aposentei e estou vendendo picolé para completar a renda", conta ele na casa onde vive com mais seis pessoas.

Um voto sem medo de represália

No sertão alagoano, Haddad venceu em todas as cidades, muitas de forma expressiva, com votação acima dos 70%.

Mesmo com tamanha diferença, os poucos eleitores de Bolsonaro de Estrela de Alagoas declaram voto abertamente e fazem campanha sem medo de represálias. 

Beto Macário/UOL
José Francisco Souza Ferraz, 53, votava no PT e agora, por conta da corrupção, diz: "Estou no caminho certo, voto 17"

"Tivemos 700 votos para ele aqui, somos a minoria, mas não me sinto oprimido em falar. O voto é livre e, do mesmo jeito que respeito a escolha dos outros, respeitam a minha", diz o funcionário público José Francisco Souza Ferraz, 53. 

O servidor justifica seu voto em Bolsonaro por ele ser "ficha limpa" e por prometer o combate à corrupção.

Ele diz que usa a TV para ter informações do candidato. "Não perco um jornal ou guia eleitoral para me informar sobre as propostas dele para debater com as pessoas", afirma.  

"O Brasil está bagunçado demais"

Há também aqueles que mudaram de voto. A dona de casa Claudia Maria da Conceição, 36, diz que sempre votou em Lula e nos candidatos do PT, mas nesta eleição foi convencida pela família de uma amiga a votar em Bolsonaro.

"O Brasil está bagunçado demais e não podemos continuar no erro", diz Conceição, destacando que recebe Bolsa Família e que as pessoas tentam convencê-la a mudar de voto para não perder o benefício.

"Antes ficava com medo, mas vi um vídeo de Bolsonaro tranquilizando que não vai acabar, vai cortar de quem recebe ilegalmente. Como eu não estou nesse perfil, não tenho mais medo", disse.

Beto Macário/UOL
Há poucos adesivos de candidatos à Presidência em carros, casas ou prédios comerciais em Estrela de Alagoas, município do sertão alagoano

Muitos eleitores ainda acham que votaram em Lula --e que farão isso de novo no segundo turno. "Eu sei que é o Lula o candidato, não sei de outro, não", diz a aposentada Marineide da Silva, 67.

"No primeiro turno, votei nos candidatos que me disseram que eram a favor dos pobres. Votei no Lula na primeira votação e vou votar nele novamente."

A desinformação é comum no povoado de Lagoa do Mato dos Faustos, na zona rural de Estrela de Alagoas. A dona de casa Danielle dos Santos da Silva, 35, disse que vai votar em Lula "por ele ser o melhor candidato" e desconhece sua prisão e a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de proibir que ele concorresse à Presidência.

"Eu quase não vejo televisão e só sei que meu candidato é Lula. No primeiro turno, não deu para ir votar, mas nessa próxima eu vou. Meu voto é dele", afirma, sem conhecer nenhum outro candidato. "Dadá [Haddad]? Esse não conheço, não! Esse Bolsonário também não. Eu só sei que voto no Lula." 

Beto Macário/UOL
Danielle dos Santos da Silva, 35, em Lagoa das Matas dos Faustos, onde muitos acreditam que votaram em Lula

Receba notícias do UOL. É grátis!

UOL Newsletter

Para começar e terminar o dia bem informado.

Quero Receber

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos