Ex-neonazista conta como se aproximar de extremistas "cegos de ódio"

Juliana Carpanez

Do UOL, em São Paulo

  • Reprodução/Instagram/cpicciolini

    Ex-neonazista, Christian Picciolini trabalha para desengajar indivíduos de grupos radicais

    Ex-neonazista, Christian Picciolini trabalha para desengajar indivíduos de grupos radicais

"Os judeus controlam a mídia e o sistema financeiro. Imigrantes vêm ao país para roubar nossos empregos. Os negros são preguiçosos e cometem crimes. E a palavra 'diversidade' é um código para o genocídio branco. Precisamos garantir a existência do nosso povo e o futuro das crianças brancas. Era nisso em que eu acreditava."

A fala é do norte-americano Christian Picciolini, 44, que aos 14 anos --com baixa autoestima e sem saber qual seu lugar no mundo-- foi abordado nos EUA por um homem que o apresentou ao movimento skinhead neonazista. Durante oito anos, lembra, ele esteve associado a este grupo extremista, cometendo "atos de violência contra pessoas somente pela cor da pele, pela orientação sexual, ou o deus em quem acreditavam. Eu armazenava armas para o que considerava uma guerra racial iminente".

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Com o aumento no número de relatos da violência política no Brasil, o autor de "Suástica Yankee: Eu Fui Um Supremacista Branco" (editora Seoman) concedeu uma entrevista por email ao UOL em que fala sobre extremismo e ódio. Essas palavras continuam presentes em sua vida, apesar de ter se dissociado do neonazismo aos 22 anos: Picciolini foi cofundador do projeto Life After Hate (vida depois do ódio) e hoje está à frente da Free Radicals, uma organização sem fins lucrativos que ajuda famílias no processo de desengajar indivíduos de grupos radicais --até mesmo jihadistas

Arquivo pessoal
Christian Picciolini faz saudação nazista, em foto de 1992, quando ele pertencia ao movimento skinhead neonazista

Em palestra no evento TED, ele descreveu sua estratégia: "Não faço isso discutindo com eles, nem debatendo, nem dizendo que estão errados, mesmo que às vezes eu queira. Não faço isso". Seu trabalho consiste em ouvi-los, entender seus traumas e queixas, para então ajudá-los a lidar com esses problemas. "Tento tornar as pessoas mais fortes, mais autoconfiantes, mais capazes de terem habilidades para concorrer no mercado de trabalho para não terem que culpar o outro, que nunca conheceram".

Como parte desse resgate, ele promove encontros entre os extremistas e as pessoas que dizem odiar. Foi quando se afastou do neonazismo e abriu sua loja de discos --com foco em músicas de supremacia branca, mas que oferecia outros estilos para não ser boicotada pela vizinhança-- que Picciolini conheceu de perto seus "inimigos". Lá, ele se conectou com um adolescente negro e entendeu que um casal gay amava o filho da mesma forma que ele amava o seu.

Confira a seguir as declarações de Picciolini ao UOL sobre ódio, extremismo, política e as eleições no Brasil. 

Desespero cega e leva ao ódio

"O desespero cega as pessoas e frequentemente leva ao ódio. Também afeta a percepção de realidade. 2 + 2 = 4 para a maioria do mundo, mas alguns acham que 2 + 2 = 5, porque a 'escola' ou o ambiente que frequentaram durante a vida inteira os ensinou dessa maneira. Não há forma de convencê-los que 2 + 2 = 4, a não ser que você mostre, mas eles descubram a verdade por eles mesmos."

Não há nada que se ganhe com o ódio

"O ódio nasce da ignorância. O medo é o seu pai, e a mãe é o isolamento. Quando odiamos, nos isolamos ainda mais daquilo que temos medo. E sentir-se marginalizado não é bom para nenhuma conexão humana saudável. 

Arquivo pessoal
Ex-neonazista promove encontro entre extremistas e as pessoas que eles 'odeiam'

Não há nada que se ganhe com o ódio. Como uma droga, o ódio ou a violência traz um sentimento 'bom' naquele momento, mas destrói você e tudo a sua volta. O mesmo com a intolerância. Sentimentos de superioridade forçam a pessoa a se isolar em bolhas sociais menores, isolando aquele indivíduo. 

Isso desconecta a pessoa da informação, do conhecimento e da experiência, o que leva a uma educação inferior, que é o oposto do que aquele indivíduo buscava alcançar."

Compaixão e empatia 

"Compaixão e empatia são as respostas para lidar com o ódio. Precisamos aprender a nos conectar e a valorizar as diferenças, além de reconhecer as semelhanças. E entender que o progresso leva tempo. Como pessoas, devemos primeiro concordar com nossos principais objetivos: saúde, segurança, estabilidade financeira, confiança. Só então podemos explorar o que nos separa."

Política virou torcida de futebol

"A política está sempre associada a algum interesse ou ao ego. Para os cidadãos, a política virou algo como torcer para um time de futebol: o meu precisa vencer a todo custo. Estamos sendo empurrados para as duas pontas mais distantes de um penhasco, de onde nos pedem para pular.

A verdade é que todos vivemos no meio, dependendo do assunto. E precisamos lembrar que os políticos representam a nossa voz, não o contrário. Eles nos representam e, se fracassam em atender às nossas expectativas, precisam ser substituídos.

Na sociedade de hoje, as vozes mais bravas e altas estão ganhando. E elas não estão sempre gritando a verdade, nem representam a maioria."

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