Justiça falhou no controle das fake news durante eleição, dizem juristas

Felipe Pereira

Do UOL, em São Paulo

  • Getty Images/iStockphoto

Pela primeira vez, a internet foi o principal meio de comunicação em uma eleição no Brasil. A transferência do protagonismo da tela da televisão para as telas de celulares, computadores e tablets provocou uma enxurrada de fake news, que não foi controlada pela Justiça Eleitoral, avalia Gilson Dipp, ex-ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"A Justiça Eleitoral demonstrou evidente despreparo para tratar dos novos meios de propaganda. As funções primárias, como prestação de contas, precisam ir para um setor administrativo. A Justiça Eleitoral é para grandes problemas, e este é um grande problema. A Justiça (Eleitoral) tem que dizer a que veio", afirmou o ex-ministro do TSE.

Dipp ressalta que as fake news expõem uma fragilidade do sistema eleitoral. A ameaça aumenta por causa da suspeita de que empresários ligados à campanha eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL) pagaram para que fossem enviadas mensagens em massa por WhatsApp com o objetivo de promover o candidato e prejudicar seu oponente, Fernando Haddad (PT).

Os milhões de reais investidos pelos empresários não foram declarados por Bolsonaro, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, o que -- se comprovado -- viola a lei eleitoral e configura abuso de poder econômico. Ou seja, verba não declarada estaria sendo usada para desequilibrar a disputa.

"Não tenho dúvida de que este acionamento de empresários para impulsionar mensagem (pelo WhatsApp) configuraria vários ilícitos de tipo penal: abuso de poder econômico ou crime eleitoral", disse Dipp.

O TSE abriu investigação para apurar esta suspeita, e a Polícia Federal também foi acionada a pedido da Procuradoria-Geral Eleitoral. Não há prazo para uma conclusão dos trabalhos, mas o ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Wálter Maierovitch afirma que o fato gera consequências. "Começar um mandato com uma ação desta é algo preocupante", afirmou.

"Abuso de poder econômico sempre foi preocupação"

Maierovitch lembra de que é uma ação demorada. A chapa Dilma Rousseff (PT)/Michel Temer (MDB) foi eleita em 2014, mas o julgamento de sua possível cassação por suposto abuso de poder político e econômico na campanha ocorreu somente em junho de 2017, três anos e meio após o começo do mandato.

No entender do jurista, houve irregularidades, e o presidente Temer só não caiu por causa de um arranjo do TSE que desmoralizou a corte. Mas o abuso de poder econômico é algo recorrente na história do Brasil, afirma o ex-desembargador.

Ele conta que foi justamente para enfrentar este problema que o país criou a Justiça Eleitoral em 1932. Na época, o problema era o clientelismo no ambiente rural. Maierovitch conta que, cinco anos depois, Getúlio Vargas extinguiu o órgão. A Justiça Eleitoral só voltou a funcionar em 1945, quando a ditadura Vargas acabou. As complicações, somente para a implantação, mostram as dificuldades de realizar eleições com candidatos em condições iguais.

O abuso do poder econômico sempre foi preocupação no Brasil." 
Wálter Maierovitch, jurista

O século virou, e a Justiça Eleitoral continua a enfrentar problemas. Maierovitch lembra de que, na absolvição de Temer, foram fundamentais os votos de dois ministros do TSE que ocupam vagas reservadas a advogados, e ambos haviam sido indicados pelo presidente Temer.

O jurista acrescenta que Bolsonaro poderá se valer do mesmo expediente, porque tem direito à mesma nomeação. Mas com a experiência de quem compôs o TSE, o ex-ministro Gilson Dipp não crê que a investigação possa resultar na cassação da chapa do presidente eleito. E justifica a opinião com o argumento de que a corte tem um componente político.

"Não acredito em decisão mais drástica. Pode haver multa, há vários tipos de penalidades. Mas não chegará ao ponto de impossibilitar de exercer o mandato."

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