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Lei de Responsabilidade Fiscal freou investimentos dos Estados, mas não os gastos do dia-a-dia

Piero Locatelli<br/> Do UOL Notícias<br/> Em Brasília

09/01/2009 11h39

As despesas de custeio nos Estados quintuplicaram nos últimos dez anos. Segundo estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgado nesta semana, os gastos com salários, energias e outras despesas básicas dos Estados passaram de 1,1% para 6% do PIB (Produto Interno Bruto) dos Estados. Enquanto isso, os gastos em investimentos tiveram forte queda. Eles oscilaram de 2,2% para 0,94% do PIB dos Estados no mesmo período.

O estudo "Dívida dos Estados Dez Anos Depois" (leia a íntegra aqui) avalia a evolução financeira dos Estados dez anos depois da renegociação da dívida deles com a União, em junho de 1998. Com a renegociação, eles tiveram de cumprir as normas da LRF (Lei de Reponsabilidade Fiscal), que vinculou os gastos dos Estados e municípios com a arrecadação de impostos.

Rogério Boueri, autor do estudo junto com Marcelo Piancastelli, falou ao UOL sobre os resultados da pesquisa.

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UOL - Por que o gasto com o custeio dos Estados cresceu enquanto o investimento caiu nos últimos dez anos?
Rogério Boueri -
Isso se deve-se à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela estabeleceu limites relativamente rígidos em investimentos. E os Executivos estaduais acabaram achando brechas para gastar em custeio. Por exemplo, terceirizando alguns serviços.

Já a diminuição nos gastos de investimento ocorre porque esta é uma rubrica mais fácil de ser cortada quando você tem problema de ajuste fiscal. Os gastos de pessoal você precisa respeitar. Mas para respeitar os gastos de pessoal, você coloca nos gastos no custeio.

O que se cortou foi nos gastos de investimento. Isso aconteceu tanto no âmbito federal quanto no estadual.

UOL - Como você vê a Lei de Responsabilidade Fiscal?
Boueri -
Eu sou favorável a um aperfeiçoamento dela. Precisamos repensar a lei em termos gerais, não tratar os diferentes de forma igual. Você submeter São Paulo às mesmas normas que uma cidade com poucos habitantes no Norte do país, olhando isoladamente, não faz sentido. Mas politicamente é difícil de fazer isso.

Não falo em afrouxar, falo até em apertar. Quando você abre essa discussão no Congresso, a tendência é de um afrouxamento geral na lei. Nenhum governador vai ligar para sua bancada para pedir um aperto na LRF. No final das contas, a pressão seria por afrouxamento. Por isso é muito delicado falar em reformular a lei. Mas em termos gerais eu acho que a lei foi positiva.

Por que o Distrito Federal tem um dos maiores gastos?
Boueri -
O DF tem gastos acentuados por dois motivos. Em termos per capita é a unidade mais rica do país. É o dobro de São Paulo. O PIB per capita mais alto leva a um gasto mais alto. E o DF acumula uma dupla função, porque não tem municípios. O governo gasta a parcela correspondente aos Estados e aos municípios.

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Por que os Estados do Norte e Estados mais novos, como Tocantins, também têm gastos maiores em relação ao PIB?
Boueri -
O crescimento de Tocantins, por exemplo, ocorre porque eles estão estruturando um Estado novo. Outros Estados tem uma estrutura pronta há décadas. Em outros Estados, no Norte, por exemplo, apesar de o gasto total ser baixo, a população é muito pequena. Mas o gasto absoluto ainda é muito pequeno. São Estados muito pobres, que dependem desse gasto.

UOL - O aumento dos gastos se deve, também, ao aumento da arrecação?
Boueri -
Sim. É possível dizer isso, porque aconteceu em todas as esferas de governo. Quanto maior a arrecadação, mais dinheiro é gasto. Há uma expansão do limite nominal [de gastos] para determinadas cidades. Se a arrecação cresce, ela cresce.

E porque ocorreu o aumento na arrecadação?
Boueri -
Isso ocorreu por uma série de causas. No caso da União, foram dua: o crescimento econômico e a modernização da Receita Federal, com a utilização de cadastros mais sofisticados. Hoje em dia, se a Receita Federal puder, ela pega qualquer um que esteja fazendo alguma coisa errada. Ela não faz isso porque custa muito para fazer isso, não tem auditores [suficientes].

Mas também as Receitas estaduais se modernizaram. Como muita coisa começou a depender da receita corrente líquida, você precisa mais dela. A Lei de Responsabilidade Fiscal empurrou governadores e prefeitos para uma administração mais eficiente das receitas.

UOL - A crise deve provocar mudanças nessa situação?
Boueri -
A LRF tem um limite, e esse limite será rigidamente testado pela crise, em setores que não têm como sonegar, como a indústria automobilística e o setor de energia. Em algum momento isso vai refletir na receita federal. Isso vai testar o limite de arrecadação do governo, então saberemos as mudanças que virão com a crise.